quarta-feira, 7 de maio de 2008

Choro na Praça

Entre uma barraquinha de antiguidades e outra de óculos com armações coloridas bastante modernas, pessoas circulam atraídas pelos artesanatos variados, roupas, livros, LP's raros, fotografias, pinturas. Rodeada por restaurantes, bares e lojas de decoração, a Feira da Praça Benedito Calixto é freqüentada tanto pela molecada mais jovem, como por casais com crianças e idosos, que aos sábados procuram a praça como uma opção de lazer na cidade de São Paulo.

Mas o que faz dessa, uma feira ainda mais atraente não são as barraquinhas de artesanato, nem de comidas típicas brasileiras, mas a tradicional roda de choro que acontece lá mesmo, no meio da Praça de Alimentação, a céu aberto, todos os sábados das 14h30 às 18h30.


O grupo é o Quinteto da Praça, formado por chorões e uma chorona. São quatro senhores e uma jovem clarinetista, todos muito bons instrumentistas. Durante a tarde, eles fazem um apanhado do choro relembrando clássicos como "Flor Amorosa" de Antonio Callado e "Um a Zero" do mestre Pixinguinha. Conforme os músicos vão tocando, pessoas param para observar melhor a roda. Há quem ache uma dupla e arrisque uns passos. Há quem arrisque os passos mesmo sozinho.

Wilson, 79 anos, é o mais antigo no grupo. Há 15 ele participa da roda tocando violão sete cordas. "Nunca vivi de música", conta ele "mas quem gosta mesmo não se aparta nunca", explica. Ágil e talentoso, Wilson é o que se pode chamar de macaco velho do choro. Com muita naturalidade e leveza, ele faz soar os baixos do violão mostrando que também se improvisa no choro.

O que chama bastante atenção nessa e nas tradicionais rodas é o fato de os chorões não usarem partituras. As aproximadamente 45 músicas que o Quinteto da Praça mostra aos sábados são tocadas de cor. E, diga-se de passagem, erros ou problemas técnicos que comprometam a execução não são freqüentes. Angélica, responsável pelos solos de clarinete explica que durante dois anos estudou o repertório para então entrar na roda. "Não é proibido tocar com partitura, mas o músico que usa não é muito bem-visto".

Ela é a única mulher do grupo e também a única que tem formação musical acadêmica. Estudou na Unesp e além de clarinete, toca sax e se dedica ao jazz. Dentre os compositores de choro que mais gosta, Angélica destaca Pixinguinha, apesar de ser dele "Um a Zero", a música que mais deu trabalho a ela durante os estudos. Nada mais compreensível; Tocar a seqüência ininterrupta de notinhas no ritmo, e tudo isso sem perder o fôlego exige uma respiração adequada, além de muita agilidade nos dedos. Veja só:



Angélica enfim pode descansar um pouco nas partes em que passa o solo para Rodolfo, 74 anos. Assim, clarinete e bandolim vão se revezando durante as partes "A" e "B" das músicas. Essa é uma divisão típica do choro que normalmente apresenta duas partes distintas que se caracterizam por apresentarem melodias trabalhadas em tonalidades diferentes.

O mais sorridente do grupo é Zezinho do Pandeiro, 79 anos, que entre um golinho e outro de cerveja, que é oferecida pela Associação da praça, vai marcando o ritmo das músicas com muita precisão e graça. "É por isso que eu bebo... para tocar", se diverte rindo. Ele, que fugiu de casa para poder tocar o instrumento – o pai queria que seguisse carreira na Marinha –, acompanhou Elizeth Cardoso, na época em que tocava em bares no Rio de Janeiro, e outros grandes músicos com destaque para Elis Regina, Jair Rodrigues e Elza Soares, na ocasião em que fez parte da orquestra Carlos Piper. Essa foi uma orquestra importante e que ficou muito conhecida por acompanhar músicos no programa O Fino da Bossa.

Zé do cavaquinho, 82 é o mais velho da roda. Ele carrega um comprimido de isordil no bolso, por ter sofrido dois ataques cardíacos. "Já fui bom no cavaquinho. Hoje estou até esquecendo o choro", diz rindo.

Quando o relógio marca 18h30, depois de 4 horas intercaladas por pequenos intervalos de 15 e 30 minutos, Wilson anuncia a saideira e quando o grupo termina, são aplaudidos. O movimento por ali já é bem menor, porque a noite cai e a maioria das barracas já encerrou suas atividades. Os músicos também encaixotam seus instrumentos, se despedem e rapidamente deixam a praça. Cada um recebe 70 reais. Zé do cavaquinho e Wilson do violão 7 cordas vão embora juntos. A neta de Zé passa para pegar o avô e Wilson vai também, de carona.

Choro na Praça, só no sábado que vem. Mas fica o exemplo de valorização da música brasileira e a dedicação a esse gênero tão nosso.

Confira o clima do Choro na Praça


A feira na Praça Benedito Calixto só acontece aos sábados, a partir das 9 horas da manhã.


4 comentários:

Anônimo disse...

Gostei bastante do texto. Me senti lá, no miolo da praça.
Da próxima, espero que lembre o meu nome.
Abraço.

Rodrigo disse...

Muito bom o texto. Realmente este grupo de chorões é demais, esqueceu de comentar sobre aquele simpático senhor que aparece no lado direito do vídeo sentado. É o "sorriso" se não me falha a memória.Figura carimbada da praça, sempre chama as damas para dançar, com o seu jeito malandro de ser.

Belo post!!!

Anônimo disse...

é mesmo muito agradável o choro da praça benedito calixto. parabéns, paula e ao pessoal do ferrugem!

André Carvalho disse...

Gostaria de parabenizar a galera do Vermute. Muito ligada ao samba que deve ser valorizado. Parabéns.

Sou lá do www.ocourodocabrito.blogspot.com , e também toco o www.coisadaantiga.blogspot.com e o (ufa) o www.pratoefaca.com (Estes últimos dois através dos ilustres Ary do Baralho e Alvarenga do Morro do Chapelão).

Vi aqui links desses blogs. Vou colocar no Couro o link do Vermute também.

Parabéns Paula, Murilo e Fel. Estamos juntos na batalha pela valorização do samba. Podem contar comigo no que precisar. Abraços

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