quinta-feira, 31 de julho de 2008

1968 - O ano do samba

Em 1968 foi realizada a primeira edição da Bienal do Samba, promovida pela TV Record. O evento chamou atenção de diversos artistas, que resolveram encarar o desafio.

Entre os nomes dos participantes estavam: Ismael Silva, Pixinguinha, Walfrido Silva, Wilson Batista, Cartola, Pedro Caetano, Claudionor Cruz, Germano Mathias, Jorge Veiga, Isaura Garcia, Nora Ney, Jorge Goulart, Demônios da Garoa, Adoniran Barbosa, Helena de Lima, Miltinho, Ciro Monteiro, Ataulfo Alves, Elton Medeiros e Paulinho da Viola.

A importância do festival foi tanta que atraiu também artistas que não eram exatamente sambistas, como: Chico Buarque, Elis Regina, Jair Rodrigues, MPB 4, Márcia, Maríla Medalha, Milton Nascimento, Edu Lobo, Baden Powell, Marcus e Paulo Sérgio Valle e Sidney Miller.


Para se chegar ao resultado final foram realizadas 3 eliminatórias:

1º. Eliminatória - 11 de maio de 1968
1) Lapinha - (Baden Powell/Paulo César Pinheiro) - Elis Regina
2) Ingratidão (Ismael Silva) - Isaura Garcia
3) Sandália da mulata (Donga/Walfrido Silva) - Germano Mathias
4) Tião, braço forte (Marcus Valle/Paulo Sergio Valle) - Milton Nascimento
5) Foi ela (Zé Keti) - Zé Kéti
6) Mulher, patrão e cachaça (Adoniran Barbosa) - Demônios da Garoa
7) Escola de samba (Luis Antonio) - Helena de Lima e Miltinho
8) A Feiticeira do Araxá (Noel Rosa de Oliveira/Anescar/Ivan Salvador) - Jorge Goulart
9) Bom tempo (Chico Buarque de Holanda) - Chico Buarque de Holanda
10) Marina (Sinval Silva) - Noite Ilustrada
11) Pra frente (Pedro Caetano/Claudionor Cruz) - Djalma Dias
12) Coisas do mundo, minha nega (Paulinho da Viola) - Jair Rodrigues

2º. Eliminatória - 18 de maio
1) Quem dera (Sidney Miller) - MPB 4
2) Samba da vida (Miguel Gustavo) - Araci de Almeida
3) Daí um jeito nesse mundo (Bide/Antonio Almeida) - Moreira da Silva
4) Senhor do mundo (Jair do Cavaquinho/Lauro Gomes) - Francisco Egydio
5) Quando a polícia chegar (João da Baiana) - Clementina de Jesus
6) Festival de amor (João de Barro) - Jair Rodrigues
7) Rio dos meus pais (Ataulfo Alves) - Ataulfo Alves e Suas Pastoras
8) Procura-se um tema (Roberto Menescal/Rubens Richter) - Gracinha Leporace
9) Tive sim (Cartola0 - Ciro Monteiro
10) Luandaluar (Sérgio Ricardo) - Marília Medalha
11) Samba arrasta multidão (Luis Reis) - Antonio Borba

3º. Eliminatória - 25 de maio
1) Sem sol e sem amanhã (Capiba) - Claudete Soares
2) Eu tenho tristeza (Antonio Nássara) - Paulo Marquez
3) Samba de protesto (Herivelto Martins) - Agnaldo Rayol
4) Choro chorado (Billy Blanco) - Jair Rodrigues
5) Guerra santa (Ciro de Souza/Mario Rossi) - Osvaldo Nunes
6) Canção do peregrino (Denis Brean/Guilherme de Almeida) - Jorge Goulart
7) Protesto meu amor (Pixinguinha/Hermínio Bello de Carvalho) -Maria Rosa
8) Rainha, porta bandeira (Edu Lobo/Ruy Guerra) - Márcia
9) Pressentimento (Elton Medeiros/Hermínio Bello de Carvalho) - Marília Medalha
10) Ela não é o que dizem (Nelson Cavaquinho) - Jorge Veiga
11) No mesmo lugar (Monsueto) - Monsueto e Irmãs Marinho
12) Um favor (Lupicinio Rodrigues) - Nora Ney
13) Samba do suicídio (Paulo Vanzolini) - Luiz Carlos Paraná.

O evento apresentou alguns fatos curiosos, por exemplo: Wilson Batista foi desclassificado na fase preliminar, porém por sugestão do do jurado Ricardo Cravo Albin e do jornalista Sérgio Porto recebeu uma homenagem, tendo um pout-porri de suas músicas executadas em uma das semi-finais. O evento também ficou marcado pela vaia que Cyro Monteiro recebeu da platéia quando cantava o samba "Tive Sim", de Cartola.

Os vencedores do festival foram:
1) Lapinha (Baden Powell/Paulo César Pinheiro) - Elis Regina
2) Quem dera (Sidney Miller) - MPB 4
3) Luandaluar (Sérgio Ricardo) - Marília Medalha
4) Marina (Sinval Silva) - Paulo Márquez
5) Coisas do mundo, minha nega (Paulinho da Viola) - Jair Rodrigues
6) Protesto, meu amor (Pixinguinha/Hermínio Bello de Carvalho) - Arlete Maria
7) Canto chorado (Billy Blanco) - Jair Rodrigues
8) Bom tempo (Chico Buarque de Holanda) - Claudete Soares
9) Tive sim (Cartola) - Paulo Márquez
10) Pressentimento (Elton Medeiros/Hermínio Bello de Carvalho) - Marília Medalha
11) Quando a polícia chegar (João da Baiana) - Jose Ventura
12) Rainha porta bandeira (Edu Lobo/Ruy Guerra) - Márcia e Edu Lobo



Também merece destaque o fato que o jornalista Augusto Mario Ferreira apontou duas músicas entre as 12 primeiras seriam plágio. A música "Lapinha" que, segundo ele, seria oriunda do folclore baiano, e o samba "Quando a polícia chegar", que teria tido como base para a primeira parte uma música que era executada na casa da Tia Ciata nos primórdios do samba.

Neste mesmo ano foi lançado um disco, que entre outras músicas, contava com as 6 primeiras colocadas.

Em 1971 foi realizada uma nova edição do festival, porém sem grande cartaz. Nessa edição, o evento assumiu um caráter de mostra não competitiva, com destaque para "Pisa neste chão com força" (Giovana), interpretada pela autora.

Informações retiradas do site do Luiz Américo.

Baixe no Cápsula da Cultura o disco da Bienal do Samba.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Nóis viemo aqui pra bebê ou pra conversá?

Adoniran Barbosa fez propaganda para a caderneta de poupança do Unibanco, mas não encerrou sua vida como garoto-propaganda aí. O mote criado para os comerciais da Cerveja Antarctica fizeram bastante sucesso no começo da década de 70.

No filme, um político faz um discurso de inauguração de um monumento público, que está coberto. A multidão, esperando, está cansada com o longo texto. Até que a estátua sai dabeixo do pano. É Adoniran, que diz: “Nóis viemo aqui pra bebê ou pra conversá?”.

O mote foi aproveitado em outras propagandas, sempre com o sambista protagonizando o beberrão da turma.



Para a rádio, foi feito um sambinha dos bons. Que pode ser ouvido neste site, basta procurar o jingle escrito "Cerveja Antarctica". A letra é a seguinte:

Domingo fomos todos prestigiar
Uma festa no largo do Bixiga
Ia ser inaugurada a estáuta
Do famoso benemérito Ataliba

Cerveja Antarctica teve para todo mundo
E a raça toda de copo na mão
Se apreparou pra prestar atenção
No discurso do mestre Raimundo

Mas quando ele ia começar
A chimangada toda gelou
Porque em vez do Raimundo falar
Foi a estáuta quem falou:
Vocês vieram aqui pra bebê ou pra conversá?

Cerveja Antarctica, cerveja nossa

terça-feira, 29 de julho de 2008

Lupicínio no Pasquim

Pra quem conferiu a entrevista de Madame Satã concedida ao Pasquim, e disponibilizada aqui neste blog, pode notar a maneira diferente de como ela era conduzida. Isso fazia com que a entrevista ficasse bem natural e gostosa de se ler, apesar do tamanho. É sabido que nessas entrevistas a personagem era presenteada com copos e copos de uísque, fazendo com que o papo fluísse bem mais naturalmente. Esse "jornalismo boêmio" casava muito bem com o estilo do jornal.

A seguir a entrevista que saiu no ano de 1973:

O Pasquim Entrevista
Lupiscínio Rodrigues


















A dor de cotovelo é um barato!


"Saímos com Lupiscínio Rodrigues do Teatro Opinião, depois de sua apresentação diante de um delirante auditório de jovens, que nunca tinha visto o grande compositor cara a cara. Júlia Steinbruck nos convidou para fazermos a entrevista na casa dela, e fomos para lá, num grupo de umas 20 pessoas. Pelos cantos do salão, vários grupos tocavam violão e batucavam. Gilson Menezes, do "Estado de São Paulo", também participou da entrevista. A uma certa altura, apareceu Sérgio Bittencourt, com a maior cara de pau, e disse: "Vocês deixam eu perguntar uma coisa pro Lupicínio?" Que fazer? Não se podia engrossar na casa da dona Júlia. É claro que a entrevista teve várias pausas - para beber, para ouvir o maior cantor brasileiro - Jamelão -, para tirar fotografias, para ouvir mil caras tocando violão, e para beber de novo.
Lá pelas 4h5min. da manhã, Lupiscínio resolveu tomar umas cervejas no Grego, do seu amigo Scoulis. E lá fomos, já meio elaudicantes, mas decididos: Lupi, Gessé - seu acompanhante - Jamelão, Aibino Pinheiro e seu fiel Douglas, uma negra linda - Zélia - e eu. Às 9h30min. da manhã, na calçada do seu restaurante, Scoulis nos brindou - e aos passantes que olhavam perplexos aquele bando de boêmios, que terminavam a noitada àquela hora de uma terça-feira - com alguns passos de dança, enquanto, para nosso pasmo e encantamento Lupiscínio cantava em grego. - (Jaguar).


[O Pasquim] EDIÇÃO N.I 225 - 23 a 29-10-73

O PASQUIM - É verdade que você é o primeiro de 21 filhos?
LUPISCINIO RODRIGUES - Nilo, eu sou o quarto de 21 filhos. Primeiro minha mãe teve três filhas mulheres, e o meu pai havia prometido que, se o quarto nascesse mulher, ele iria enforcar. Por felicidade, nasci eu, e ele não me enforcou. Por ser o primeiro filho homem, me criei como a criança mais mimada da família.
O PASQUIM - Você é um dos maiores compositores populares brasileiros. Mas sempre viveu no Rio Grande do Sul?
LUPISCINIO - Graças a meu bom Deus sempre vivi no Rio Grande do Sul. Tive a felicidade de ficar conhecido universalmente, e agradeço isso aos marinheiros que visitavam a minha terra naquela época, quando não havia transporte para lá, a não ser o marítimo. Os marinheiros chegavam em Porto Alegre, aprendiam minhas músicas e saíam a divulgar pelo Brasil.
O PASQUIM - Aqui ao lado está o melhor intérprete do Lupiscínio, aquele intérprete que mais se identifica com o Lupiscínio, e que trouxe para o Rio de Janeiro o samba gaúcho. O nome dele é José Bispo, o Jamelão. Quem também está aqui do nosso lado é Júlia Steinbruck, ex-deputada federal, e mulher interessada em música popular brasileira. Mas quem leva o papo agora com Lupiscínio Rodrigues é o nosso amigo Jamelão.
JAMELÃO - Para eu fazer perguntas ao Lupiscínio é uma questão de rotina porque eu estou sempre em contato com ele. Eu perguntaria: como vai o Batelão, Luspicínio?
LUPISCINIO - O Batelão continua sendo a melhor casa de samba do Rio Grande do Sul. E com muitas saudades tua, que fizeste aquela temporada no Batelão, deixando aquela saudade; e esperando que voltes para lá pra ver se terminas, Jamelão. Desaparecestes de uma hora pra outra, não te despediste de ninguém.
O PASQUIM - Explica para o carioca o que é o Batelão. É um bar de tua propriedade há quantos anos?
LUPISCINIO - O Batelão é bem um bar, é um restaurante que tem música. A turma vai lá pra jantar, e jantam cantando samba. É quase o tipo do Teatro Opinião; só que como restaurante, a luz tem que ser mais clara e o samba começa às oito horas da noite e vai até as seis horas da manhã. O Jamelão nos deu a honra de sua presença nesta temporada que esteve em Porto Alegre com o Sargentelli.
O PASQUIM - Você talvez seja um compositor conhecido no Brasil inteiro, que conseguiu fazer sucesso com a idade mínima. Aos 12 anos já fazia composição para os blocos carnavalescos de sua cidade. Como é que foi essa iniciação musical no Rio Grande do Sul? Você nasceu em 16 de setembro de 1914.
LUPISCINIO - O que acontece é que na época em que eu comecei a fazer música no Rio Grande do Sul, começava a rádio no Brasil. Eu nunca fíz música com a finalidade de ganhar dinheiro. Eu nunca pensei que eu pudesse gravar uma música.
O PASQUIM - Mas aos 12 anos?
LUPISCINIO - Eu fazia de brinquedo, como faço até hoje. Não faço música pra ganhar dinheiro nem música para gravar.
O PASQUIM - Você vive de música ou tem outra atividade da qual você vive?
LUPISCINIO - Eu sou o procurador do Serviço de Defesa do Direito Autoral. Sou representante da SBACEM, sou funcionário público. Tem uma porção de outras coisas.
O PASQUIM - E cozinheiro também.
LUPISCINIO - Sou cozinheiro. Tenho um restaurante, e tem o bar. Eu faço música pra divertir, não faço profissão da música.
O PASQUIM - Qual é a sua especilidade em matéria de culinária? Qual é a sua grande atração, o carro-chefe?
LUPISCINIO - Comida popular. Essa comida de todo dia. Porque eu não sou cozinheiro de dizer que eu faço comidas difíceis, grandes pratos. Mas essa comida popular, essa comida de todo dia, eu acho que faço bem. Eu acho que cozinho melhor do que componho, do que canto.
O PASQUIM - Você se sente bem tendo como troféu de honra - a coisa que representa mais a sua música popular - a dor de cotovelo? Para fazer tantas músicas de dor de cotovelo, você teve quantas mulheres quis?
LUPISCINIO - Meu camarada, eu realmente tive muitas namoradas na minha vida. Umas me fizeram bem, outras me fizeram mal. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram, porque as que me fizeram bem eu esqueci.
O PASQUIM - Lupiscínio tem mil histórias para contar. Por exemplo "Vingança". É uma música que em 52 dominou o Brasil inteiro. Jornais publicavam e ressaltavam o que houve na época por causa daquela música. Houve tentativas de suicídios, etc. A quem dedicou "Vingança". Que mulher é essa, onde ela esteve, onde ela está?
LUPISCINIO - A mulher que me inspirou "Vingança" viveu comigo seis anos. E depois terminou namorando um garoto que era meu empregado.
O PASQUIM - Que idade ele tinha?
LUPISCINIO - 16, 17 anos.
O PASQUIM - Foi passado pra trás por um garoto de 17 anos.
LUPISCINIO - Não foi bem assim. É que eu tinha viajado, ela mandou chamar o garoto. Disse que queria falar com ele. Ela mandou um bilhete. O garoto com medo de mim, quando eu cheguei, me entregou o bilhete. Disse: "Olha a Dona Carioca me mandou esse bilhete. Eu não sabia o que ela queria comigo. Não fui." (Risos) Entregou a mulher. Aí eu não disse nada. Fiquei quietinho, inventei outra viagem, peguei minha mala, e fui embora.
O PASQUIM - Endoidou.
LUPISCINIO - Era época do carnaval, ela endoidou. Botou um “Dominó". "Dominó” é aquela fantasia preta, que cobre tudo. No carnaval, feito louca foi me procurar. Uma certa madrugada, ela, num fogo danado - parece que deu fome - entrou num bar onde a gente costumava comer. Foi obrigada a tirar o "Dominó” pra comer, e o pessoal a reconheceu. Perguntaram - "Ué, Carioca, que você está fazendo aqui a essa hora? Cadê o Lupi?" Ela sozinha.
O PASQUIM - Carioca por que? Ela é carioca?
LUPISCINIO - É sim. Ela é viva, mora aqui. Ai ela começou a chorar. Eu estava num restaurante do outro lado. Uns amigos chegaram e me disseram: encontramos a Carioca vestida de "Dominó”, num fogo tremendo. Começou a chorar e perguntar por ti. O que que houve, vocês estão brigados?" Aí foi que eu fiz o "Vingança". Na mesma hora comecei, saiu (canta) "Gostei tanto, tanto, quando me contaram ... "
O PASQUIM - Foi uma ruptura pra valer.
LUPISCINIO - Eu sou muito amigo dos pais de santo, os batuqueiros lá de Porto Alegre. Em cada lugar que chegava ela botava fotografia minha, cabritas, aquele negócio todo pra fazer as pazes. Aí eu fiz (canta): "Nunca, nem que o mundo caia sobre mim/Nem se Deus mandar ...”
O PASQUIM - O que essa mulher contribuiu para a música popular brasileira não foi normal.
O PASQUIM - Tem bom samba lá no Rio Grande do Sul, tirando Lupiscínio Rodrigues? O pessoal lá é bom de samba? Tem bons batuqueiros e escola de samba?
LUPISCINIO - Lá tem bom sambista.
O PASQUIM - E tem escola de samba lá?
LUPISCINIO - Tem boas escolas de samba.
O PASQUIM - Tem gente fazendo cara de quem está duvidando.
LUPISCINIO - O Benedito Lacerda foi ao Rio Grande do Sul e voltou de lá admirado. Como o Rio Grande do Sul, sendo tão longe do Rio de Janeiro...
O PASQUIM - E tão perto da Argentina, do Uruguai...
LUPISCINIO - ...os nossos ritmistas, os nosso violonistas tocavam tão bem o samba como no Rio de Janeiro. Naquele tempo nós chamávamos os paulistas de quadrados. O samba de São Paulo é de há muito pouco tempo.
O PASQUIM - Você não é um fenômeno isolado, embora tenha se destacado.
LUPISCINIO - Os melhores ritmistas que teve aqui no Rio de Janeiro, anos atrás, eram gaúchos. Por exemplo, o violinista que ensinou os cariocas a fazer esse samba que hoje dizem que é bossa-nova, era gaúcho. Chamava-se Neorestes. O pandeirista que ensinou os cariocas a bater pandeiro era gaúcho.
O PASQUIM - É? Quem era?
LUPISCINIO - Darci do Pandeiro. Outro violonista: Gorgulho, que também era gaúcho.
O PASQUIM - Lupiscínio, na música popular brasileira, qual a diferença que você vê entre as suas músicas e as músicas de Teixeirinha, sendo vocês dois da mesma região do Brasil?
LUPISCINIO - A diferença que existe é que eu faço música popular, o Teixeirinha faz música regional. O Teixeirinha não é folclorista, não é o folclore gaúcho. O Teixeirinha é o regionalista, como o de qualquer estado do Brasil. A música do Teixeirinha é tão regionalista quanto a música mineira, a música nortista. Não é o nosso cancioneiro gaúcho. E adoro a guariânia, adoro tango e adoro bolero. Eu acho qualquer dessas músicas maravilhosas. Como adoro qualquer música popular bem feita.
O PASQUIM - Como é que você consegue isolar essa influência do seu trabalho?
LUPISCINIO - Eu acho o ritmo brasileiro o melhor ritmo do mundo, no meu gênero.
O PASQUIM - Quando você começou a se formar como compositor, quais eram os compositores brasileiros, ou a escola brasileira, que você mais gostava?
LUPISCINIO - Eu não comecei fazendo música, eu comecei a cantar. Quando comecei, foi como cantor. O cantor que eu imitava era Mário Reis.
O PASQUIM - Isso em que ano?
LUPISCINIO - Em 1930.
O PASQUIM - Mas você tinha 16 anos. Você não ouvia Mário Reis com 16 anos.
LUPISCINIO - Claro. Era a dupla mais famosa do Brasil: Francisco Alves e Mário Reis.
O PASQUIM - Qual o cantor que melhor interpreta o que você deseja dizer nas suas músicas? Aquele que quando você ouve fica emocionando.
LUPISCINIO - O cantor que eu admiro, que eu gosto que intérprete as minhas músicas, é o Jamelão. Porque ele tem uma preocupação de cantar as músicas como eu faço. Não é por ele estar presente. A gente faz uma música e o cantor vai cantar. Ele acha que tem que fazer uma coisa diferente, mudar a melodia, ele acha que a letra tem que ser como ele quer. O Jamelão é autêntico. Ele procura aprender a música como a gente ensina pra ele a cantar a música como a gente faz.
O PASQUIM - Jamelão, como você conheceu Lupiscínio Rodrigues?
JAMELÃO - Eu conheci Lupiscínio Rodrigues através de minha vida de crooner. Eu cantava em dancing e sempre gostei do repertório do Lupiscíno. Nas minhas andanças para lá e para cá, fui conhecê-lo em Porto Alegre.
O PASQUIM - Mais ou menos que ano Jamelão?
JAMELÃO - Cinqüenta e pouco. Foi com a orquestra do Severino Araújo. A primeira vez que eu fui ao Sul com orquestra foi com Severino Araújo. Nós tínhamos vindo de uma excursão à Europa, e então eu o conheci. E através disso tive oportunidade de gravar "Ela disse-me assim".
O PASQUIM - Você tem idéia do ano?
JAMELÃO - "Ela disse-me assim" foi gravada mais ou menos em 55.
O PASQUIM - Lupiscínio, você não teria outra história tão peculiar ligada a uma música que tenha composto? Uma música que também parecesse uma experiência tua, mas que fosse uma história engraçada, interessante, de alguma mulher. Eu nunca vi um homem com tanta mulher. É incrível! E a Iná?
LUPISCINIO - A Iná foi a primeira mulher que eu tive. E a primeira desilusão.
O PASQUIM - Quantos anos você tinha?
LUPISCÍNIO - 17 anos.
O PASQUIM - Terá sido ela a inspiradora de "Nervos de Aço"?
LUPISCINIO - Foi a Iná.
O PASQUIM - Você fez "Nervos de Aço" com quantos anos de idade?
LUPISCINIO - "Nervos de Aço" eu fiz com 22 anos.
O PASQUIM - Lupi, aqui no Rio você freqüenta muito um lugar. Até hoje a gente não sabe por que. Um bar na Barata Ribeiro chamado "Grego". E sempre que a gente se vê, você está acompanhado de mulata. Você tem algum preconceito de cor, ou realmente é do nosso time e gosta de mulata?
LUPISCINIO - Pelo contrário, dificilmente estou acompanhado de mulata. Não sei porque, eu não dou sorte com mulata. A única mulata que eu tive na minha vida foi justamente a Iná. A Iná de muitas músicas.
O PASQUIM - Diz umas aí.
LUPISCINIO - "Zé Ponte", "Xote da Felicidade". E tantas outras músicas. Mas depois de Iná, eu só tive problemas com louras.
O PASQUIM - É interessante que se situe a sua primeira vinda ao Rio de Janeiro. Porque foi muito engraçado. O Lupiscínio foi parar na Lapa, onde foi fazer amizade com uma barra pesadíssíma. Conheceu Kid Pepe, conheceu Germano Augusto, conheceu muitas figuras, e foi um grande jogador na Lapa. Não conheceu madame Satã. Como é que você chegou e entrosou?
LUPISCINIO - Eu sou aposentado por amor.
O PASQUIM - Explica isso, rapaz.
LUPISCINIO - Eu ganhava naquela época, na Faculdade de Direito, duzentos cruzeiros por mês. Eu era bedel na Faculdade de Direito.
O PASQUIM - Era inspetor. Inspetor de alunos.
LUPISCINIO - Ganhava 200 cruzeiros por mês. Eu vi que, ou eu ia pedir pra fazer as pazes com a Iná, ou eu ia morrer.
O PASQUIM - Em que ano isso?
LUPISCINIO - 1939. Eu era muito amigo do Tatuzinho, que foi esposo legítimo da Elizete Cardoso, pai do Paulinho.
O PASQUIM - Paulinho Valdez.
LUPISCINIO - Então o Tatuzinho diz assim: "Vão s'imbora pro Rio".
O PASQUIM - A primeira vez?
LUPISCINIO - Da primeira vez, 1939, na época da guerra. Comprei uma passagem. Custou 170 mil réis e sobrou 30 mil réis pra viajar. Terceira classe de navio. Aí embarquei, na terceira classe. No caminho, o Tatuzinho tocando violão e eu cantando, já me deram logo um camarote. Vim cantando no navio.
O PASQUIM - Você chegou como? Você ficou onde? Num hotel, numa pensão?
LUPISCINIO - Pensão ali por perto, na Lapa. De uma baiana.
O PASQUIM - Você chegou com conhecidos ou foi se tornando...
LUPISCINIO - Aí aconteceu uma das coisas mais importantes. Esse meu amigo era gaúcho, o Bom Mulato - vocês devem conhecer, porque esse camarada é do Jockey. Ele entrou no Café Nice e me meteu na pior. Tava sentado ali Ari Barroso, Haroldo Lobo, Nássara, e tudo quanto era grande compositor. Francisco Alves, toda a máfia sentada no Café Nice, às seis horas da tarde. Ele chegou comigo pela mão e gritou dentro do Café Nice: "Chegou o meu cavalo aqui". Os caras ficaram tudo me olhando, né, que negrinho pequenininho, tudo me olhando assim. Eu cheguei e disse: "Olha, esse cara tá brincando". o Haroldo Lobo me olhando, o Nássara me olhando, o Chico me olhando.
O PASQUIM - Que ano é isso?
LUPISCINIO - 1939. Aí foi que eu conheci o Chico. Eu já tinha uma porção de músicas gravadas, mas ninguém me conhecia.
O PASQUIM - Quem é que tinha gravado as suas músicas dessa época?
LUPISCINIO - O Ciro Monteiro, uma porção de gente tinha gravado.
O PASQUIM - Seu grande sucesso gravado foi em 37, com Ciro Monteiro.
LUPISCINIO - Eu sentei na mesa, pedi um cafezinho. Todo mundo cantando, era mais ou menos época do carnaval. Naquele tempo os caras botavam um níquel no bolso pra bater, outros batiam na caixa de fósforo, outros na parede, e eu tô escutando. Diz um pra mim: "Ô gaúcho, canta um negócio teu aí". Eu digo: "Eu não sei cantar essas músicas que vocês estão cantando." E ele: "Não, canta qualquer coisa aí". Aí eu (canta): "Você sabe o que é ter um amor, meu senhor Ter loucura por uma mulher..."
O PASQUIM - Ô rapaz!
LUPISCINIO - Aí o Chico começou, psft, psft, assim cuspindo: "Canta outra aí". E eu mandei: "Quem há de dizer / que quem vocês estão vendo / naquela mesa a beber". Aí o Chico, psft, psft: "Isso é teu moleque? Isso é teu?" (risos). Eu sei que quando eu cantei a quarta música, o Chico me chamou lá pro canto, psft: "isso tudo... não dá para... Isso é teu?" "Aí ele me botou num Buick vermelho que tinha e me levou pro Turf, um clube de...
O PASQUIM - ...corrida de cavalo.
LUPISCINIO - Não, o Turf era um clube de pif que tinha aqui no Flamengo. "Pft, cê não dá isso pra ninguém. Não dá isso pra ninguém. Vou gravar tudo". Aí eu fiz amizade com o Chico.
O PASQUIM - Você acha o Chico um bom intérprete seu?
LUPISCINIO - Ah, o Chico foi um bom intérprete. Foi sim.
O PASQUIM - Ele não dá uma interpretação a você que não é exatamente a interpretação dele é um pouco "grandiloqüente" para a tua música. Não é não?
LUPISCINIO - A voz do Chico era aquela. A voz do Chico era empostada. Ele não podia diminuir o tom.
O PASQUIM - Lupiscínio, em 52, tinha uma dificuldade de comunicação muito grande. Temos a impressão que a grande dimensão nacional de tua música foi Linda Batista gravando "Vingança". Você acha que “Vingança” foi a música que te projetou nacionalmente de forma definitiva?
LUPISCINIO - Uma das coisas interessantes: a Linda não aprendeu "Vingança" comigo.
O PASQUIM - Não foi não?
LUPISCINIO - Eu ensinei a "Vingança" para o Herivelto Martins. A primeira gravacão de “Vingança” foi feita pelo Trio de Ouro. Mas quem ia gravar mesmo - e a Linda aprendeu com ele - foi o Jorge Goulart. Ele cantava no Vogue, junto com Linda, Jorge Goulart, Linda e Nora Ney. Jorge Goulart aprendeu a música comigo no Rio Grande do Sul, chegou no Vogue e começou a cantar. A Linda aprendeu e quando o Jorge Goulart se descuidou, ela chegou e gravou. Quando o Jorge Goulart viu, a música já estava gravada.
O PASQUIM - Pelo que está dizendo, você nunca fez caitituagem em sua vida?
LUPISCINIO – Nunca, nunca, nunca. A minha primeira música foi gravada sem eu saber. Me procuravam pra dizer que a minha música havia sido gravada. Nunca tive a mínima intenção de ser artista, compositor, nunca.
O PASQUIM – Você é uma prova de que uma pessoa isolada feito você, que não estava no local adequado para fazer música popular no estilo que você faz, pode aparecer, como você, afinal de contas, apareceu no Brasil inteiro. Você acha que o que eles chamam a "máquina" não é tão esmagadora quanto dizem?
LUPISCINIO - A "máquina”é esmagadora. Pelo seguinte: ela evita, proíbe que apareçam os valores.
O PASQUIM - Mas você apareceu, de qualquer maneira.
LUPISCINIO - Mas quando eu apareci não existia a "máquina".
O PASQUIM - O que você ensinou de mais importante, o que você transmitiu de mais importante?
LUPISCINIO - Olha, eu vou dizer uma porção de frases e coisas que eu fiz. Por exemplo: "É melhor brigar junto do que chorar separado". Tem outra que diz assim: "Ela nasceu com o destino da lua / pra todos que andam na rua / não vai viver só pra mim".
O PASQUIM - É lindo. É uma grande frase.
LUPISCINIO - Tem uma outra que diz assim: que fiz: "Vocês Maria de agora/ amem somente uma vez/ para que mais tarde esta capa/ não sirva em vocês”.
O PASQUIM - Ele está dizendo os versos importantes da vida dele.
LUPISCINIO - Tem outro que diz assim, desses pobres moços: "Se eles julgam que o futuro / só ao amor dessa vida conduz / saibam que deixam o céu por ser escuro / e vão ao inferno à procura da luz". E assim tem uma porção de coisas.
O PASQUIM - Aquela que fala da Dona Tristeza e da Dona Alegria?
LUPISCINIO - Eu gravei, mas o Jamelão não gravou.
O PASQUIM - Como é o nome dessa música?
LUPISCINIO - "Rosário de Esperança". Eu vou só dizer os versos, cantar não dá.
O PASQUIM - Pode ser cantado. Depois nós escrevemos os versos, cantar não dá.
LUPISCINIO - (canta) "Eu fui convidado por alguns amigos / pra ir a uma festa / beber e cantar / Peguei a viola afinei a garganta / e até pus a manta / pra me agasalhar / E fiz um convite pra Dona Alegria / melhor companhia / pra festa não há / Mas eu não sabia / digo com franqueza / que a Dona Tristeza / morava por lá. Cheguei satisfeito / alegria no peito / sorriso na boca/ viola no lado / Mas vi com surpresa / na primeira mesa / sentada com outro / a mulher que eu amei / Voltei desolado tristonho, magoado / viola do lado não bebi nem cantei".
O PASQUIM - Você tem alguma música que o tema não seja mulher?
LUPISCINIO - Se tenho não me lembro no momento.
O PASQUIM - E o seu processo de criação para a música. Você medita sobre o tema, ou o negócio vai fluindo?
LUPISCINIO - Medito sempre sobre o tema.
O PASQUIM - Mas de estalo, de vez em quando, sai um. Como aquela da vingança.
LUPISCINIO - Todos são um tema real, coisas que acontecem na hora.
JAMELÃO – Ô Lupi, ultimamente, aqui no Rio, surgiu uma certa controvérsia a respeito de uma música da sua autoria. Essa música, inclusive no programa do Flávio Cavalcanti, foi mostrada como sempre deturpando um pouco a melodia. Mas, de qualquer forma, é uma promoção. E essa música passou a ser comentada por aqui com o nome de "Bicho do Pé". O título dessa música não é "Bicho de Pé", é "Sozinha". Eu gravei essa música, é uma das músicas mais solicitadas nos "shows" em que eu me apresento. Como foi que você teve a inspiração para fazer essa música? Qual foi o motivo, a coisa que gerou?
LUPISCINIO - Jamelão, você sabe que eu servi em Santa Maria, né? E o princípio de minha vida artística foi lá em Santa Maria. E lá eu conheci essas histórias. Lá eu fiz "Zé Ponte", fiz aquela (canta): "Felicidade foi-se embora / e a saudade no meu peito..."
O PASQUIM - Essa música é sua?Não é folclore?
LUPISCINIO - "Felicidade" é. (Canta): "A minha casa fíca lá detrás do mundo / mas eu vou em um segundo / quando começo a cantar". "O pensamento parece uma coisa à-toa / como é que a gente voa / quando começa a cantar".
O PASQUIM - Que maravilha.
LUPISCINIO - Aquela outra: "No meu casebre tem um pé mamoeiro / onde eu passo o dia inteiro / campeando a minha mágoa".
O PASQUIM - Nesse tempo todo de sucesso aqui no Rio, você nunca foi tentado a se estabelecer aqui?
LUPISCINIO - Eu gosto muito do Rio Grande do Sul.
O PASQUIM - As tuas raízes estão lá, e tal.
O PASQUIM - Lupi, e os convites que você teve para ficar em São Paulo?
LUPISCINIO - Eu tive diversos convites. Até me deram um bar uma vez. Uma moça lá que eu namorei, até um bar me deu de presente. "Fica aqui que eu te dou o bar".
O PASQUIM - O homem é bom de bico. Até ganha bar. Quando foi isso?
LUPISCINIO - 1968, mais ou menos.
O PASQUIM - E você não quis o bar?
LUPISCINIO - Eu fazia um show no "Chicote" e tinha a moça do bar que ia me buscar todo o dia. "Se tu quiser ficar aqui e morar em São Paulo tu fica com o bar pra ti". Mas nem ganhando um bar de presente eu não quis ficar.
O PASQUIM - É verdade que você fez o hino do Internacional?
LUPISCINIO - Não! Eu fiz o hino do Grêmio.. Sou do contra (canta): "Até a pé nos iremos / para o que der e vier Mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio onde o Grêmio estiver".
O PASQUIM - Você sendo de tradição tão popular de comportamento, o Internacional é um clube muito mais ligado a sua família. Dos 21 irmãos, quantos eram Grêmio?
LUPISCINIO - Lá é a metade por metade. Metade é gremista, metade é colorado. (Todos riem)
O PASQUIM - Vinte e um não dá metade.
LUPISCINIO - Tem um voto de Minerva. São 4 e 15. São quatro horas da madrugada e nós estamos aqui numa roda maravolhosa tocando músicas, e não pensamos parar ainda. Nós vamos continuar lá no "Grego", porque tem uma porção de amigos nos esperando lá para festejar um aniversário que começou ontem. Aniversário do meu amigo Albino Pinheiro.

(Corte. O local agora é o Restaurante El Grego. Muita movimentação e vozes falando ao mesmo tempo. Ritmo da entrevista: devagar, ou seja, ritmo de porre e madrugada. Fundo musical: Roberto Carlos.)

O PASQUIM - Nós saímos da casa da Júlia e chegamos no "Grego". É um lugar do Rio de Janeiro que não e muito conhecido da boemia. Eu queria, Lupiscínio, que você falasse da relação entre o "Grego" e a sua boemia, pra você gostar tanto desse lugar.
LUPISCINIO - O lugar onde sempre encontro tranqüilidade é o "Grego". É o centro dos gaúchos. Aqui se reúnem, pelo menos se reunia antigamente, todo o mundo, toda a gauchada. Quando eu quero encontrar os meus patrícios eu venho aqui no "Grego”.

(Jamelão, nesse momento, tenta se despedir, porque diz que tem que acordar cedo. Lupiscínio tenta prendê-lo à mesa. Não se sabe o que vai acontecer. São exatamente cinco e meia da manhã.)

O PASQUIM - Qual a mulher que no Rio de Janeiro te impressiona, e você gostaria de conhecer melhor?
LUPISCINIO - Olha aqui, se eu pudesse, queria conhecer todas as mulheres do Rio de Janeiro.
O PASQUIM - Lupiscínio, com 50 e poucos anos, você é o padrão do boêmio brasileiro. Um camarada que, com seu comportamento e atitude, reflete isso para toda uma nação. Né, pô?
LUPISCINIO - Eu acho que cada pessoa deve viver como se sente bem. Eu hoje estive falando com um dos meus professores, Joubert de Carvalho. Foi quem me ensinou a fazer versos. (canta): "Maringá, Maringá / depois que tu partisses / tudo aqui ficou tão triste / que eu passei a imaginá". Eu nasci na época de "Maringá”, do (canta): "Adeus Guacira, meu pedacinho de serra". Nasci na época do, como é? "... pescando no rio de gereré". Como é? Eu canto todas essas canções. Eu tô meio embira, e não posso lembrar agora. E preciso que se saiba que já são seis horas da manhã e nós estamos no Grego. (Pensa um pouco, depois canta): "Não quero outra outra vida pescando no rio gereré / tenho peixe bom, tem siri patola de dá com pé / Quando no terreiro / faz noite de luar..." Isso é de Joubert de Carvalho. Essa gente que me ensinou a fazer versos.

(Enquanto todos prestam atenção em Lupiscínio, Jamelão sai à francesa.)

O PASQUIM - Como é que você se coloca diante do atual panorama da música brasileira? Você está entrosado ou você está em cheque com as novas tendências? Você acha que está legal, ou você se sente uma figura meio deslocada?
LUPISCINIO - Eu não tenho nada com o ambiente artístico brasileiro. Eu não sou músico, não sou compositor, não sou cantor, não sou nada. Eu sou boêmio.
O PASQUIM - Mas você é um artista brasileiro. E você tem que se colocar nessa posição.
LUPISCINIO - Eu sou boêmio. O meu negócio é estar assim como estou agora com o violão do lado, dentro de um bar, com vocês, e tomando as minhas biritas e cantando. Não faço comércio.
O PASQUIM - O que você acha de, digamos, Caetano Veloso?
LUPISCINIO - Caetano Veloso? Ah, é ótimo compositor. Muito bom mesmo.
O PASQUIM - Você não se sente em choque com o que está se fazendo, porque tudo é música brasileira, né?
LUPISCINIO - Olha, todo camarada que produz no Brasil, seja ele de que forma for, Caetano Veloso, Gil, Chico Buarque... Apesar de que Chico Buarque ainda é naquele estilo antigo, que eles chamam, como é?, os "quadrados”. Mas acho o Chico um poeta maravilhoso, conservador daquele ambiente. Mas todos os que produzem, os que cooperam na arte brasileira, todos são bons.
O PASQUIM - Às vezes, um compositor novo fala assim: "Ah, você não conhece o Lupiscínio direito. Ele faz lparte do SDDA". Você acredita que o direito autoral no Brasil, em relação ao compositor, é o que ele merece, ou não? Você homem ligado, quando um compositor novo ou velho reclama, qual é a tua posição?
LUPISCINIO - Eu faço parte das duas classes. O que está acontecendo não é que as sociedades não paguem os compositores, não queiram pagar. O que acontece é que a influência da música estrangeira no Brasil é o maior... como se diz?... é o maior...
O PASQUIM - Câncer, hem? Câncer?
LUPISCINIO - É o câncer que prejudica o compositor brasileiro. Eu vou explicar as razões.
O PASQUIM - E a mecânica da coisa, Lupiscínio?
LUPISCINIO - Se as sociedades brasileiras de compositores tiverem que pagar o direito autoral certo, certo como é, o compositor brasileiro não recebe nada.
O PASQUIM - Explica pra nós.
LUPISCINIO - É o seguinte. No Brasil toca 90% de música estrangeira. Se nós cobramos 90% de música estrangeira em cruzeiros, e pagamos pros estrangeiros em dólar, as sociedades de autores brasileiros têm que pagar aos estrangeiros mais do que eles cobram. O dólar custa seis cruzeiros: (N.R.: nos bons tempos!) o cruzeiro custa um. O dia em que as nossas autoridades fizerem tocar no Brasil 90% de música brasileira... porque ninguém teve o peito ainda de mandar tocar 90% de música brasileira.
O PASQUIM - Lupiscínio, você é uma figura legendária aqui no Rio de Janeiro, uma figura quase mitológica. Você tem consciência disso?
LUPISCINIO - (continuando, sem tomar conhecimento) -- Vocês que tem a imprensa na mão devem saber que podem ajudar. Não só os composítores, porque não é só os compositores que estão sofrendo. São os artistas em geral que estão sofrendo essa coisa. Você sabe que o Brasil deve ter uma média agora, de... vamos fazer uma base mínima ... tem dez milhões de artistas.
O PASQUIM - Quê que é isso, rapaz?
LUPISCINIO - Fazendo uma base mínima de dez milhões de artistas, entre amadores e profissionais. A TV Globo e a TV Tupi, no Rio de Janeiro e São Paulo, não tem lugar para dois mil trabalharem. Tem?
O PASQUIM - É claro que não.
LUPISCINIO - Não tem. E no entanto só existem três canais pra poder trabalhar. Quem não vem ao Rio e São Paulo não tem onde trabalhar.
O PASQUIM - Tá certo Lupi. O Lupi, voltando a esse papo de boemia: Em Porto Alegre, se você está sentado mima mesa, qualquer gaúcho pode sentar? E o cara quando senta, pode chegar assim "Ô Lupiscínio", e vai lá e te abraça, e te pega com intimidade? E no Rio de Janeiro, quando está aqui no "Grego", onde nós estamos às seis e meia da manhã, e o cara chega e te reconhece? Como é que você recebe?
LUPISCINIO - Em todo lugar que eu chego eu sou o mesmo Lupiscínio. Todo mundo fala comigo, todo mundo bebe comigo, todo mundo convive comigo. Gente de toda a classe, de todas as categorias. Pra mim o mundo tem o mesmo tamanho e todos os homens têm o mesmo valor. Só tem uma coisa que eu escolho: os meus amigos pra sair comigo. Na hora de sair, ou pra freqüentar a minha casa, é outro negócio.
O PASQUIM - Mas o pessoal que chega na mesa?
LUPISCINIO - Ah, bebe todo mundo comigo.
O PASQUIM - Essa pergunta é uma questão de tradição nossa. Qual é o teu nível de instrução? E até que nível você resolveu estudar com a vida que levava?
LUPISCINIO - Como curso oficial eu cheguei até o ginásio. Estudei a vida em cursos particulares e gosto muito de ler.
O PASQUIM - O que você lê?
LUPISCINIO - Eu não leio literatura clássica. Eu só leio livros populares.
O PASQUIM - Por exemplo?
LUPISCINIO - Eu gosto de ler livros de contos, livros policiais...
O PASQUIM - Érico Veríssimo?
LUPISCINIO - Você sabe que eu leio. Jorge Amado, cê sabe que eu leio.
O PASQUIM - Que horas você vai dormir, que horas você acorda?
LUPISCINIO - Eu acordo mais ou menos às 10 horas da manhã, dou comida pras minhas galinhas, pros meus passarinhos.
O PASQUIM - Ah, você cria? Você mora em casa grande, com quintal?
LUPISCINIO - Minha casa tem uns 20 metros de largura, mas tem quase 200 metros de fundura.
O PASQUIM - Vai contando, vai contando. Vai em frente.
LUPISCINIO - Aí a mulher vai me procurar no fundo do quintal, me achar pra me dar café. Aí, depois, me chama pra fazer comida.
O PASQUIM - Você faz a comida?
LUPISCINIO - Eu faço a comida. Aí, então, eu durmo. Até as três, quatro horas da tarde. Três horas eu levanto, tomo meu banho, me arrumo, e vou a SBACEM. Aí saio do escritório às sete horas e continuo a noite até as quatro da manhã. Às quatro eu vou pra casa.
O PASQUIM - Especifica.
LUPISCINIO - Aí tem que passar de buteco em buteco, aqueles igrejinhas todas. Vou lá pro meu bar, que é o mais movimentado da cidade, o "Batelão".
O PASQUIM - Você tem que ganhar uma mulher toda a noite, pô. Como é que você aguenta tanta mulher em cima de você?
LUPISCINIO - Não, eu sou um rapaz direito. Nesse negócio de mulher eu sou um rapaz direito.
O PASQUIM - Só tem aquela tua?
LUPISCINIO - Só da patroa. Sou só da patroa.
O PASQUIM - Apesar de fazer essas músicas todas maravilhosas que o Brasil inteiro sabe, você, a partir da tua ligação com a tua patroa...
LUPISCINIO - A partir das quatro horas da manhã sou só da patroa.
O PASQUIM - Ah, aí você é só da patroa. Gessé, grande companheiro de Lupiscínio, professor de violão, maravilhoso acompanhante de Lupiscínio, grande boêmio. Gessé, fala alguma coisa de Lupiscínio para O PASQUIM.
GESSE - Eu digo duas palavras só. Lupiscínio é autenticidade e acabou-se.
O PASQUIM - Autenticidade? O pessoal quer saber de você que autenticidade é essa.
GESSÉ - Eu ouvi vocês perguntando pro Lupi, por que que ele, lá no Rio Grande do Sul, fazia samba. O samba é mais velho, o samba vem do choro. O Lupi ouvia o pai dele fazer choro. O choro veio do lundu, do maxixe. Não precisa vir ao Rio de Janeiro pra fazer samba. Os estilos saem diferentes. O estilo do samba do Rio Grande do Sul, o estilo aqui, o estilo do samba do Recife. Mas origens são sempre as mesmas. As origens são aquelas que vieram lá de trás, onde nota o coco, o maracatu - que outro estilo de samba -, o xaxado. Isso tudo é samba. E isso, meu filho, está principalmente na cor, na raça. Você não precisa aprender. Isso nasce sozinho. O ruim é louro fazer isso. Este precisa vir aqui aprender, sentar no banco da escola. Mas quem já tem na cor não precisa vir aprender. Já nasce, tá no berço.
O PASQUIM - E você, onde é que aprendeu esse balanço todo?
GESSÉ - Ah, eu vim beber água na fonte. Bebi água na fonte, sim.
O PASQUIM - Você participou do movimento musical aqui no Rio de Janeiro?
GESSÉ - Minha formação musical foi aqui no Rio de Janeiro.
O PASQUIM - Você é gaúcho?
GESSÉ - Eu sou gaúcho. Mas vim beber água e aprender violão aqui, na fonte.
O PASQUIM - E como foi o contato com o Lupiscínio?
GESSÉ - Veio ao natural. Eu, chegando no Rio Grande do Sul, tinha que procurar o Lupiscínio. O problema foi meu: procurar e encontrar o Lupiscínio.
O PASQUIM - Há quanto tempo vocês transam juntos?
GESSÉ - Dez anos. Mas já com uma certa afinidade, tocando muitas vezes juntos.
O PASQUIM - Vocês já tem estabilidade?
GESSÉ - Algumas poeiras de muitas estradas nas sandálias da gente.
O PASQUIM - Lupi, talvez tenha alguma coisa que você queira dizer e que nunca ninguém perguntou numa entrevista. Isso é importante, porque às vezes a pessoa tem alguma coisa que dizer, e nunca ninguém pergunta. Que que você quer dizer, quer transmitir ou protestar? Alguma coisa que você sentiu, e nunca foi perguntado?
LUPISCINIO - Olha, eu não sou de reclamar. A única coisa que eu estou reclamando, não é por mim, é um pedido que eu estou fazendo: que ajudem os nossos artistas. Pedindo ao governo que obrigue as estações de rádio, os barés, a por programação ao vivo, pra dar serviços a esses milhares de artistas brasileiros que andam por si, e não tem onde trabalhar. Os únicos estados que têm -- ainda -- lugar para artista trabalhar é Rio e São Paulo, que não podem acomodar esses artistas todos do Brasil."

Retirado do Yahoo!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Enquete no Vermute

Está no ar a primeira enquete do Vermute com Amendoim. A pergunta é simples e objetiva.

Qual porção você prefere?

Vote aí no canto direito da página. O resultado sai no dia 10 de outubro de 2008, aniversário de um ano do Vermute com Amendoim.

Abraços e boa música,

Dica: livro sobre Joaquim Callado

André Diniz já fez o “Almanaque do Choro” (2003), “Almanaque do Samba” (2006), "O Rio Musical de Anacleto de Medeiros" (2007) e “Almanaque do Carnaval” (2008). Sua mais nova publicação não é um almanaque, mas uma biografia de Joaquim Callado (1848 - 1880), um dos primeiros nomes do choro no Brasil.


“Joaquim Callado – O pai do choro” conta sobre o homem que foi influência para Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e diversos outros chorões. Callado nunca conseguiu gravar suas músicas, o que tornou ainda mais difícil as pesquisas de Diniz.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o autor revela suas dificuldades no processo de escrita: “O livro tem muito do sonho do pesquisador, de ficar três meses num arquivo para conseguir uma linha, e do desejo de ser um escritor com sensibilidade para construir um personagem, dar musculatura a ele com o contexto social e cultural da época”.

Vale lembrar que enquanto viveu e criou, Callado fazia choro sem saber. Afinal de contas o ritmo só começou a ser classificado como um gênero no início do século 20. Até então as polcas e valsas dominavam os salões e o que existiam eram interpretações brasileiras para ritmos europeus.O violonista Mauricio Carrilho tem catalogadas 66 melodias de Callado. As únicas com seu registro autoral do pai do choro.

O livro foi lançado pela Jorge Zahar tem 148 páginas e custa 38 reais.

Assista ao Conjunto Som Brasileiro interpretanto o choro Conceição, de Joaquim Callado

Cenas do filme "Mistério do samba"

Dia 22 de agosto chega às telas de cinema do Brasil o filme "Mistério do samba". O lançamento oficial será no Circo Voador, no Rio de Janeiro. O evento terá até um show com a Velha Guarda da Portela, a grande homenageada no longa.

O filme tem 88 minutos e levou dez anos para ficar pronto. As pesquisas começaram em 1998, época em que era lançado o disco "Tudo Azul", com os integrantes da velha guarda da agremiação azul e branco.

Nesta segunda-feira, o Globo Online divulgou cenas exclusivas do filme, mas só para assinantes. Quem não paga para acessar o site pode ver o trailer do filme que foi exibido em Cannes ou então esperar o dia 22.



Confira também no site oficial fotos do filme, trilha sonora e mais.

domingo, 27 de julho de 2008

Disco da Semana: Axé! Gente Amiga do Samba - Candeia


Em 2008 completa 30 anos do antológico, e na minha opinião, do melhor álbum do mestre Antônio Candeia Filho. Em 1978, Candeia também lançou o livro "Escola de Samba, Árvore que perdeu a Raiz", escrito em parceria com Isnard Araújo.

No ano em que nos deixava - o mesmo ano do lançamento do disco -, Candeia parecia estar no auge criativo que pode atingir um artista. Ciente de seu papel dentro do samba, lançou o Axé Gente amiga do Samba e fez com que compositores que até então nunca haviam gravado participassem do disco. Foi o caso de Chico Santana, que junto com Nelson Amorim versam no samba Ouço Uma Voz.

Outros bambas da Portela também participam, como Alvaiade, Manacéia, Chico Traidor, Casquinha etc. Há também sambistas que não são ligados a agremiação azul e branco, entre eles se encontram as damas Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus.

No disco, Candeia iguala suas composições aos clássicos da autoria de Paulo da Portela e Alcides Histórico da Portela.

Músicas:
1 - Pintura sem arte (Candeia)
2 - Ouro desça do seu trono (Paulo da Portela)
Mil reis (Candeia - Noca)
3 - Vivo isolado do mundo (Nelson Amorim)
Amor não é brinquedo (Candeia - Martinho da Vila)
4 - Zé Tambozeiro [Tambor de Angola] (Vandinho - Candeia) participação especial: Cleme
5 - Dia de graça (Candeia)
6 - Gamação (Candeia)
Peixeiro granfino (Bretas - Candeia)
Ouço uma voz (Nelson Amorim)
Vem amenizar (Candeia – Waldir 59) participação especial: Dona Ivone Lara e Francisco Santana
7 - O invocado (Casquinha)
Beberrão (Aniceto do Império - Mulequinho)

Baixe esse disco no Prato e Faca.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Imagem importada

O Vermute com Amendoim já apresentou dois vídeos (um deles bastante psicodélico) feitos pela Walt Disney cujo pano de fundo é o Brasil. Aí vai mais um:

O filme "Saludos, Amigos" foi feito em 1943, quando o presidente dos Estados Unidos era Franklin Roosevelt e o do Brasil era Getúlio Vargas. Com o começo da Segunda Guerra Mundial, era interessante para os Estados Unidos ter o Brasil como aliado. Afinal de contas, o país além de ser o maios da América do Sul tinha um belo litoral para atracar navios de guerra.

Walt Disney se aproveitou da situação histórica e do fato que acabara de fazer uma viagem pela América do Sul para fazer um longa. Porém não é apenas o Brasil que aparece no filme. Bolívia, Venezuela, Colômbia e Argentina também aparecem nas cenas.

O filme recebeu três indicações ao Oscar de 1944: Melhor Trilha Sonora de Filme Musical, Melhor Som e Melhor Canção original. É nele que aparece pela primeira vez o Joe Carioca, ou Zé Carioca, cena que já apresentamos um tempo atrás.

Desta vez, a cena não é propriamente um desenho. É a introdução da parte que acontece no Brasil, feita em formato de filme mesmo. Bastante engraçado ver como o samba era visto lá fora, algo muito diferente do que estamos acostumados.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Inimigos do Batente convidam Velha Guarda da Nenê da Vila Matilde & Seu Nenê


O mês de Julho já está se encaminhando para o seu final. E como ocorre em toda a última sexta do mês, os Inimigos do Batente se reúnem. E sempre com um ilustre convidado armam uma batucada de primeira.

Quem for conferir a roda do grupo que acontecerá amanhã, terá a chance de ver e ouvir um verdadeiro patrimônio do samba de São Paulo. Acompanhado da Velha Guarda da tradicionalíssima Escola de Samba Nenê da Vila Matilde, Seu Nenê dará o ar da graça no Clube Anhangüera em mais uma edição do projeto "Anhanguera dá Samba!".

Espero que mais que seus sambas, Seu Nenê divida um pouco de suas histórias com os presentes.

Aguardo ansiosamente.

Até lá!

Inimigos do Batente convidam Velha Guarda da Nenê da Vila Matilde e Seu Nenê

Local:
Clube Anhangüera

Endereço: Rua dos Italianos nº1261 – Bom Retiro – São Paulo - SP

Data: 25/07

Horário: a partir de 22h

Ingressos: R$ 10,00 + um agasalho ou alimento não-perecível para doação a entidades assistenciais do bairro

Como chegar: Marginal Tietê (sentido Penha), passando a Ponte da Casa Verde, terceira rua à direita, primeira à esquerda e novamente primeira à esquerda.

Saiba mais no O Couro do Cabrito.

Adeus Zezé

Maria José Gonzaga, conhecida como Zezé Gonzaga, morreu na madrugada desta quinta-feira, no Rio de Janeiro. Ex-cantora da Rádio Nacional, Zezé tinha 81 anos e estava internada no Hospital Adventista Silvestre.

Estrela da fase áurea da Rádio Nacional, Zezé deixou a cidade mineira de Manhuaçu, onde nasceu e foi morar no Rio. Em 1956, com 29 anos gravou seu primeiro disco. Na década de 70, decepcionada com o rumo do mercado fonográfico, deixou a carreira de lado e foi trabalhar em uma creche, em Curitiba.

Voltou quase dez anos depois, em 1979, por conta de um convite de Hermínio Bello de Carvalho. Seu mais recente disco foi lançado em 2006, pela Biscoito Fino e se chama "Sou apenas uma senhora que canta".
O velório e o enterro foram marcados para hoje à tarde. A causa da morte não foi divulgada.

Musical não agrada no Rio

Quando colocamos a agenda de julho no ar, um dos destaques era o musical "Eu sou o Samba", em cartaz no teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Não fomos ver, mas o Jornal do Brasil enviou Macksen Luiz que parece ter gostado muito pouco do que viu. Seguem alguns trechos do artigo publicado nesta quinta:

"Eu sou o samba", em cartaz no Teatro Carlos Gomes, incorre no erro de tratar o musical que pretende ser seleção de sambas, da sua origem à atualidade, como seqüência de composições, que se estende por quadros com pífia estrutura cênica.

Como em qualquer seleção se pode discordar da exclusão de alguma música considerada fundamental para figurar no painel do título, mas os “clássicos” estão todos lá, e este é o maior mérito de uma montagem sem a mesma qualidade das dezenas de sambas que desfilam, com pouco vigor, por dois atos.

O fio de texto que intenciona conduzir a evolução do samba é pouco mais do que rascunho de historietas, que vão se diluindo ao longo do espetáculo até ao ponto de desaparecer, completamente, no segundo ato.

Leia o artigo completo aqui

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Monarco cancela shows

Fortes dores na coluna fizeram com que Monarco cancelasse seus próximos compromissos em cima do palco.

Os shows "Monarco - Uma família no samba", marcado para os dias 26 e 27, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, foram cancelados. Quem já comprou ingresso poderá reaver o dinheiro em qualquer unidade do Sesc.

Monarco, que está com 74 anos, também suspendeu outra apresentação, marcada para o dia 1º de agosto, no bar Carioca da Gema, na Lapa (RJ). O prazo para que ele volte aos palcos é de um a três meses.

Scat de samba

Scat Singing é a habilidade de improvisar musicalmente com sílabas e palavras sem sentido. É como se a voz se tornasse um instrumento de ritmo e melodia, sem que nenhuma frase seja definitivamente cantada.

Nisso, a cantora norte-americana de jazz Ella Fitzgerald era muito boa. Considerada a rainha do scat, Ella deu impressionantes demonstrações ao longo dos seus 79 anos de vida. Uma delas cantando "Samba de uma nota só", de Tom Jobim, e passando por "Desafinado", de João Gilberto. O vídeo abaixo é justamente esse.

A música que tem talvez a mais perfeita conexão entre melodia e letra é também considerada uma das canções emblemáticas da Bossa Nova - o assunto da crista da onda. Mas para não ficar falando de bossa, vamos ao vídeo.

Gravado no dia 22 de junho de 1969, Ella Fitzgerald é acompanhada por Ed Thigpen na bateria, Frank de la Rosa no baixo e Tommy Flanagan no piano. Acompanhada em termos. Note que muitas vezes a banda simplesmente não tem o que fazer:


terça-feira, 22 de julho de 2008

Entre o Gilberto e o Nogueira

Este post é o primeiro de uma nova seção - Lado A;Lado B -, cujo o propósito é ouvir versões diferentes de uma mesma música. A principío esta seção servirá apenas para vermos como cada artista imprime o seu estilo no decorrer do tempo e qual versão agrada mais.

A primeira comparação será feita em cima da música "O Samba É Meu Dom" (Wilson das Neves/Paulo César Pinheiro). Sua primeira gravação saiu no disco "O Som Sagrado de Wilson das Neves" (1996). Wilson se destacou no meio musical por acompanhar na bateria diversos artistas. Entre eles, Chico Buarque.

A outra gravação que foi escolhida foi a de um sambista da dita "nova geração" que gosto bastante: Pedro Miranda. É possível encontrar essa versão no disco "Coisa Com Coisa" (2006)

Ambas as canções possuem a mesma cadência, porém Wilson se utiliza de trombone, piano e a bateria, como não podia faltar. Já Pedro apresenta instrumentos mais ligados ao samba, como cavaco, violão, tamborim, flauta e até uma cuíca.

Outra mudança que ocorre na versão de Pedro Miranda é que ele não menciona o "Gilberto" (de João Gilberto). Mais que isso, na segunda vez em que ele passa por essa parte da música substitui o nome de João Gilberto para João Nogueira.

O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Atualfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Donga, Ciro e João Gilberto


E finalmente a última mudança que ocorre é a substituição da palavra "baquetas" por pandeiro efetuada por Pedro no seguinte verso:

O samba é meu dom
É no samba que eu vivo
Do samba é que eu ganho meu pão
E é no samba que eu quero morrer
De baquetas na mão
Pois quem é de samba
Meu nome não esquece mais não


Confira a letra original e as duas versões abaixo:

O samba é meu dom
Aprendi bater samba ao compasso do meu coração
De quadra, de enredo, de roda, na palma da mão
De breque, de partido alto, e o samba-canção

O samba é meu dom
Aprendi dançar samba vendo um samba de pé no chão
No Império Serrano, a escola da minha paixão
No terreiro, na rua, no bar, gafieira e salão

O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Atualfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Donga, Ciro e João Gilberto

O samba é meu dom
Aprendi muito samba
Com quem sempre fez samba bom
Silas, Zinco, Aniceto, Anescar, Cachiné, Jaguarão
Zé com Fome, Herivelto, Marçal, Mirabeau, Henricão

O samba é meu dom
É no samba que eu vivo
Do samba é que eu ganho meu pão
E é no samba que eu quero morrer
De baquetas na mão
Pois quem é de samba
Meu nome não esquece mais não






segunda-feira, 21 de julho de 2008

Vermute entrevista Nicolas Krassik

Nicolas Krassik tinha tudo para jamais conhecer a música brasileira. Ou pelo menos não se empolgar com ela. Nasceu em Paris. Estudou por quase 15 anos no Conservatoire National de Region d´Aubervilliers-la Courneuve, onde se formou em violino clássico. Aos 20 anos passou mais um ano no Centre de Formation Musicale de Paris, estudando jazz. Sua vontade era tocar mesmo rock e funk no violino.

Mas ele ouviu os acordes do choro e samba e se apaixonou. Aos 31 anos de idade se mudou para o Brasil para resolver seu “problema” com a música brasileira. Ia passar seis meses, mas já mora no Rio de Janeiro há sete anos. A música brasileira não foi adotada apenas no violino. Seu sotaque já abandonou os “erres” duros do francês para falar tranquilamente os “esses” do carioquês.

Recentemente gravou seu terceiro disco, o Cordestinos, que reúne jazz e música nordestina. A seleção de músicas, com arranjos do próprio Nicolas, é um primor. Fui ao show de lançamento do disco e fiquei extasiado. Decidi que queria fazer uma entrevista para o Vermute e, por esse motivo, Nicolas me atendeu por telefone pouco antes de fazer um show:

De tanto morar no Brasil, você já atende por Nicolas (e não Nicolá como seria a pronúncia francesa do seu nome)?
Ah sim, atendo sim. Olha, até geralmente me apresentam como Nicolas e eu me apresento como Nicolas, porque se eu falar Nicolá, as pessoas não entendem. Aliás, eu já falo como carioca Nicolas [fala escorregando no “s”].

O violino foi seu primeiro instrumento?
Foi. Eu tinha cinco anos e meio. Minha mãe tocava piano e meu pai violão. Minha irmã, que é mais velha do que eu, já tinha ido para o conservatório e eu tinha que ir também. Minha mãe não perguntou nem se eu queria tocar, mas perguntou o que eu iria tocar. Escolhi o violino e entrei com cinco anos e meio. Terminei com 19 anos. A França tem essa cultura de música de violino muito forte.

Como começou sua relação com a música brasileira?
Minha relação com a música brasileira começou antes, de várias maneiras. Meu pai, como tocava violão, tinha alguns discos do Baden [Powell], do Villa Lobos. Então eu ouvia sem saber. Mais tarde, quando eu comecei a tocar jazz, toquei com um guitarrista que era fã do João Bosco e de Dominguinhos. Eu me lembro que até aprendi a tocar um pouco de violão para tocar umas músicas de MPB que acabei conhecendo. Mas o que me tornou um viciado em música brasileira foi uma festa em um bar que tinha músicos que tocavam música brasileira. Lá comecei a aprender a dançar, conheci alguns capoeiristas que freqüentavam, entrei em uma academia de capoeira e joguei capoeira por cinco anos. Minha vida se dividia entre o jazz e a música brasileira. Todo final de semana ia para este bar e outros que tocavam.

E a primeira música brasileira que você fez um arranjo era do Pixinguinha...
Um ano antes de vir para o Brasil, fui convidado para um festival de jazz na Alemanha. Era um festival de free jazz, que era todo dedicado ao Pixinguinha. Me lembro que a gente ensaiou por três dias. A idéia era fazer o show e gravá-lo. Cada músico tinha que preparar duas músicas do Pixinguinha, fazer uma leitura como quisesse. E cada um chegou com uma coisa maluca. Tinham algumas interpretações mais tradicionais, de gente que já o conhecia, e tinham coisas totalmente malucas. Pro show eu acho que acabei nem fazendo duas músicas, fiz o “Vou Vivendo” dele. Depois do show eu fiquei com umas partituras dele. Também me lembro que alguém me emprestou um bandolim para eu aprender a tocar. Como é a mesma afinação do violino e tal. Eu já estava ensaiando para vir para o Brasil e me animou um disco que eu tinha escutado do Raphael Rabello e do Armandinho. Quando cheguei já sabia tocar uma ou duas músicas do Pixinguinha no bandolim. E de certa forma eu dei um pouco de sorte porque quando cheguei aqui o choro estava voltando à moda. Eu, como músico de jazz, me identifiquei muito. Achei tudo muito divertido, os músicos maravilhosos. Aí comecei a pesquisar um pouco e depois comecei a dar minhas canjas. Eu já sabia falar um pouco de português e entendia um pouco também. No geral consegui me comunicar bem.

Como veio a decisão de morar no Brasil?
Foi depois de umas férias que passei, durante o carnaval. Eu voltei com a sensação que não tinha conhecido o Brasil na melhor época do ano. Fiquei com uma lembrança muito boa e comecei a pensar nisso e falar com meus amigos músicos que sabiam que eu estava totalmente envolvido. E alguns amigos me disseram: “Por que você não vai prá lá, passar um tempo?” Pra mim parecia impossível, mas aos poucos comecei a pensar e essa idéia começou a me obcecar. Decidi passar uns seis meses pra resolver esse assunto. Então, fiquei uns cinco meses em Paris me organizando. Vendi minha casa, meu carro, meu som. Preparei a mala, comprei um laptop e fui. Tudo isso sem saber o que eu iria encontrar. Eu só tinha um contato de um amigo de um amigo meu para me receber.

E deu certo, né?
E deu muito certo. Foi a primeira vez que eu fiz isso. Nunca tinha tirado férias e viajado sozinho. De repente me vi no aeroporto, com minha mala e meu violino. Eu tinha uma lista enorme de endereços para procurar. Acabei fazendo amizade muito rápida com os músicos. Ainda mais que no Brasil o povo é muito receptivo. Quando vi já estava aqui há seis meses e não dava pra voltar mais. Até teve uma época que minha mãe estava um pouco doente. Fiquei sem saber o que fazer. Me deu vontade de voltar para ficar com ela, mas eu sabia que ela mesmo não queria que eu fizesse isso. Eu ia ter que deixar muita coisa para trás. Fiquei balançado, mas não voltei. Ela faleceu. Atualmente meu pai não está muito bem, mas minha vida está aqui. Construí uma família aqui e não consigo imaginar minha vida em Paris outra vez. Quando eu vou lá de férias é só para curtir com a minha família e com meus amigos, porque eu nem gosto muito mais de lá. Hoje, para eu voltar de vez, só se acontecesse alguma coisa muito séria, como uma guerra. Aí, seu eu precisasse fugir, eu usaria meu passaporte francês.



Como surgiu a idéia de mesclar jazz, música erudita e ritmos nordestinos?
A música erudita não existe mais na minha vida. Eu não toco mais. O violino lembra a musica erudita, mas o trabalho é sempre popular. Já o jazz sempre fez parte da minha bagagem. O conservatório sempre foi musica clássica, é verdade, mas depois estudei violino com jazz. Toquei com Michel Petrucciani (foto abaixo) e Didier Lockwood. Na verdade, eu comecei a estudar jazz porque queria tocar rock e funk e me disseram que se eu estudasse jazz teria elementos para tocar qualquer tipo de música. Então isso faz parte da minha bagagem e improvisar é meu maior prazer. Adoro improvisar. Agora meu jeito de improvisar mudou com música brasileira. Isso acaba criando um estilo muito pessoal.


E esse seu estilo acabou conquistando um espaço aqui...
O que faz a gente traçar uma carreira e ter um público é a união de muitos fatores. Sou muito perfeccionista, mas você pode ser um grande músico e não dar certo. Eu sou francês, toco violino (que não é popular na música brasileira), dei sorte de conseguir agradar. Claro que não é só sorte, é muito trabalho também. É vontade de querer agradar. Mas a minha maior vitória não é vender disco ou fazer shows lotados, mas a aceitação do meio musical. Tenho a sensação que eles me aceitaram. Já me sinto fazendo parte deles. Não sou mais um francês que chegou aqui para tocar violino. Não sinto qualquer rejeição. Sou muito bem tratado e respeitado. Também porque eu respeito muito.

Na faixa sete (Chamego Bom), do novo disco, eu me lembrei muito do estilo do Piazzolla de fazer música? Você gosta do Piazzolla?
Adoro Piazzolla, acho maravilhoso. Eu toco no LiberTango. A gente sempre está junto e eu sempre faço participação com eles. No primeiro disco deles eu tocava em quase em todas a músicas. Meu contato com Piazzolla começou na França: eu tocava com um bandoeonista em um quarteto de cordas. Mas a musica do Zé Paulo [Becker] não tem muita diferença do que eu fiz pra o que ele fez. È que o violino é muito forte no Piazzolla e por isso pode dar essa impressão.



Qual compositor brasileiro você mais admira?
Sou fã do Jacob do Bandolim. Foi ouvindo ele que me deu vontade de tocar choro, até porque o bandolim tem a mesma afinação do violino. Acho que o Jacob tem uma linguagem moderna. que continua sendo moderno hoje. Eu adoro choro, mas as pessoas acham que só por que eu toco música instrumental só tenho referências de música instrumental. Mas eu sempre preferi escutar musica cantada. Quando estou com vontade de escutar música, para relaxar, eu vou colocar um disco do Paulinho [da Viola], do Chico [Buarque], da Marisa Monte. Não sei por que. Eu gosto das letras. Também sou fã do Dominguinhos. Em cada CD meu estou gravando músicas dele. Meu sonho é poder trocar algumas notas com ele.

Como você faz a escolha do seu repertório? Você não compõe?
Ah, isso é uma dor de cabeça. Eu não sou compositor, fiz quatro musicas na minha vida. Uma não gravei. Tem tanta coisa que estou a fim de tocar, que não me dá tanta vontade de criar outras. Eu gosto de fazer arranjos que são a princípio simples, mas em um ritmo diferente. Para não ser só mais uma interpretação da música, sabe? Mas compor é meu...eu nunca gosto do que eu faço. No CD anterior, compus uma música para minha mãe, que havia falecido. Então aí foi fácil e eu gostei do resultado. A música saiu em uma noite. Quando eu vi eu gostei, quis compor outra, como se fosse um exercício de estilo. Aí resolvi compor um maxixe e fiz um maxixe. Depois, então, quis compor um baião. E com essa formação do novo disco, fica difícil fazer uma música mais melodiosa, mais romântica. Mas eu cheguei no estúdio, sem ninguém saber dessa musica e apresentei: “Olha só, eu tenho essa música, mas acho que não estou gostando”. Eles gostaram e decidimos gravar [é a música Cordestinos, faixa 4 do disco]. Foi gravando que comecei a gostar. Mas, sinceramente, eu nem penso em fazer alguma coisa só autoral por enquanto.

Sempre entra um sambinha?
É, até agora sim. Eu adoro samba, choro e tudo isso. Sou apaixonado por tudo isso. O forró foi, digamos, minha última aquisição. Tenho uma identificação um pouco maior porque o ritmo me é mais familiar. Sinto uma atração muito forte pelo ritmo, sinto vontade de dançar. E essa coisa de gostar de música cantada: Noel, Nelson Cavaquinho, são coisas que gosto. No primeiro disco fiz “Tudo se Transformou” do Paulinho da Viola e não coloquei uma nota de improviso.

Dos seus discos, qual seu preferido?
Acho que eu mais do último porque foi um projeto que fiz do início ao fim. Pensei na formação do grupo, no repertório, nos arranjos, fiz produção, pós-produção, mixagem... fiz tudo. Ele é realmente um filho. Mas pelo primeiro [Na Lapa] eu tenho um carinho especial por ser meu primeiro disco.

E a música preferida de Cordestinos?
Hum...não sei, é difícil. Deixa eu ver a musicas aqui... talvez “O amor daqui de casa”, do gil, que é trilha do filme “Eu, Tu, Eles”. Quando voltei do Brasil para a França comprei esse disco. Essa foi minha trilha por cinco meses. Essa música faz parte desse momento da minha vida. E eu tenho um carinho especial por ela. E qualquer uma do Dominginhos, mas eu não sei mesmo.

No disco anterior tinha rabeca também?
Tem sim, o Luis Paixão, um grande rabequeiro que conheci em Olinda. Era tão bom que decidi que ia gravar a rabeca dele. Aluguei um estúdio em recife, gravei uma zabumba de referência, e gravei a rabeca dele. Quando cheguei no Rio, fiz os arranjos e ficaram sendo as últimas músicas do disco [Bem Temperado e Arrumadinho].

Mas você nunca tinha gravado você tocando a rabeca?
Mas no disco novo toquei rabeca pela primeira vez. O Marcos [Moletta] que fazia. Meu jeito de tocar é diferente. Até a forma de empunhar é diferente. A rabeca você põe no braço, que é uma coisa de tradição, mas limita mais pra algumas coisas. Eu tentei tocar assim, mas comecei a sentir dor no braço, na mão. Eu não vou tocar pior só pelo lado visual

Há quanto tempo o grupo deste disco toca junto?
Faz um ano e meio da primeira apresentação que chamei eles e a gente fez um show no Rio. Aí gravamos um CD demo, fizemos protótipo de show e soou pra mim como um CD...

Você é um cara que gosta de estudar música brasileira?
Vou muito assim, cada dia é um dia. Eu não estudo muito tempo. Não gosto muito de estudar. Já estudei demais. Estudo quando tenho que tirar alguma música e estudo um pouco de percussão. Estou estudando zabumba há dois anos e meio. Tenho minha zabumba e já dei canja de zabumba. Agora estudar um gênero... Talvez fiz isso no início, mas hoje em dia vou aos poucos, dependendo do que quero.

Você está saindo do Brasil para fazer shows agora?
Eu e o Yamandu [Costa] vamos para a Finlândia, Córsega e Alemanha. Mês que vem, iremos para o Canadá e há uma previsão de ir tocar no Japão. Mas com o “Cordestinos” estamos começando. Fizemos um lançamento em São Paulo e um grande lançamento no Rio. Agora estamos mandando CD´s para organizadores de festival. Meu sonho é tocar isso no nordeste. Sei que no nordeste tem aquele forró que não me agrada muito, esse forro mais eletrônico... Não sei como os forrozeiros de lá vão receber essa rabecada moderna. Mas tem tudo a ver, né?

domingo, 20 de julho de 2008

Disco da semana: Se Você Jurar - Ismael Silva


Este disco foi lançado originalmente em 1973 pela RCA Victor e reeditado em CD no ano de 2004. O disco é quase inteiro composto de músicas de autoria somente de Ismael. Porém há algumas que incluem parceiros de peso como: Noel Rosa, Nilton Bastos, Francisco Alves e Lamartine Babo.

Depois deste disco ainda foram lançados mais duas obras referentes ao malandro do Estácio. Uma é um CD em homenagem lançado por Jards Macalé e Dalva Torres e o outro é o áudio do programa Ensaio que foi lançado em CD. Ou seja este foi o último trabalho que Ismael gravou com a intenção de transformá-lo em disco.

O disco é um bom resumo da obra de Ismael, sendo por isso um bom documento para quem quer se “iniciar” no compositor, pois possui algumas de suas músicas mais conhecidas e mais bonitas, entre elas: Antonico, Se Você Jurar, Nem é Bom Falar e Adeus. Por possuir também músicas menos conhecidas é também uma boa pedida para os que já conhecem parte da obra do malandro.

Um fato curioso sobre o disco é que na faixa que o abre, Ismael se apresenta e diz que espera que o público goste de suas músicas que serão executadas. Um fato estranho para um compositor, que segundo dizem, possuía um ego bastante inflamado.

Músicas:
1 - Antonico (Ismael Silva)
2 - Nem é Bom Falar (Ismael Silva / Francisco Alves / Nilton Bastos) - Adeus (Ismael Silva - Noel Rosa)
3 - Me Diga Teu Nome (Ismael Silva - Noel Rosa) - Boa Viagem (Ismael Silva - Noel Rosa)
4 - Se Você Jurar (Ismael Silva / Francisco Alves / Nilton Bastos) - Para Me Livrar Do Mal (Ismael Silva - Noel Rosa)
5 - Ao Romper da Aurora (Ismael Silva / Francisco Alves / Lamartine Babo) - Choro Sim (Ismael Silva)
6 - Tristezas Não Pagam Dívidas (Ismael Silva) - Novo Amor (Ismael Silva)
7 - Contrastes (Ismael Silva)
8 - Alegria (Ismael Silva)
9 - Aliás (Ismael Silva)
10 - Receio (Ismael Silva)
11 - Entrada Franca (Ismael Silva)
12 - Afina a Viola (Ismael Silva)

Baixe esse disco no Prato e Faca.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

O negro e a cultura brasileira

Será que alguém ainda duvida de que o negro revolucionou a cultura no Brasil? Digo isso porque com a inclusão da capoeira como patrimônio cultural nacional, sobe para seis (de quatorze) o número de manifestações que sofreram influências diretas dos negros no Brasil.

Já são patrimônios a já citada e recém incluída Capoeira, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, o Jongo no Sudeste, o Samba no Rio de Janeiro, o Ofício das Baianas de Acarajé e Tambor de Crioula do Maranhão, que é uma espécie de dança acompanha por canto e percussão de tambores.

Essas e outras manifestações são classificadas como "Patrimônio Imaterial", que segundo o IPHAN, é aquilo que "é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana."


Não há como negar a importância desta raça para o nosso país. A lista do IPHAN está só no começo e com certeza há muitas coisas a serem incluídas como o samba que ocorria no interior paulista, o Tambú e tantas outras coisas que eu sequer sei que existe.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Satã na TV

Neste sábado (19), às 22h30, a TV Cultura irá exibir o filme "Madame Satã", durante o "Cine Brasil". Dirigido por Karim Aïnouz, o longa fala de um dos personagens que marcou a história da Lapa nos anos 30: João Francisco dos Santos, o Madame Satã.

Amigo de Noel Rosa e outros frequentadores dos arcos, Satã precisou de muita malandragem para superar todos os preconceitos. Artista negro, pobre, homossexual e transformista, Satã (interpretado por Lázaro Ramos) deu muita pernada até finalmente se aquietar ao lado de uma prostituta, com quem se casou.

Escrito por Aïnouz e Marcelo Gomes --diretor de "Cinema, Aspirinas e Urubus", o longa recebeu, em 2002, o prêmio de melhor direção no Festival de Biarritz, além do Gold Hugo no Chicago International Film Festival.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Carnaval à venda

Mais um "está dito". A seção sempre tem muito texto, mas vale a pena. Desta vez, Plínio Marcos faz seu lamento na Folha de S.Paulo pelo que aconteceu com o carnaval de São Paulo há um bom tempo. Não dá pra voltar atrás, mas como dizem, recordar é viver.

O Carnaval dos cordões

Por Plínio Marcos, em 13 de fevereiro de 1977

A tradição canavalesca de São Paulo era o cordão. Havia algumas escolas de samba, porém (e sempre tem um porém), os bambas, a pesada eram os cordões. Camisa Verde e Branco (branço mesmo), Vai-Vai, Paulistano da Glória, Campos Elíseos, Som de Cristal eram todos famosos cordões. E o cordão paulista tinha batida diferente das escolas de samba, tinha outras figuras e outras mumunhas. Eu disse "tinha". Porque, que eu saiba, não existe mais nenhum cordão em São Paulo. Os que não acabaram de vez se transformaram em escolas de samba. Como é o caso do Vai-Vai e do Camisa Verde e Branco, que foram os que mais resistiram, antes de se transformarem em escolas de samba. E o fim dos cordões, sem dúvida nenhuma, se deve ao elitismo, ao paternismo das autoridades que, quando resolvem incrementar algumas manifestações espontaneas do povo, mesmo quando estão bem intencionadas, só atrapalham. Isso porque as autoridades, sempre tão distantes das bases, tomam suas medidas dentro dos gabinetes, escutando acessores que geralmente se preocupam com o brilhareco que resulte em algum lucro e nunca nos interesses da coletividade.

No caso do samba de São Paulo, não deu outra coisa. O Prefeito Faria Lima resolveu, com a melhor das intenções, oficializar o Carnaval de São Paulo. Mas deve ter consultado gente que sempre achou que nesta cidade não havia samba, nem sambistas. E essa gente, sem vacilar, desconhecendo totalmente o que é Carnaval, desconhecendo que carnaval não se resume apenas em desfiles, nem em escolas de samba, que desfile e escolas de samba são um aspecto do carnaval, que existem vários outros aspéctos que também devem ser considerados, essa gente estava interessada na cascata que podia fazer em torno da oficialização do Carnaval e não na preservação dos costumes carnavalescos do povo desta cidade. E então, sem nenhuma cerimônia, fizeram a presepada: oficializaram o Carnaval. Mas, na lei, ficou claro que o único evento carnavalesco que a Prefeitura se via obrigada a realizar era o desfile das escolas de samba. Resultado, todo incentivo da Prefeitura para as escolas de samba e nenhum para os cordões que, diante da indiferença das autoridades, foram se extinguindo ou virando escolas de samba, puxadas aos defeitos das escolas do Rio de Janeiro (é mais fácil copiar defeito que virtude) e se desvinculando totalmente das raízes culturais de São Paulo.

O samba paulista é diferente do samba baiano que se instalou no Rio de Janeiro a partir da casa das "tias". O samba paulista é mais puxado ao batuque, ao samba de trabalho. Do toco, durão. O samba paulista vem das fazendas de café. O crioulo vindo do interior ia se instalando perto dos locais de trabalho: Jardim da Luz, Barra Funda, Largo da Banana, Praça Marechal, Alameda Glete, Bexiga, Rua Direita, Praça da Sé. E aqui, como no Rio de Janeiro, a polícia perseguia o samba e os sambistas. No Rio de Janeiro, os pagodeiros subiam o morro e a polícia se acanhava, e aí, não havia remandiola. O samba era solto, batido na mão, espalhado pelo terreiro. Aqui, o sambista se recolhia nos porões e lá puxava o samba, mas, naturalmente, não era a mesma coisa. Um samba espalhado debaixo de um céu cheio de estrelas e de luar e um samba espremido em porões, nos quais crioulo de mais de um metro e setenta tinha que mostrar o que sabia todo dobrado, pra não bater com a testa nas vigas. E quando o pagode esquentava, era tanta poeira que subia, que só era possível saber que estava havendo samba pelo ronco da cuíca e pelo gemido do cavaquinho, porque ver, não se via ninguém.

São muitos os grandes sambistas de São Paulo: Vassourinha (Olha aí, carnavalescos de escolas de samba, que andam com mania de enredo com vida de artista: esse foi gente grande e de muita embaixada no rádio), Dionísio Camisa Verde, Marmelada, Jamburá, Feijó, Pato Nágua, Sinval, Inocêncio Mulata, Carlão do Peruche, Nenê da Vila Matilde, Pé Rachado, Zézinho do Morro da Casa Verde, Geraldão da Barra Funda, Chiclete, Zeca da Casa Verde, Toniquinho, Nego Braço, Zoinho, Dona Eunice, Sinhá, Donata, Tudo gente que mantinha o samba na rua na época em que a polícia acabava samba na base do chanfralho.

Tudo gente de valor provado no meio das batalhas.Tudo gente que saía nos cordões pelo prazer de sair, por gostar de samba, por querer sambar. No centro da cidade, muitas vezes, um cordão que ía encontrava um cordão que vinha. Então, era coisa pra valente. Ninguém recuava. Os cordões se cruzavam. Tinha um ritual todo cheio de parangolé. O baliza de pau de um cordão protegia a porta-estandarte do outro cordão. Os estandartes (ou bandeiras) eram trocados com muita gentileza e muito respeito. Depois de um tempo, se destrocavam os estandartes (ou bandeiras) e aí o pau comia. Navalha, tamanco, porrete entravam na fita pra bagunçar o pagode.

Pato Nágua foi levar uma cabrochinha lá pras bandas de Suzano. Amanheceu boiando numa lagoa, comido de peixe e de bala. Dizem que foi a primeira vítima do Esquadrão da Morte. Ninguém sabe direito. Defunto não fala. O que se sabe é que a notícia chegou no Bexiga à tardinha, na hora da Ave-Maria, e logo correu pelos estreitos, escamosos e esquisitos caminhos do roçado do bom Deus. E por todas as quebradas do mundaréu, desde onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos, o povão chorou a morte do sambista Pato Nágua. E o Geraldão da Barra Funda, legítimo poeta do povo, chorou por todos num bonito samba chamado Silêncio no Bexiga.

O Largo da Banana era o lugar onde os caminhões que vinham do interior encostavam pra descarregar. Ali se juntava a curriola. Enquanto não vinha caminhão se armava o samba duro. Se jogava a tiririca:

É tumba, moleque, é tumba
é tumba pra derrubar
tiririca, faca de ponta
capoeira vai te pegar
Dona Rita do Tabuleiro
quem derrubou meu companheiro
Abre a roda, minha gente
que comigo é diferente

E só parava na roda quem se garantia. E o Inocêncio Mulata (hoje presidente do Camisa Verde e Branco da Barra Funda) sabia tudo. Tudo e mais alguma coisa. E no Carnaval, puxava no surdão um famoso trio de couro. Ele no surdão, o Feijó na caixa de guerra e o Zoinha no tamborim. Paravam num boteco qualquer e começavam a zoar. Ia juntando gente, juntando gente e aí o rio saía pela Barra Funda, com uns duzentos sambando atrás. Na Praça Marechal, já eram dois mil, na Glete, cinco mil. Aí, era zorra, zorra total, até a polícia chegar. Foi nesse trio de couro que o Inocêncio ganhou o apelido de Mulata. Logo ele, que não é de fazer careta pra cego, resolveu aprontar pro Feijó, que não podia ver rabo de saia. O Inocêncio pegou um vestido da Dona Sinhá, meteu um turbante, se embonecou e ficou na moita. O Feijó e o Zoinha, que estavam no boteco esperando o companheiro de trio, foram tomando todas. Quando já estavam bem bebuns, e achando que o Inocêncio não viria mais, ele se apresentou vestido de mulher. Fez sucesso pro Feijó, que achou aquilo uma tremenda mulata e foi logo pagando cerveja. Mais encantado ainda ficou o Feijó quando aquela mulata pegou no surdo e mandou ver. O trio saiu. O Feijó todo preocupado com a mulata e alimentando ela com cerveja até a Glete. Aí, o Feijó resolveu partir com tudo. Se entortou. O Inocêncio tirou o turbante e se apresentou. O patuá do Feijó entortou. Mas o Inocêncio ganhou pra sempre o apelido de Mulata.

Mas a guerra se avacalhou. Não existe mais trio de couro, nem bloco de sujo, nem vai-quem-quer. Essas manifestações espontâneas do povo, que sempre a polícia tentou acabar sem conseguir, acabaram graças às promoções carnavalescas da Prefeitura.

No lugar dessas coisas todas, a Prefeitura meteu o Trio Elétrico. A própria poluição sonora, que com guitarras elétricas e grandes aparelhos de som, esmagam, apagam qualquer instrumento de couro batido por um sambista. Alguns músicos defendem essa jeringonça como mercado de trabalho, mas esquecem que um toca-fitas e uma Kombi fazem o mesmo efeito que esse trio elétrico. E esquecem que falta mercado de trabalho porque muitos bailes de Carnaval em São Paulo são animados por toca-fitas e que a própria Prefeitura promove um bailão pra quarenta mil pessoas, com toca-fitas.

São Paulo sempre teve muito carnaval. Mas hoje está tudo resumido no desfile das escolas de samba e nos bailes dos clubes. E isso tudo é muito triste. Porque o Carnaval sempre serviu pras manifestações espontâneas do povo. E tudo agora vai se resumindo num espetáculo pra atrair turista. Feito no gosto dos turistas e avaliado pelos padrões culturais das elites. E isso dói. Porque um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre.
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