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sexta-feira, 13 de junho de 2008

Dona Inah - Simplicidade e Talento

Mais uma seção que o Vermute com Amendoim inaugura. Veja nosso primeiro perfil:
Já passa das 23horas. Os instrumentos dos músicos, que estão sentados em semicírculo, começam a conversar. De pé, na frente deles, uma senhora de pouca estatura é quem assume o microfone. A partir daí somente samba - bons sambas - até as 3 horas da manhã, no bar Ó do Borogodó.

Ela não balança muito o corpo. Ela não precisa de uma lista com a ordem nem a letra das músicas. Aos 73 anos, Dona Inah chama atenção pela voz firme e pela naturalidade com que canta.

É uma das grandes sambistas de São Paulo. Cantora das antigas que por conta das exigências de uma vida dura, permaneceu por muito tempo afastada dos grandes palcos e teve um reconhecimento tardio do seu trabalho.

Neta de escravos e filha de músicos, Inês Francisco da Silva cresceu entre negros na região de Araras, cidade do interior de São Paulo. “Ali havia muita coisa bonita, mas muito da cultura popular se perdeu”, lamenta.

Aos 18 anos veio para São Paulo e iniciou sua carreira artística na década de 50, cantando em rádios paulistanas.

Dona Inah casou e parou de cantar. Sofreu a morte de quatro dos seus sete filhos e depois de separada deu duro para criar sua família. Dormiu na rua, foi pedinte, trabalhou como faxineira, babá, cozinheira. Trabalhava durante o dia e voltou a cantar à noite. “Freqüentei a melhor escola de música, a escola da noite. Sofri muito, até que eu tive que levantar a cabeça. Os amigos ajudaram muito”.

Em 2002, participou do show em homenagem a Clementina de Jesus, ao lado de Fabiana Cozza e Maria Medalha. O convite veio do produtor Heron Coelho, quem conheceu através de amigos. A partir daí a carreira de Inah tomou novos rumos.

Gravou seu primeiro CD, “Divino Samba Meu”, em 2004, aos 69 anos, com produção artística de Hermínio Bello de Carvalho que já havia produzido Cartola e outros grandes sambistas. Foi quando Inah Silva passou a ser conhecida por Dona Inah, nome artístico sugerido por Hermínio que lhe agradou desde o princípio.

Ouça a faixa Peregrino (Noca da Portela) que abre o disco "Divino Samba Meu".

É um belo CD, de músicas de compositores de épocas distintas, interpretadas com simplicidade, mas muita emoção. (leia a crítica do CD feita pelo Vermute).

Sem que Dona Inah soubesse, “Divino Samba Meu” concorreu ao Prêmio TIM de música em 2004. “Eu nunca tinha ouvido falar nesse prêmio”. Competiu ao lado de Fabiana Cozza e Alcione. Alcione levou o prêmio de melhor sambista e Dona Inah, ganhou na categoria de cantora revelação. “Eu comecei a chorar, sou chorona pra burro”, conta e diverte-se.

De lá pra cá Dona Inah não parou mais, solicitada para fazer shows, um dos momentos mais altos de sua carreira foi em 2004. No ano do Brasil na França, ela fez uma turnê na Europa. Se apresentou em Paris, em Zamorra (Espanha) e em Rabat (Marrocos).

Para quem acompanha a carreira dessa grande sambista, uma novidade boa: seu segundo CD já está gravado, “Olha quem Chega”. Porém ela ainda batalha por uma distribuidora para lançá-lo no mercado.

O repertório deste álbum, agora sim, foi escolhido por Dona Inah, e ela optou gravar canções somente deo compositor paulistano Eduardo Gudin, incluindo a faixa que dá nome ao CD. “Ele duvidou que eu faria um trabalho só com as suas músicas, mas eu o infernizei tanto que ele passou então a me mandar muitas músicas.”

Participam ainda do CD o Quinteto branco e preto, Zé Barbeiro, Débora Gurgel, Zé da Velha e João Borba.

Enquanto o segundo Cd não sai, é possível cair no samba e dançar muito as terças-feiras, no Ó do Borogodó, ao som da voz agradável de Dona Inah, maravilhosamente acompanhada pelos competentes músicos Zé Barbeiro (violão de 7 cordas e direção musical), Marco Bailão (violão 6 cordas) Fabrício Rosil (cavaquinho), Douglas Alonso e Pimpa (percussão), Stanley Carvalho (clarinete) e Rodrigo Y Castro (flauta), formação que as vezes conta com outros nomes, como Léo do pandeiro.

Dona Inah esperou 50 anos para lançar seu primeiro CD e hoje com 73 anos faz planos para gravar um DVD. “A gente tem que fazer tudo o que tem vontade de fazer. A minha vida é essa. Hoje eu sou feliz”.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Reduto do choro - Sobre vida, música e arte

Um dos principais pontos de encontro de sambistas dos anos 60 e 70 foi a loja Contemporânea no Bairro Santa Ifigênia. Por ter sido a primeira loja de instrumentos musicais de São Paulo, lá figuras como Cartola, Martinho da Vila, Jamelão e Clara Nunes se juntavam, tocavam e trocavam seus sambas e pagodes. A prática levou o nome de Samba na Vitrine e apesar de hoje não contar mais com as mesmas figuras, após 30 anos ainda continua a reunir amantes do gênero aos sábados, na Rua General Osório 46.
Mas atualmente, a maior parte das pessoas que visitam a Contemporânea aos sábados vem atraída pela roda de choro que acontece nos fundos da loja, das 10 às 14 horas. A roda foi organizada pelo dono da loja, Miguel Fasanelli, 75 anos, para que os chorões tivessem um local oficial onde pudessem se reunir. O encontro, ali, entre chorões da velha-guarda, jovens instrumentistas e curiosos, já se estende por 16 anos.

Como a roda não conta com a participação de integrantes fixos, variam-se muito os músicos que podem ser encontrados aos sábados. Atualmente, as meninas do Choro das 3, Corina, Lia e Elisa, que lançaram recentemente o CD ‘Meu Brasil Brasileiro’, têm chorado com freqüência por lá.
Mesmo para os ouvintes que não participam efetivamente da roda, há banquinhos de madeira para que possam desfrutar da música de maneira mais acomodada - diga-se de passagem, os jovens não são muitos por lá. Há quem chegue sem receio como Fábio de Bonna, 53 anos “sempre que posso estou por aqui”, tira dois chocalhos pequenos do bolso e participa da percussão. A maioria das pessoas já se conhece, cumprimentam-se e muitas se revezam para entrar na roda e cantar um samba. Apesar da tradição do choro, a roda não é fechada para outros gêneros; sambas e até uma bossa nova mais levada são puxados de vez em quando.

O espaço que a loja Contemporânea reservou para a roda de choro foi carinhosamente batizado de sala Evandro do Bandolim, uma homenagem ao músico e amigo, após sua morte em 1994. As paredes da pequena sala, através de fotos e caricaturas, registram personagens marcantes da música popular brasileira como a pianista Chiquinha Gonzaga, o violonista Zé Barbeiro, Garoto, Benedito Lacerda, Donga – que em 1917 consagrou a gravação de Pelo Telefone, considerado o primeiro samba gravado na história - Paulinho da Viola, e outros músicos que passaram pela roda, menos conhecidos, mas não menos importantes no que se refere à continuidade que dão ao rico legado musical brasileiro.

Ouça Pelo Telefone na voz de Zé da Zilda

Além da roda, o espaço é reservado para aulas de violão e cavaquinho que acontecem durante os dias da semana com Arnaldo, 38 anos, músico e professor funcionário da casa.
Aos sábados, a Contemporânea fecha oficialmente às 14 horas, mas o horário muitas vezes não coincide com a empolgação das pessoas. Então, os músicos seguem para o bar ao lado e continuam o que parecem ter aprendido a fazer com muita graça: a arte de tocar a vida.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Choro na Praça

Entre uma barraquinha de antiguidades e outra de óculos com armações coloridas bastante modernas, pessoas circulam atraídas pelos artesanatos variados, roupas, livros, LP's raros, fotografias, pinturas. Rodeada por restaurantes, bares e lojas de decoração, a Feira da Praça Benedito Calixto é freqüentada tanto pela molecada mais jovem, como por casais com crianças e idosos, que aos sábados procuram a praça como uma opção de lazer na cidade de São Paulo.

Mas o que faz dessa, uma feira ainda mais atraente não são as barraquinhas de artesanato, nem de comidas típicas brasileiras, mas a tradicional roda de choro que acontece lá mesmo, no meio da Praça de Alimentação, a céu aberto, todos os sábados das 14h30 às 18h30.


O grupo é o Quinteto da Praça, formado por chorões e uma chorona. São quatro senhores e uma jovem clarinetista, todos muito bons instrumentistas. Durante a tarde, eles fazem um apanhado do choro relembrando clássicos como "Flor Amorosa" de Antonio Callado e "Um a Zero" do mestre Pixinguinha. Conforme os músicos vão tocando, pessoas param para observar melhor a roda. Há quem ache uma dupla e arrisque uns passos. Há quem arrisque os passos mesmo sozinho.

Wilson, 79 anos, é o mais antigo no grupo. Há 15 ele participa da roda tocando violão sete cordas. "Nunca vivi de música", conta ele "mas quem gosta mesmo não se aparta nunca", explica. Ágil e talentoso, Wilson é o que se pode chamar de macaco velho do choro. Com muita naturalidade e leveza, ele faz soar os baixos do violão mostrando que também se improvisa no choro.

O que chama bastante atenção nessa e nas tradicionais rodas é o fato de os chorões não usarem partituras. As aproximadamente 45 músicas que o Quinteto da Praça mostra aos sábados são tocadas de cor. E, diga-se de passagem, erros ou problemas técnicos que comprometam a execução não são freqüentes. Angélica, responsável pelos solos de clarinete explica que durante dois anos estudou o repertório para então entrar na roda. "Não é proibido tocar com partitura, mas o músico que usa não é muito bem-visto".

Ela é a única mulher do grupo e também a única que tem formação musical acadêmica. Estudou na Unesp e além de clarinete, toca sax e se dedica ao jazz. Dentre os compositores de choro que mais gosta, Angélica destaca Pixinguinha, apesar de ser dele "Um a Zero", a música que mais deu trabalho a ela durante os estudos. Nada mais compreensível; Tocar a seqüência ininterrupta de notinhas no ritmo, e tudo isso sem perder o fôlego exige uma respiração adequada, além de muita agilidade nos dedos. Veja só:



Angélica enfim pode descansar um pouco nas partes em que passa o solo para Rodolfo, 74 anos. Assim, clarinete e bandolim vão se revezando durante as partes "A" e "B" das músicas. Essa é uma divisão típica do choro que normalmente apresenta duas partes distintas que se caracterizam por apresentarem melodias trabalhadas em tonalidades diferentes.

O mais sorridente do grupo é Zezinho do Pandeiro, 79 anos, que entre um golinho e outro de cerveja, que é oferecida pela Associação da praça, vai marcando o ritmo das músicas com muita precisão e graça. "É por isso que eu bebo... para tocar", se diverte rindo. Ele, que fugiu de casa para poder tocar o instrumento – o pai queria que seguisse carreira na Marinha –, acompanhou Elizeth Cardoso, na época em que tocava em bares no Rio de Janeiro, e outros grandes músicos com destaque para Elis Regina, Jair Rodrigues e Elza Soares, na ocasião em que fez parte da orquestra Carlos Piper. Essa foi uma orquestra importante e que ficou muito conhecida por acompanhar músicos no programa O Fino da Bossa.

Zé do cavaquinho, 82 é o mais velho da roda. Ele carrega um comprimido de isordil no bolso, por ter sofrido dois ataques cardíacos. "Já fui bom no cavaquinho. Hoje estou até esquecendo o choro", diz rindo.

Quando o relógio marca 18h30, depois de 4 horas intercaladas por pequenos intervalos de 15 e 30 minutos, Wilson anuncia a saideira e quando o grupo termina, são aplaudidos. O movimento por ali já é bem menor, porque a noite cai e a maioria das barracas já encerrou suas atividades. Os músicos também encaixotam seus instrumentos, se despedem e rapidamente deixam a praça. Cada um recebe 70 reais. Zé do cavaquinho e Wilson do violão 7 cordas vão embora juntos. A neta de Zé passa para pegar o avô e Wilson vai também, de carona.

Choro na Praça, só no sábado que vem. Mas fica o exemplo de valorização da música brasileira e a dedicação a esse gênero tão nosso.

Confira o clima do Choro na Praça


A feira na Praça Benedito Calixto só acontece aos sábados, a partir das 9 horas da manhã.


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