terça-feira, 30 de setembro de 2008

Missão Impossível: Entrevista com Paulinho

Uma medalha para quem entrevistar Paulinho da Viola. Talvez essa seja a tarefa mais difícil para um jornalista que escreve sobre música. O bloqueio é tripo e impiedoso. Por isso, quando aparece uma entrevista aí, o bom é ler e reler. Daí minha vontade de colocar esse bate-papo feito pela Caros Amigos em fevereiro de 2006. Aproveitem:

Então, Paulinho, sua história é bem conhecida, mas podíamos começar você contando rapidamente onde nasceu, como era sua família...
Bom, nasci em Botafogo, meus pais moravam na rua Pinheiro Guimarães, 53, casa 1, onde ficamos de 1942 a 1962, mais ou menos, quando mudamos para a rua Real Grandeza, ali perto também, e meu pai esteve com minha mãe até recentemente nesse endereço da Real Grandeza, 75, agora eles estão morando em Copacabana por causa desse negócio de elevador, né, meu pai está com 86 anos...

É uma família grande, são muitos irmãos?
Não, tem meu irmão (Francisco) e uma irmã de criação, Luzia.

Sua família é carioca?
Meu pai é carioca, mas minha mãe é de Marques de Valença. Minha avó por parte de mãe também era daquela região, minha avó por parte de pai é do Rio Grande do Norte, meu avô por parte de pai de Alagoas e meu avô por parte de mãe acho que também, João Batista, não sei muito a história dele, não.

Seus pais eram abastados?
Não, minha mãe era enfermeira, aliás, tem uma história fantástica que ela me contou. Um dia perguntei: “Minha mãe, como é que a senhora se envolveu com isso?” E ela falou assim: “A gente veio de Valença e aí fomos morar afastados do centro, era uma roça e tínhamos todos que trabalhar, então eu e minha irmã” – a irmã mais nova dela – “conseguimos trabalhar numa loja de tecidos no centro...”. E aí entendi por que toda essa geração da minha mãe tinha uma enorme admiração pelo Getúlio – ela explicou que só tinha folga se o patrão quisesse. Não tinha semana de cinco dias e só ia pra casa quando o patrão dizia: “Agora você pode ir”. Foi depois do Getúlio que criaram essas normas trabalhistas, semana de tantos dias, carteira assinada, é menor, não é menor, até então não tinha nada disso. Depois ela tomou conta de uma escola particular na Urca, ainda menor de idade. Era uma espécie de zeladora, ficava lá e de vez em quando ia em casa. Saía da Urca, andava não sei até onde, e um dia passou por um prédio que ela achava muito bonito – onde hoje é a UFRJ e ali era o manicômio antigo, onde Lima Barreto esteve internado, e ela entrou: “Olha, eu queria trabalhar aqui”. Devia ter uns 16, 17 anos, o pessoal falou: “Não, isso não é assim, você tem documentos?” “Tenho, não estão comigo, mas posso trazer.” “Mas você tem de falar com o professor Raja Gabaglia” – que era o diretor – “Só ele pode resolver seu caso.” “Ah, tá bom.” Ela foi em casa, voltou com a certidão de nascimento, foi recebida, e passou a trabalhar. Assim!

Mesmo depois que vocês já tinham nascido?
Depois que a gente nasceu ela trabalhou no Engenho de Dentro, com a doutora Nise, como enfermeira...

Nise da Silveira?
É, eu mesmo me lembro muito do Engenho de Dentro, ela trabalhava na área infantil e às vezes me levava. Tinha alguns meninos com problemas muito sérios, mas tinha outros que eu adorava, a gente soltava pipa, jogava bola de gude e todo mundo dormia nos mesmos leitos, que eram impecáveis, limpos, não esqueço disso. Os meninos eram muito bem cuidados, fiquei muito com a minha mãe lá porque ela dava plantão de 24, 48 horas. Dona Ivone Lara trabalhou com ela, era enfermeira lá também. Minha mãe acabou se aposentando no Pinel e ainda continuou trabalhando, falava que trabalhar com pessoas doentes era um orgulho pra ela. Temos fotos e tudo. Ah, estou atrás de uma foto que eu vi, minha mãe era meia-direita de um time lá na Vila Valqueire chamado Paz e Amor...

Jogando futebol?
É, e a minha prima era centroavante.

Então a mulherada já jogava futebol?
Já, então não jogava? Em 1930 e poucos, é verdade. Acho que a foto está com a filha da minha prima, vou pedir a ela pra fazer um pôster bem grande e botar na sala... Minha mãe de meia-direita.

E você não jogava?
Joguei muito futebol, meu pai também. No Botafogo, o velho César jogava bem. Era meio-de-campo, época ainda do amadorismo. O pessoal diz que ele só não foi profissional porque não se interessou...

Ele tinha alguma atividade paralela à de músico?
Ele trabalhou em mil lugares, até que, por pressão do Jacó do Bandolim, que era escrevente da Justiça – “Vai pra Justiça” –, ele acabou fazendo um concurso, e foi pra Justiça, até se aposentar. Jacó dizia uma coisa que acho fantástica, que depois me fez entender uma porção de coisas a meu respeito, porque custei a admitir a idéia de que eu era um profissional de música e o que era isso. O Jacó dizia assim: “Faço música pelo amor que tenho à música e a minha profissão não é essa, sou escrevente juramentado, é daí que tiro o pão pra levar pra minha família, então a minha profissão é essa”. Quer dizer, um cara que gravou pra caramba, mas ele falava isso. Aí comecei a entender esse mecanismo, totalmente diferente desta nossa época – muitos artistas de enorme sucesso na carreira tinham trabalho paralelo, pra segurar as pontas. Isso aconteceu com meu pai, que era violonista, tocava em regional, gravou com muita gente, mas é evidente que viver só daquilo não era possível.

Você fez faculdade?
Não.
Fez contabilidade, não é isso?
É, e trabalhei com contabilidade. Trabalhava no Banco Nacional.

Por que contabilidade?
Deixa eu contar um pouco a história. Sempre fui um garoto muito de ficar na minha, sozinho, brincando com brinquedos que eu mesmo fazia, era a minha natureza. Então, desde cedo aprendi essa coisa de conserto de objetos, de uma casa só não sei a fundação, o resto conheço tudo. A parte de marcenaria foi outra história, acho que é um dom meu. Mas, então, eu tinha uma pequena oficina em casa, minha mãe me via mexendo nas coisas e dizia que eu devia estudar numa escola técnica. Sempre estudei em escola pública. Em algumas precisava fazer uma prova pra ser admitido no curso secundário, como o Colégio Pedro II, onde todo mundo queria que seus filhos estudassem porque era um símbolo de qualidade e era de graça. E muito concorrido, as provas eram difíceis, então fiz um cursinho de um ano. Mas caí do bonde a três ou quatro dias da prova...

Caiu do bonde?
Em frente ao cemitério São João Batista. Porque era uma das brincadeiras da gente. Quando morria alguém famoso, vinha banda de música, pra garotada era uma festa. E o bonde passava ali mais devagarzinho, então a gente pegava o bonde, saltava, o cobrador ficava espantando: “Sai daí, cuidado...”. E numa dessas eu escorreguei, caí. Levantei e, quando vi, meu braço parecia um S. Aí me socorreram, “vai pro hospital Miguel Couto”. Foi meio traumático, eu devia ter 10, 11 anos, e passei a noite inteira gemendo de dor. Aí minha mãe, no dia seguinte, me levou pra um hospital chamado São Zacarias, onde ela conhecia os médicos e quando entrei já me deram uma injeção que não vi nada. Quando saí, estava com o braço engessado, normal, só que tive que ficar assim três meses.

Ainda bem que colou direitinho, hem?
Colou, ficou legal e me lembro que ainda fiz uma prova com a mão esquerda pro internato do Colégio Pedro II, mas minha mãe preferiu que eu ficasse no Amaro Cavalcanti, que era externato, então fiquei lá e fiz curso técnico de contabilidade.
Marina Amaral - Tem gente que diz que música e matemática têm um parentesco. Você é bom de matemática?Não. Eu não era bom aluno, era médio mesmo. A única experiência acadêmica que tive é que durante dois anos estudei na Faculdade de Música FEFIERJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro, hoje Unirio), que era dirigida pelo Reginaldo de Carvalho. Foi num momento difícil, momento de repressão braba, né? E ficava exatamente ali onde era a antiga União Nacional dos Estudantes, no Flamengo.

Até ali, você nunca tinha estudado música?
Tinha estudado um pouco com um amigo do meu pai, o seu Zé Maria, que era zelador e aprendeu música sozinho. Solfejo, divisão, harmonia. Ele fazia transcrições pra violão, fez transcrições pro Dilermando Reis. E usava o método Mateo Carcassi, que dizem ter sido o primeiro método de violão feito no Brasil, no século 19. Estudei arpejo, comecei a estudar divisão e me desenvolvi mais ou menos rápido. Eu achava que ia ser um violeiro de esquina, de brincar com as pessoas, adorava aquilo. Aí comecei a me envolver. A partir de uns 14, 15 anos eu ia muito pra Vila Valquíria. Época de férias ficava lá, na casa da minha tia. Aí tinha um grupinho que tocava violão, que resolveu inventar uns bailes. Eu não era muito disso, tinha uma timidez doentia. Abordar uma moça? Jamais na minha vida fiz uma coisa dessa. Ficar paquerando, isso não havia. E a gente saía muito pra ensaio de escola de samba, foi quando comecei a ver as escolas. No final da rua da minha tia ficava a União de Jacarepaguá, que desfilava com Portela, Mangueira, Salgueiro. Foi a primeira escola em que eu saí. E fundamos um bloco na rua também, Carnaval no subúrbio é uma maravilha, e depois tinha banho de mar a fantasia, era uma delícia!

Foi nessa época que você pegou malária?
Foi. Lá no chamado “Tchibum” do Valqueire, um tanque da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), um reservatório imenso onde a garotada ia mergulhar. Fui uma vez, dei um mergulho, achei a água muito fria e saí. Foi o suficiente. Não conheço ninguém no Rio de Janeiro que tenha contraído malária. Quando falo isso, os médicos ficam me olhando, digo: “Pode perguntar pra minha mãe”. Quase que eu morri mesmo.

Como ficou curado?
Era minha avó junto com outra senhora botando umas coisas muito quentes no meu peito. Eu suava muito e quando a crise passou comecei a tomar um remédio chamado Araline, que é à base de quinino. O quinino combate o vírus, mas também ataca o fígado e nunca fui muito bom de fígado.
Nunca foi muito de beber também?
Teve um período em que bebi bem, mas não tenho vício de nada. De vez em quando fumo um charuto. Fumava cigarro até os 22, 23 anos. O médico disse: “É melhor você parar. Você teve um problema assim”. Tive uma inflamação na base do pulmão, que eles chamavam de basite. Mas aí eu era meio boêmio, ficava na noite tocando e não dormia, fumava, tomava uma cerveja, aquela coisa. Mas, quando ele disse pára, parei na hora. Sou da Academia Brasileira da Cachaça, gosto muito de cachaça. Mas é engraçado, não bebo, tomo Coca-Cola. Gosto de um vinhozinho de vez em quando.

Cachaça de vez em quando também?
Cachaça boa se eu pudesse tomava todo dia. Mas a cachaça, por maravilhosa que seja, você não pode tomar todo dia, nenhuma bebida, né? Eu, no caso, não sinto nada. Posso tomar uma garrafa de cachaça inteira, não fico bêbado.

Falando de boêmia, como você foi parar no Zicartola?
Bom, quando trabalhava no Banco Nacional apareceu uma pessoa no balcão e falei: “Conheço aquele cara de algum lugar”. E fiz uma coisa que jamais fiz na vida: fui lá e disse “Desculpe, mas acho que conheço você de algum lugar”. Ele: “Tem alguma coisa com música?” “É, toco um pouco violão, meu pai é músico, toca com o Jacó do Bandolim.” Aí, a gente descobriu que era da casa do Jacó. Era o Hermínio Belo de Carvalho. Que falou: “Ô, Paulinho, Paulo César, né? Vou te dar um endereço, você me procura que tenho uns negócios pra te mostrar”. Eu jamais faria uma coisa dessas, ir na casa de um desconhecido. Pois fui, parecia que tinha uma coisa me empurrando. No dia em que fui ele disse: “Toca aí”. E toquei um samba. Me deu uma letra, musiquei a letra, depois me deu outra, musiquei. Uma eu iria gravar em 1997. A outra, a Elizete gravou nos anos 80, num disco de brinde. Era uma valsa e um samba. E aí ele me mostrou uma fita com Zé Kéti cantando Diz que Fui por Aí, o Nelson Cavaquinho cantando O Sol Nascerá, com Cartola. Memorizei e tenho até hoje uma melodia que não tem letra, do Nelson Cavaquinho, que ouvi nessa fita. Guardei aquilo, um dia reproduzi no violão. Já falei até com o Guilherme de Brito: “Olha, tenho uma melodia que quero que você faça uma letra.” O Guilherme era o parceiro dele, né? Isso foi começo de 64.

Depois do Golpe ou antes?
Antes. Aí, um dia, o Hermínio disse: “Quero levar você pra conhecer um lugar”. Que era o Zicartola, aí me apresentou o Cartola. Conheci o Elton (Medeiros), o Nelson Cavaquinho, esse pessoal todo. O Hermínio promovia lá uma coisa chamada Noite da Cartola Dourada, onde toda sexta-feira prestava uma homenagem a alguém da música brasileira. A primeira foi a dona Lindaura Rosa, viúva do Noel Rosa, que depois ficou muito amiga da minha mãe. E lembro que cantei um samba de Noel pra ela. Uma outra homenagem foi pro Ciro Monteiro. E foi um orgulho pra mim ter acompanhado Ciro Monteiro. Ninguém me conhecia. Fazia isso porque era uma diversão. Deixava meu violão na portaria do banco, e quando saía do trabalho já pegava o violão e ia pra lá direto. O pessoal da roda de samba, Zé Keti, Elton cansaram de ficar me esperando embaixo e eu ficava lá de cima:“Peraí”. Trabalhava numa seção chamada mecanografia, era a seção que tinha que fechar o movimento do banco.

E como era a freqüência no Zicartola?
Todo o pessoal de teatro, de jornal, toda essa turma conhecida. Um dia, o Cartola chegou pra mim e falou: “Pô, rapaz, você vem aqui todo dia, fica aí tocando, toma isso aqui pelo menos pra sua passagem”. Me deu o primeiro cachê. Levei um susto, porque aquilo pra mim era uma festa, eu estava numa felicidade, poder tocar violão, conhecer Elizete, dona Lindaura, Hermínio, Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti; o Zé Kéti me adotou, praticamente, porque ele estava numa fase muito boa, por causa do Opinião (show). Foi por aí que a Nara (Leão) gravou Luz Negra, um sucesso nacional, e essa coisa do samba com o pessoal da bossa nova, então, pra onde ele ia, me levava. Nesse período, ainda em 64, teve a primeira gravação do conjunto, A Voz do Morro, pela Musidisc. E ele me levou, levou o Jair, o Zé Cruz, o Elton, o Nélson Sargento, e a gente gravou A Voz do Morro. Foi um sucesso tão grande, que a gente fez um segundo disco lá, e um terceiro na RGE. Em 1965, o Hermínio fez o Rosa de Ouro, um pouco antes fez um negócio chamado Menestrel, juntava um músico de formação erudita, Turíbio Santos, por exemplo, com Clementina de Jesus. O Rosa de Ouro realmente foi uma coisa muito comentada, apesar de um teatrinho desse tamanhinho, e nós viajamos muito, pra São Paulo, Bahia, Sul. Depois teve um projeto às sextas-feiras à meia-noite, um encontro do pessoal de música popular, começo de 1966. Mas a polícia proibiu. Ali a gente discutia os rumos da música brasileira, vamos dizer assim, o que era muito perigoso. Todo mundo ia pra lá, Nara, Roberto Nascimento, eu fazia parte de uma mesa também, as reuniões começaram a ficar tão concorridas, que uma delas foi mediada pelo Antônio Houaiss.

O que se discutia mais?
O que é brasileiro, o que não é...Isso era um pretexto, se discutiam outras coisas, se discutia política.

E era todo mundo de esquerda?
Devia ter gente de tudo quanto é canto. Um dia, um sujeito sentou do meu lado, disse assim: “Meu nome é Carlos Capinam, sou poeta, cheguei da Bahia, vamos fazer uma música? Vamos ser parceiros?” E a gente começou a fazer uma parceria, eu estava quase sempre na casa dele e ali conheci Abel Silva, que era professor de literatura e poeta, fazia letras também. O Abel que me convidou, ele falou: “Olha, estou morando no Solar Santa Teresinha, estou precisando de alguém pra dividir o quarto comigo, você quer?” Falei: “Vamos lá...”.

Esse que era o Solar da Fossa?
Era o Solar da Fossa.

Por que você falou Solar Santa Teresinha?
Porque era o nome do solar, e de fossa não tinha nada. Outro dia passei com a minha filha ali e falei: “Esse prédio aqui, que é da Rio Sul hoje, tinha uma casa fantástica, linda”. Eram uns dois ou três andares, e em 66 Abel e eu alugamos um apartamento que era uma quitinete grande, e trocavam a roupa de cama, limpavam todo dia, tudo direitinho, não tínhamos muita coisa mesmo, então dava tranqüilamente pra gente. Ali em frente moravam Caetano e Duda Machado, e o pessoal de teatro todo que conheci nessa época, Beth Faria, Cláudio Marzo... Uma vez, Caetano entrou com o violão: “Pô, queria mostrar pra vocês uma coisa que estou fazendo aqui”. E mostrou. Paisagem Inútil. Dizia assim: “A lua oval da Esso iluminando os corações enamorados do Brasil”. Nunca mais esqueci disso. Ele acabou de cantar e ficou olhando pra cara da gente, pra ver o que a gente achava. A gente ficava assim... achando estranho, né? Já era a coisa do tropicalismo funcionando.

A gente está falando dos anos 60, né? Existe uma mística sobre os anos 60, por causa da efervescência cultural, a efervescência política. Vocês sentiam isso?Sentíamos tudo. Eu, à minha maneira. Uma coisa que foi mostrada pra mim depois, por algumas pessoas, uma interpretação, uma visão, porque a gente não tem essa consciência. Por exemplo, Sinal Fechado, de 1969, pra muita gente essa música seria uma síntese daquele momento, com todo o simbolismo que ela carrega, sem que eu tivesse essa intenção. Tem gente que viveu coisas terríveis naquele período, ouve essa música e não suporta. Eu não tinha essa consciência, mas a gente fazia reuniões, tínhamos uma celulazinha no Solar. Uma célula do Partidão. Do Partido Comunista.Mas eu não gosto muito de falar, não. Deixa o Abel falar, o Capinam.

E como você acabou mergulhando no rio da Portela?
Quando era garoto, ali em Botafogo, uma senhora muita amiga do meu pai, “tia Nata”, Natalina, tinha um sobrinho chamado Oscar Pereira, conhecido na Portela como Oscar Bigode. Eu saía na União de Jacarepaguá. Um dia chegou um grupo da Portela, para fazer uma visita à escola, e o Oscar falou: “O que você está fazendo aqui?” Falei: “Ué, saio aqui, estou saindo aqui”. “Vou levar você pra conhecer a Portela, você quer?” Falei: “Já conheço, assisti a vários ensaios lá. Mas eu vou”. Aí, ele me levou um domingo de manhã, que era quando os compositores se reuniam. Como eu tocava, ele chegou lá e disse: “Ó, esse aqui é meu primo, quero que vocês dêem atenção a ele, porque sabe tocar e tudo”. Tinha aquela roda de compositores, fiquei lá com eles. Só tocando. Mas aí seu Ventura, de brincadeira, me provocando, eu era muito jovem, falou assim: “Ei, você tem algum samba aí?” Fiquei meio assim, todo mundo olhando pra mim, falei: “Olha, tenho a primeira parte de um samba. E se alguém quiser pode fazer a segunda”. Você imagina isso pra mim! Se tivesse um buraco eu me enfiava. Aí, cantei um samba chamado Recado: “Leva um recado / a quem me deu tanto dissabor / diz que eu vivo bem melhor assim / e que no passado eu fui um sofredor...”. Cantei a primeira vez, o pessoal cantando lá. Voltei a primeira, cantei outra vez. Quando terminei de cantar, o Casquinha já fez a segunda. Na hora. Aí lançamos e o samba foi um sucesso. Depois comecei a participar ativamente da escola. Saí em 65. Em 66 já fiz um samba-enredo e ele ganhou. A Portela desfilou com ele.

Qual era a temática desse samba?
Memórias de umSargento de Milícias.

Então era uma coisa encomendada?
Era. Os sambas-enredo normalmente são uma coisa encomendada. O carnavalesco desenvolve um enredo, mostra aos compositores, diz: “Olha, existe o livro tal”. Na época era assim. Li o livro. Na minha inexperiência, achei que tinha de contar a história do livro todo. Então, o samba tem 48 versos, é um dos maiores sambas de todos os tempos da história dos desfiles. Mas foi bem. Tirou 10 e a Portela ganhou. Depois fui presidente da ala de compositores por um tempo. Durante esse período morava com meu pai ou no Solar. Participava de um show ou de outro. A vida estava uma maravilha. Quando fiz Um Rioque Passou em Minha Vida, e essa música estourou no Brasil inteiro, aí é que me dei conta de que tinha de reorganizar minha vida pra continuar ou não fazendo música. Porque houve mais solicitações e eu não tinha nem um conjunto pra tocar comigo. Tocava sozinho. Ia me apresentar num lugar, como? Aí comecei a formar um conjunto, Copinha, que conheci em 66, o Dininho, que toca comigo até hoje, o Eliseu, o Félix, o Marçal e o Elton, e a gente fazia shows.

E por que você saiu da Portela e voltou?
Ah, isso foi depois. Foi em 77 e fiquei até 95 sem sair na escola. Mas não saí sozinho. Foi um grupo. Tínhamos na Portela um departamento que procurava de tudo quanto era forma discutir a escola, sua história, seu futuro, essa coisa do samba na quadra. Podia ter uma pressão daqui, dali, mas a gente mantinha um ritual que era: os compositores apresentam o samba, os sambas são escolhidos pela quadra, se ele não é bom a quadra não canta. E você tinha um tempo pra fazer isso. O samba-enredo só era escolhido perto do Carnaval. Bom, gravou o samba-enredo, os discos começaram a fazer sucesso. Teve um período em que vendia mais de 1 milhão, 2 milhões de cópias. Então, a necessidade passou a ser: é preciso que o samba esteja escolhido a tempo suficiente de gravar e pegar a venda de Natal. Isso já criou toda uma situação, anulou a prática do samba de terreiro. Por exemplo, quando o Salgueiro apareceu com o Pega no Ganzê, Pega no Ganzá e fez aquele sucesso estrondoso, gente da diretoria chegou e disse: “Vocês têm que diminuir esses sambas quilométricos, têm que fazer samba curto”. Aí, a gente resolveu comprar a briga, principalmente o Candeia. “Isso, não! O samba é grande e ele só é cantado menos vezes. Só isso.” “Mas o ritmo...” “O ritmo é esse aqui que consagrou a escola.” E começou essa discussão interna, a gente sentindo que os caras já estavam no samba-empresa.

Isso era mais ou menos que ano?
Era 73, 74, por aí. E a coisa foi mudando. De ano pra ano mudava, até o momento em que a Portela ficou assim: qualquer pessoa pode sair em qualquer escola. É só escolher.

E como é que acabou a briga?
A briga foi a saída. Essa história eu contei uma única vez e acho que nunca foi publicado. É muito simples. Nós tínhamos esse negócio da ala de compositores e o Carlos Imperial, não me lembro exatamente em que ano, era presidente da ala de compositores da Portela e na avenida, numa roda de compositores, ouvi o Carlos Imperial falar que ele tinha mudado o trecho de um samba que ia ser apresentado ali. Aquilo me revoltou. Não é possível!

Era seu o samba?
Não. O samba escolhido naquele ano tinha o dedo dele, porque ele não gostou de um trecho, aí tirou e botou outro... E falou isso na frente de todo mundo. E todo mundo ficou calado!

Depois você voltou pra Portela?
Não, nunca mais, mas tinha sempre ligação com a Velha Guarda, com o pessoal mais antigo.

Como foi que você pisou lá de novo?
Em 95, porque me convidaram, era uma festa da Velha Guarda e a minha filha mais velha ia cantar. Disseram: “Nós estamos convidando, você vai?” Falei: “É claro que eu vou”.

Como você vê hoje as escolas, quem venceu no fim?
Sabe o que eu penso? Não brigo contra o tempo. Penso o seguinte: tem uma dinâmica na vida e ninguém pára o tempo e as coisas vão rolando, vão acontecendo. Agora, as escolas... falei isso tantas vezes, todo ano me perguntavam: “E aí, o que você acha?” E eu já fazia comentário pra Globo, e tinha que falar. Até um ano que: “Ah, não vou falar mais nada!” Já estava desgastado de tanto falar a mesma coisa. Agora, tem um grupo maior que diz “É isto, e é isto...”. Não sou ninguém pra querer barrar isso. E tem outras coisas que ninguém controla também que vão mudando tudo, né? É claro que, se você falar com uma pessoa que defende tudo que está aí, ela vai dizer: “Agora estamos melhores!” Ela vai colocar uma série de coisas. Realmente, as escolas antigamente começavam o desfile às 8, 9 horas da noite e acabavam às 5 da tarde, porque uma escola podia desfilar o tempo que quisesse. Então tinha mesmo que estabelecer um tempo, porque, se uma escola quiser prejudicar uma outra, ela fica lá, não tem hora pra passar.

Dá o sol da manhã pra outra...
E isso aconteceu algumas vezes. Agora, se a escola tem que correr pra não perder pontos, alguma coisa está errada. E, se o samba precisa virar uma marcha pra que as pessoas andem mais depressa pra não perder pontos, tem alguma coisa errada. Então, a gente tem que arrumar uma forma de equilibrar essa coisa, porque vejo um ou outro samba maravilhoso, mas desde o momento em que ouço uma bateria e não consigo distinguir a síncopa natural que o samba tem, provocada por tamborins, ou por uma cuíca, ou por um surdo de repinicar, aí então já não quero mais. Pra mim não tem graça! Eu, que vi as várias baterias, os vários desfiles magníficos de Portela, Mangueira, Império Serrano, Salgueiro, deslumbrantes, as pessoas dançando, cantando, vibrando, chorando, não consigo ver isso agora. Tem alguma coisa errada. Aí você vem e cria uma arquitetura em que afasta as pessoas para um plano ‘x’, cria uma outra coisa em um plano ‘y’, houve um estranhamento, claro. O próprio desfile várias vezes mostrou isso, primeiro a escola tinha que rodar, nos dois primeiros anos tentaram rodar, fizeram aquela coisa da Praça da Apoteose. Alguém inventou que escola de samba rodava, não adiantou o pessoal mais antigo dizer: “Olha, escola de samba nunca rodou e não vai dar certo”. “Vai ser assim!” Por isso tenho minhas barbinhas de molho hoje com essas questões todas que estão aí. Porque não pode isso, não pode aquilo... Com todo o respeito que a gente tem por uma pessoa como o Oscar Niemeyer, por tudo o que ele fez, acho que há um equívoco naquele Sambódromo, talvez não dele, mas pela precipitação da coisa do “tem que fazer”. Era a alegação de que aquele armar e desarmar era corrupção, não sei o que, e tinha que ter uma obra de impacto... tudo bem, só que você não pode fazer uma coisa dessa da noite pro dia. Se você quer, realmente, levar em consideração toda uma história, que envolve milhares de pessoas, a vontade de milhares de pessoas, que é uma coisa complexa, você tem que consultar todo mundo: “Como é que é isso? Como é que isso começou? Passa por onde? Por que saiu de lá e veio pra cá? E por que é assim? Como é que funciona? A bateria entra em não sei onde”. “Ah, fulano me deu a informação, aí eu faço...” Não é assim! A primeira vez em que entrei no Sambódromo, pra ver, levei um susto! Quando ficou pronto, eu já não desfilava mais, mas comecei a fazer comentários em 1984, junto com Elton, e vi o desfile de vários lugares. De alguns, parece que você está vendo carrinhos de brinquedo. Aí, tem que jogar toda a alegoria para cima, senão as pessoas não vão ver nada. E, mesmo jogando... É uma coisa que não tem jeito. E esse erro crucial criou uma série de problemas depois. Porque o que que é bonito no desfile? É você ter milhares de pessoas cantando um samba em uníssono. E não tem nada a ver com as novas possibilidades técnicas, tecnológicas, nada disso... A gente desfilava e muitas vezes o carrinho que tinha que dar a partida do samba, aquela cornetinha assim, já tinha 3.000, 4.000 pessoas desfilando, o carrinho era de gasolina, não pegava, seu Natal ia ficando nervoso “como é que é?”, “não, calma, vai pegar!”, não pegava! Enguiçou, o samba não saía, aí o que a gente fazia? Ia pra trás da bateria com um pandeiro, um cavaquinho, um surdinho e ficava: tum, tum, tum, tum... “aí, gente, vai cantando!” Aí todo mundo começava a cantar o samba ali, a bateria cantava, não sei o que cantava, daqui a pouco todo mundo cantava o samba, pronto, e o samba saía. Agora o que aconteceu? Você tem milhares de pessoas. Você precisa ouvir o ritmo, esse ritmo não pode atravessar, porque atravessava muito e era natural que atravessasse, a escola muito grande, o som percorre uma distância... sempre havia esse problema. Hoje existe uma tecnologia que suaviza isso, cria uma certa unidade... Ótimo, maravilha, só que o público, o pessoal da arquibancada não estava ouvindo mais nada do que a escola estava cantando. Foram obrigados a colocar caixas de som poderosíssimas voltadas para a arquibancada, então todo mundo passou a ouvir a escola, não é? Não. Passou a ouvir a voz do puxador... E aí você vê passar uma escola e não sabe se as pessoas estão cantando ou não. Claro que elas estão se esforçando, mas isso é suplantado pelo som fortíssimo das caixas distribuídas para que todo mundo ouça na arquibancada e em toda a escola e você tem aquela sensação de que está acontecendo alguma coisa ali e não está acontecendo nada. As pessoas têm a sensação de que algo vai explodir “este ano vai acontecer algo que...” e não acontece. Nos anos 60, 70 havia uma certa ordem, a escola tinha a ala de compositores, ala das baianas, ala disso, daquilo. Os representantes das alas tinham uma certa voz, havia uma certa democracia no trato das coisas. Mas foi crescendo o fluxo de pessoas pra dentro das escolas, na medida em que elas atendiam a mais interesses. Hoje, um desfile de domingo no Carnaval atende a 1 milhão de interesses. Mais de dez anos atrás, li no jornal, um sujeito veio pra desfilar e depois ficou com raiva porque botaram ele numa escola que perdeu. Queria desfilar numa escola que ganhasse! Era um estrangeiro.

Pois é, você não acha que houve influência também da cultura branca, porque os carros alegóricos, essa coisa toda...
Claro, houve influência de tudo. As escolas não são puras, nesse sentido. O que, além de tudo, elas precisaram? De algum reconhecimento. “Olha, nós somos trabalhadores, somos gente também.” Alguns vêem como certo extremo, outros acham que era uma coisa da personalidade tão educada, tão fina, do Paulo da Portela. Acho que foi uma tática, que ele não tinha outra. “Olha, a polícia bate na gente, não pode andar com pandeiro. Pelo menos vamos fazer uma coisa: pandeiro enrolado em jornal. Vamos botar terno e gravata, todo mundo arrumado.” Era uma forma de dizer: “Peraí, também sou uma pessoa”. Não sei se isso valeu muito, mas como fato simbólico teve importância muito grande. Até pra essas pessoas se sentirem mais seguras, mais firmes. E tem o aspecto da religiosidade, não só do candomblé, dos baianos, que trouxeram muitas coisas pra cá. Ali no Estácio é que começou essa coisa do samba mesmo, porque a Portela não tinha samba. A Portela era uma bandinha de jongueiros. Que é uma outra história, tão complexa e difícil. Os jongueiros não falam a parte esotérica deles, nunca falaram. Isso também faz parte provavelmente de um sistema de defesa, contra essas coisas da polícia. O elemento branco de certa maneira se infiltrou, sim. Porque era muito comum pessoas brancas tentarem resolver seus problemas junto aos pais-de-santo e também aos cartomantes. Essa questão crucial de “o que está acontecendo comigo? Por que sou assim? De onde vim e pra onde vou?” – isso propiciou de certa maneira a aproximação. E essa aproximação permitiu que determinadas figuras, que de certa maneira viviam segregadas, tivessem acesso a certas coisas, numa relação de troca. “Olha, eu tenho isso pra te oferecer.” E o outro chega e diz “Está bem”. E aí, de certa forma: “Eu compro o teu samba”. O cara tem uma rádio e aquilo é um grande comércio pra ele, só toca se pagar, todo mundo sabe.

E há espaço pra esse resgate?
Já falei muito sobre escola de samba, às vezes fico com medo de o pessoal dizer: “Esse chato vem falar daquele negócio que já falou há trinta anos, vinte anos...”. Uma época, eu estava carregado de um sentimento de como as coisas eram difíceis pra gente. Ia fazer um show, era uma dificuldade conseguir um som – hoje tem, naquela época não tinha. Então, isso, somado a outras coisas – aquela briga do direito autoral, era tudo difícil.

E hoje ainda é?
Não. Hoje, as pessoas têm condições de gravar, você tem materiais pra fazer o que quiser. Dificuldades vai encontrar, onde eu vou as pessoas dão assim dez discos, quando eu posso ouço, mas, se for ouvir todos, não vou fazer mais nada, vem de tudo quanto é canto do país. Aí, a gente fala da democratização dos meios de comunicação – você dá concessão em troca de interesses políticos, o cara tem uma rádio e aquilo é um grande comércio pra ele, só toca se pagar, todo mundo sabe. E não se entra de cabeça nisso. Então, como a gente vai discutir cultura brasileira, a música popular principalmente, se determinados veículos não têm espaço suficiente, mesmo os grandes jornais, o cara abre o caderno de cultura... Assim não vai dar pra atender a todo mundo que faz música, que pinta, que escreve, tem que ter outros canais, e outras formas de ver. Rádio é um grande negócio, ou você acha que o sujeito vai pedir uma concessão de rádio e dizer democraticamente “gente, olha aqui, quem quiser vem tocar aqui”? Como discutir essas questões se não tentarmos enfrentar isso de alguma maneira? Hoje, a gente discute outras coisas: distribuição, aquela coisa acirrada contra as multinacionais, acho que a questão não é mais essa. A questão hoje é quem tem condição de fazer distribuição daquilo que produz. E mesmo esses grandes grupos, que estão há anos aí, mesmo esse sistema foi meio que explodido. Hoje tem mil questões: quantas lojinhas de discos você encontrava em tudo quanto era canto? Tudo isso foi fechando, fechando, e você tem agora grandes lojas especializadas, em grandes shoppings, quando na verdade o que a gente precisava era de mil boquinhas mesmo, pra não só ter mais gente empregada como ter um sistema melhor de distribuição, que um país destas dimensões não deve ser só disco, deve ser livro, tudo... É difícil, né? Mas, voltando à coisa da escola de samba, chegou um momento em que elas começaram a crescer, especialmente a partir de Xica da Silva, que foi um acontecimento – o Salgueiro já vinha de alguns anos propondo uma modificação grande na questão do visual. Arlindo Rodrigues e o Joãozinho Trinta, que era assistente dele. Foi uma mudança do comportamento, porque, se você muda o visual, muda o comportamento. E tinha uma coisa onde eles eram imbatíveis, que era o seu ritmo, a qualidade do seu samba e da sua dança, dos seus gestos. E isso foi despertando um interesse cada vez maior em torno de escolas de samba. Por uma razão que não sei explicar, houve um certo declínio nas chamadas músicas de Carnaval, as marchinhas começam a apelar um pouquinho. Saem daquele processo mais ingênuo, lírico e puro, e começam a tratar de questões que estão no dia-a-dia das pessoas, de uma maneira ainda jocosa, preconceituosa, mas que não se falava daquela forma, quer dizer, então tem uma dinâmica nisso. Ao mesmo tempo em que há um declínio das marchinhas, há um crescimento do interesse pelas escolas.

Você disse que existem inúmeros interesses...
Hoje, sim...

Diga um ou dois.
A televisão, a indústria de roupas, de instrumentos, de sapatos... Mexe com milhares de pessoas que são empregadas durantes meses pra aquele negócio sair.

Hoje,a escola de samba vende o enredo até pra Estados...
É, tem interesses assim. Elas passam a dizer: “Onde a gente vai pegar dinheiro pra montar o enredo?” Não sei como funciona isso, mas ouço o pessoal dizendo: “olha, se não tiver um esquema...”. Porque a verba dada pela Liga é insuficiente, se não tiver um esquema você não faz um Carnaval pra competir.

E o passo marcado, o que você acha?
Ah, isso é uma coisa que nem se discute mais. Quando apareceu o passo marcado, algumas vozes se levantaram – “Ó, isso aí acaba com o essencial da gente” –, as escolas com seus passistas, ou a ginga do samba. As passistas vinham sambando na ponta do pé o desfile inteiro, que naquele tempo demorava três, quatro horas. O cabeça da ala puxava a ala pra mostrar a fantasia, então tinha toda uma ginga da ala e ela ia fazendo o que chamam de evolução, que era no sentido do desfile, ela raramente vinha pra trás, só em caso excepcional, normalmente a ginga ia fazendo com que todo mundo avançasse: “Vamos pra lá!” E os especialistas, aqueles que tinham condição física, normalmente os mais jovens, se destacavam – Maria Lata D´água, que desfilava descalça e com uma lata cheia de água na cabeça, era o número dela, maravilhoso, era super aplaudida, coisa de uma beleza... O Tijolo, dançando na avenida toda na ponta do pé, uma Paula, Delegado, quer dizer, era um outro tempo, os valores eram esses e foram sendo substituídos, de certa maneira foram sendo atropelados, tudo em função de uma coisa equivocada. A gente discutiu muito isso. Mas era difícil a turma entender, porque eles entendiam pelo lado do grandioso, do monumental, do brilhante, do não sei o que, não sei o que... E o carnavalesco passou a ser a coisa mais importante.

E não o sambista...
E não o resto. Porque está tudo nivelado, cheio de chavão, bordão, que a gente já sabe, já ouviu, aquelas mesmas coisas.

Mesmo assim, este ano você vai sair?
Vou ter que sair porque o samba é de três amigos, Mauro Diniz, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Ari do Cavaco.

Você se rendeu, no final das contas, à alegria?
É, é legal. O pessoal já entendeu. Não estou mais acostumado com essa zoeira que é o desfile. No Carnaval passado fizeram uma homenagem pra mim num camarote. O Maurício. Levaram uma mesa que eu tinha feito, que tem minhas ferramentas, armaram lá, com foto de época, um pouco da minha história, foi muito bonita a homenagem. Eu queria que a batucada não fosse essa correria, que todos pudessem cantar um belo samba.Mas as pessoas, as alegorias, as fantasias, isso tudo ainda me fascina. De qualquer forma, é um espetáculo maravilhoso.

E como você vê o samba fora do Carnaval? O que você ouve?
Ouço muita coisa, recebo muito disco, tem muita coisa que não acho legal, mas de vez em quando aparecem uns caras. Zeca (Pagodinho), o pessoal do Arlindinho, o Sombrinha, ouço essa turma toda, Teresa Cristina. O pessoal do samba, né?

O pessoal do rap em São Paulo diz que o rap é perseguido hoje como o samba foi, porque “é música de preto, pobre, de favelado, mas quando toca todo mundo dança”, que é a coisa do funk também. Você vê nisso alguma conotação política?Acho que o trabalho feito pelo pessoal do funk, do rap e até alguns grupos que fazem rock, tudo isso tem um peso político. Uma das coisas mais fortes do funk é exatamente o discurso. Ele foi feito um pouco pra denunciar mesmo. Não é uma coisa panfletária, gratuita. A gente sabe que é uma coisa de realidade, que eles querem dizer: “Olha, nós somos assim e queremos dizer isto”.

E política, você acompanha? Votou no Lula? Está infeliz?
Tanta gente falando, falando, também posso dizer o que acho, não sei se vai ter algum peso. De umas eleições pra cá, comecei a não dizer em quem votei, nem querendo tomar um partido, porque comecei a pensar que a gente ultrapassou uma fase e está construindo um outro tempo, com todas as dificuldades que a gente tem, não sabendo muito bem que tempo é esse, mas a gente sabe que é um outro tempo e que vai ter que reconstruir uma série de conceitos, valores, questões ideológicas, a partir de uma práxis, uma prática que a gente está vendo aí. Não é o que a gente imaginava, esse é o meu pensamento. Dois: me fechar. Em um determinado momento, a opinião de um artista sobre isto, sobre aquilo, questões políticas, foi muito importante. Mas a partir de um certo momento acho que a gente devia tirar um pouco o time. Porque talvez não tenha tanto esse peso porque a gente vive um outro tempo. Mas não estou dizendo que um artista não tenha o direito de dizer o que quer dizer.

Fazer samba é um ato político?
Essa é outra questão delicada pra caramba. Antigamente, a gente ouvia que tudo é um ato político. Será que é mesmo? Estou sendo sincero, também não sei. Admito a minha perplexidade diante de certas coisas, e não quero falar de questões éticas, acho outro assunto muito delicado que está na ordem do dia como a coisa mais importante e não acho que seja. Tudo é importante.

Mas o que é mais importante?
Também não sei, mas acho que muitos de nós não tínhamos uma visão clara daquilo com que estávamos lidando. A intervenção no político, no social, a ação, as inúmeras participações que tivemos, todos nós brasileiros. Isso criou uma enorme expectativa que com pouco tempo a gente aprendeu que não é bem assim, não é uma coisa que possa acontecer da noite pro dia, que envolve uma série de questões. Estou dando essas voltas porque acho que não está muito claro pra grande parte da sociedade o que realmente nós queremos. Em determinado partido, seja de esquerda ou não, ter um programa e aquilo ser discutido pelos militantes e as decisões serem tomadas é uma coisa. Mas o que você tem aí não é bem isso e eu não compreendo muito bem. Existe essa questão de estar no poder e dizer: “Agora vou colocar um programa, ou as idéias que nós temos, em prática”. Pra mim não está clara essa questão de programas, nem a questão ideológica. Se você me perguntar “o que você acha?”, não acho nada, vejo um monte de gente falando um monte de coisas, você vê economistas, aí aprende até um pouquinho de economia...

O povo brasileiro agora discute se é superávit de 4,25 ou de 4,70...
No outro plano há acadêmicos, há cientistas, dizendo é isto, é aquilo. Eu estou aprendendo. Não me arvoro em dizer o que vai acontecer, não estou preparado pra isso, acho que a gente precisava rediscutir de outra forma. O país não vai parar de discutir o que está acontecendo no mundo, as pessoas vão querer cada vez mais estar informadas pra poder atuar. Estou ainda sem entender direito o que aconteceu aí, essa é que é a verdade... lembra que falei sobre essa coisa do Sambódromo? Tenho um pouco de medo disso. De que as coisas sejam colocadas, venham de onde vier, de uma forma em que a sociedade não tenha pelo menos uma idéia daquilo. Que as coisas não cheguem: “Ah, chegou um troço...”. “Ah, é? Quê que é isso?” “Ah, agora é assim!” O Sambódromo foi assim. Por isso temos problemas até hoje.

E você acha que esse é o governo mais corrupto que já houve, como alguns disseram?
Não. Por que acharia isso?

Você não vê na mídia uma insistência nesse sentido?
Sim, isso existe. Será que a mídia esta fazendo isso? Quem é a mídia? Já li articulistas assumidamente de direita dizendo que a mídia está fazendo essa confusão toda pra favorecer uma tomada de poder pela esquerda. Aliás, toda essa coisa que a gente está ouvindo dá uma certa perplexidade, até porque existe sim uma mídia muito forte contra a esquerda e existe também uma mídia de esquerda.

Você faria hoje aquela campanha contra a pirataria?
Essa é outra questão delicada. A gente precisa saber em que sociedade quer viver. Em uma sociedade em que os produtos fossem mais acessíveis às pessoas é evidente que a pirataria seria menor! Não haveria necessidade de alguém fazer isso. Mas o que se vê é que a pirataria também está muito ligada à sobrevivência de uma porção de gente. Você passa na rua – é claro que isso é uma vergonha pra todos nós – e vê que há milhares de pessoas sem condições de trabalho, vivendo como podem, correndo da polícia e não sei o que. Você não pode ser contra essas pessoas, tem que ser contra quem está gerando isso, quem mantém um sistema que permite isso.

Uma curiosidade minha: por que a água é um elemento presente em pelo menos 60 por cento das suas músicas?
Não sei explicar. Talvez porque tenha acontecido na minha vida muita coisa relacionada com água, coisas muito boas e coisas não muito boas. E acho que a água é uma energia também. Pode ser que tenha alguma coisa que ainda não percebi nessa minha relação com a água. Sou uma pessoa muito da terra. Falo muito do mar, mas raramente vou ao mar.

Então não é por causa do mar que você continua no Rio?
Não, o mar é uma coisa maravilhosa, mas se a água estiver gelada eu não entro. E quando a água está ótima a praia fica uma zona! Uma multidão!

Você não gosta de muita gente, né?
Não, muita gente pra mim é o Maracanã. Aí acho uma delícia, mas agora nem tanto, porque sai muita briga. Depois de muito tempo eu fui, o Maracanã estava dividido bem assim na parte central, do outro lado das cabines especiais, tinha um corredor e cheio de policiais no meio. Neguinho xingando o outro, ah, não dá.

E você sente a violência em geral no Rio?
Olha, a violência a gente vê em vários lugares, não só no Rio de Janeiro. Mas especialmente aqui ela se manifesta até no trânsito. E tenho um problema com trânsito, se eu ficar parado dentro de um carro mesmo ouvindo uma boa música e não anda, vai me dando aflição, preciso me controlar. Imagino uma pessoa que tenha que dirigir um ônibus todo o dia indo e vindo. Ou um taxista. Agora aqui está a febre das vans. Estou falando só da violência de trânsito. As pessoas mais conscientes sabem do risco que você corre dirigindo, você vê cada barbaridade, isso com o código mais rigoroso, de ponto em carteira, de multas, de tudo. É insuficiente. Por quê? Porque acho que as pessoas estão sobrecarregadas. Acho que uma cidade deveria ter um limite, mas não tem, ninguém controla isso. As cidades cresceram desordenadamente. E os bons administradores já encontram uma situação de tal degradação, tal desordem, e você tem aí o problema político, os interesses políticos que estão por trás de tudo isso. O grosso da população está sob esse jogo e a gente não está conseguindo desmanchar ainda. A gente imaginava que em um processo democrático essas coisas seriam colocadas em uma ampla discussão, pra ver que rumo dar a esse troço. Mas a prática, como a gente aprendeu, é uma outra história. As coisas acontecem e isso vai num crescendo, porque falta alguma coisa que não sabemos ainda o que é pra tentar parar o trem e dizer: “Vamos fazer diferente”. O chavão que ouço desde garoto é educação, saúde e mais não sei o que... a gente sabe disso. Mas o trem tinha que parar pra gente poder ordenar. A sensação que me passa é que é um trem numa velocidade espantosa, todo mundo sacolejando, um dando soco na cara do outro, tem que parar pra ver quem vai saltar, quem vai entrar. A gente fala sempre da violência das favelas. O que você podia esperar? Existe essa violência, desde os grupos armados que tomam conta do território, até as pessoas que estão submetidas àquilo porque não têm alternativa. Muitas vezes são submetidas à violência de traficantes ou à violência da polícia. Elas falam isso todo dia.

Você cantou sobre o morro, subiu muito em morro. Hoje em dia você não vai?
Não vou. A gente hoje só vai ao morro com permissão. Aumenta a violência, cresce o afastamento das pessoas. A impressão é que a gente fica com paliativos, com projetos, com ONGs – que são elementos importantes, grupos que estudam, se interessam –, mas parece que há uma desordem de tal magnitude que acaba todo mundo brigando com todo mundo. Não só isso, mas é uma luta desenfreada lá em cima pelo poder. Não só da favela, mas o poder político. Porque a gente já sabe das implicações que significa ter poder político. Outro dia estava vendo a senadora Heloísa falando pro Jô: “Ah, Jô. As tentações são muitas”. Ela se referindo a Brasília e a um político em Brasília. Se a gente não conseguir discutir isso de maneira mais objetiva, mais clara, a gente fica... as pesquisas mostram os políticos lá embaixo em termos de descrédito, a população não crê mais. “Todo mundo corrupto.” Deve ter uma forma de discutir isso que esteja acima desses interesses, senão você vai ficar alternando pessoas no poder e não vai resolver nada.

Você acha que o Brasil é um país combalido hoje?
Acho o Brasil, apesar de tudo, um país fantástico, magnífico. E o que temos de bom são as pessoas, um povo que, apesar de tudo, tem uma alegria que não vejo que seja gerada por disfarces e falsas soluções. São manifestações espontâneas do nosso povo que ajudam a segurar isso aí. E um país cheio de recursos, um dia a gente vai compreender melhor isso. Não perco a esperança. Senão, o que vou dizer pros meus filhos, pros meus netos? Às vezes, meus filhos me fazem perguntas que não sei responder. É um individualismo exacerbado, que leva ao egoísmo, a essa coisa de você achar que é o dono de tudo, que pode tudo, que não deve satisfação a ninguém. É uma desordem, uma coisa sem parâmetro, sem educação, sem nenhum princípio, sem nada. É a barbárie. E isso está sendo denunciado, é mostrado todos os dias. Só que a gente ainda não conseguiu um ponto de consenso em algumas coisas. Pra não virar um caos. É isso que imagino quando a gente fala de violência em todos os níveis. Eu não gosto, sinceramente, de falar. O meu medo é de repente a gente não estar mais chocado com nada. Talvez outros povos tenham passado por isso e a gente esteja atrasado, mas talvez tenha sido o contrário. Talvez essa banalização, se já existia no Iraque, se é o que se conta que o Saddam Hussein fazia e outros mais faziam, ela piorou, se multiplicou com a invasão do país pelo Bush. Então, apesar de a gente saber que essa violência tem outros objetivos, o medo é que a gente se acostume e o trem não pare e tudo acabe numa grande convulsão ou o mundo acabe. Porque pode acontecer até isso. Se uma onda como aquela ou outras ondas provocadas por desmatamento, se essa seca que teve na Amazônia, se essas coisas começarem a acontecer com mais freqüência, a gente não pode esperar boa coisa pela frente. Se neguinho começar a fazer mais bomba atômica ou bomba não sei de que, em algum momento uma delas será detonada. É uma coisa muito mais complicada. Sinto isso porque às vezes tento ler a opinião de pessoas e vejo que os espaços disponíveis não são muito grandes. Quando um cientista político, um médico ou alguém do meio ambiente trata de determinada questão, é a síntese de uma coisa muito complexa, você percebe que o cara está ali fazendo um esforço pra dizer: “Olha, minha opinião sobre isso é esta”. Aí você fica meio perdido. É uma função dos jornais, dos livros, dos meios de comunicação informar as pessoas. Mas eu não tenho capacidade física, intelectual, sensibilidade, o que seja, pra absorver essa quantidade de informações, essa coisa tão complexa que atinge todo mundo em todas as áreas. Eu admito que não sei nada. Todas as pessoas deveriam dizer isso. “Eu sei, na minha área, um pouquinho disso.” Me surpreendo na minha área de música, a toda hora tem informações das mais diversas, timbres diferentes, idéias, uma quantidade absurda. A gente está num momento muito bom, porque as pessoas estão se manifestando, escrevem livros e tudo. Na verdade, vivemos um outro tempo, não os anos 60, 50. Os anos 70 já foram um pouco assim, até uma parte dos anos 80, em que havia determinados parâmetros, as pessoas discutiam e tentavam pôr em prática certas idéias. Não é bem assim, mais. Tem uma coisa crescente, meio desordenada, aflorando com uma certa – não quero usar o termo liberdade, porque liberdade é uma coisa muito séria –, mas uma certa desordem. “Olha, eu também tô aqui!” Essa coisa aflorou com milhões de questões. E a gente não está sabendo ainda tratar disso direito. Não é ordenar nada, mas é criar uma pequena estrutura possível de pelo menos não estar a reboque desse troço. Essa é a questão vital nossa agora. Continuamos falando de educação, saúde, hospitais, que a verba é não sei o que, foi desviada, pô, mas é uma quantidade absurda de impostos que se paga, e os impostos estão embutidos naquilo que se compra. O cara faz uma conta e diz: “São tantos bilhões de impostos”. Muito bem, vai pagar a dívida, é uma questão complexa pra caramba, mas tem um negócio errado aí. Se você tem bilhões de dólares que somem e não vão pra atender a população, peraí. Não adianta ficar dando tiro lá em cima, a sociedade toda está pagando isso, está envolvida de alguma forma. Como é que a gente vai tratar dessas questões com esse Congresso aí? Confesso que não sei. Não proponho nada. Tenho um amigo que diz: “Tem que ter uma reforma de Estado”. O outro diz: “Tem que ter uma reforma política”. Eu não sei, aí está muito acima da minha capacidade.

Uma última pergunta: está saindo seu próximo cd? Vai nos dar esse furo?
Olha, venho conversando com algumas pessoas, não vou falar nem gravadoras, pessoas ou grupos que podem propiciar que eu faça um novo cd. Por que levei mais tempo agora? O último que gravei, o “Bêbado Samba”, foi um sucesso, muito bem recebido pela crítica, o show foi um sucesso também, uma coisa muito legal. Depois fiz o “Bêbada Chama”, que era a gravação do show, e um disco com o Toquinho e fiz uma ou outra música e tudo, mas exatamente nesse momento começou uma discussão mais acirrada sobre a pirataria. Todo mundo reclamando que houve uma queda brutal nas vendas de disco, um monte de artistas já sem gravadora, a distribuição estava confusa... o quadro era assim: o disco vai acabar. Aí eu: “Ué. E agora, o que vou fazer?” Eu que não sou de estar gravando todo ano, falei: “Deixa observar um pouquinho mais isso aí”. E continuei fazendo o meu trabalho, meus shows e tudo assim, até porque, às vezes a gente fica cansado de certas coisas, por exemplo, com o “Bêbado Samba” recebi o primeiro disco de ouro (quer dizer, ele vendeu mais de 100.000 discos na época), ótimo! Aí descobri depois, que por um erro de cálculo fui muito prejudicado com esse trabalho. Por exemplo, eu já não gravava havia algum tempo, quando anunciei que ia gravar O Globo me deu meia página! Quando gravei eles e outros jornais me deram várias páginas. Então o disco foi lançado, em novembro só que aconteceu o seguinte: fizeram uma tiragem de 50.000 cópias, e como houve grande repercussão, no começo de dezembro não tinha mais cd pra vender, e não tinha como mandar prensar mais. Hoje não é mais assim, mas naquela época até se falava que mandavam prensar na Argentina, porque aqui não estavam dando vazão. Então fui vítima desse negócio, e só descobri depois, meu disco só voltou a ser distribuído depois do Carnaval.

Mas o novo cd vai sair, então?
Olha, já tenho várias músicas prontas, estou conversando com o pessoal, porque hoje em dia o sistema é diferente, né? Hoje você grava o seu próprio disco e faz um licenciamento com alguém que queira distribuir. Nem as gravadoras antigas têm interesse em contratar mais ninguém, porque é muito mais fácil e rápido, o cara grava dentro de casa e tem ótimos estúdios com preços bons, a questão é a distribuição, continua sendo uma coisa muito difícil, mesmo porque hoje você tem milhares de pessoas fazendo discos, e essa gente precisa colocar seu disco no mercado, divulgar seu trabalho, como é que é isso? Esta é uma questão delicada, porque passa pela democratização do processo de divulgação, aí a gente teria que fazer mais uma entrevista de algumas horas!

domingo, 28 de setembro de 2008

Disco da semana: Meu Amigo Geraldo Pereira - Nadinho da Ilha


Este disco foi lançado em 2005, ano em que Geraldo Pereira completava 50 anos de sua morte. Nadinho da Ilha foi apadrinhado por Geraldo Pereira quando foi levado pelo mesmo, aos 12 anos de idade, para tocar tamborim em seu programa de rádio. O contato de Nadinho com Geraldo apurou a síncope do rapaz e o tempo foi responsável por forjar uma voz encorpada. Essa combinação explosiva pode ser conferida no disco Meu Amigo Geraldo Pereira.

O CD tem produção de Henrique Cazes, que também integra o conjunto tocando cavaquinho e violão. O grande mérito do disco é que os sambas são executados de maneira simples e bela, sem "firulas". Até o samba "Acertei no Milhar", consagrado na voz de Moreira da Silva, Nadinho consegue cantar de maneira clássica e sem invenções, porém sem imitar os trejeitos tradicionais de Kid Morengueira.

Músicas:
01 - Até Quarta-Feira (Geraldo Pereira e Jorge de Castro)/ Vai, Que Depois Eu Vou (Geraldo Pereira)
02 - Falsa Baiana(Geraldo Pereira)
03 - Ministério da Economia (Geraldo Pereira / Arnaldo Passos)
04 - Você Está Sumindo (Geraldo Pereira / Jorge de Castro)
05 - Mais Cedo ou Mais Tarde (Geraldo Pereira)
06 - Polícia no Morro (Geraldo Pereira / Arnaldo Passos) / Cabritada Mal Sucedida (Geraldo Pereira / Jorge Gebara)
07 - Acertei no Milhar (Geraldo Pereira / Wilson Batista)
08 - Escurinho (Geraldo Pereira) / Escurinha (Geraldo Pereira / Arnaldo Passos)
09 - Chegou a Bonitona (Geraldo Pereira / José Batista)
10 - Pedro do Pedregulho (Geraldo Pereira) / Bonde da Piedade (Geraldo Pereira / Ary Monteiro)
11 - Minha Companheira (Geraldo Pereira)
12 - Liberta Meu Coração (Geraldo Pereira / José Batista)
13 - Ai, Mãezinha (Geraldo Pereira / Ary Monteiro)
14 - Abaixo de Deus (Geraldo Pereira / Elpídio Vianna)

Baixe esse disco no Um Que Tenha.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Gisa Nogueira na roda!


Depois de mais de 20 anos sem se apresentar em São Paulo, Gisa Nogueira, estará na roda de samba mensal do Projeto Anhanguera. Compositora e irmã do grande João Nogueira, Gisa vai acompanhar os Inimigos do Batente nesta sexta-feira.

Não apenas São Paulo que não via uma apresentação de Gisa. Nos últimos anos, ela vinha se dedicando às artes plásticas e à carreira de professora. Por isso, vê-la em ação é uma oportunidade indispensável.
Clube Anhangüera
Rua dos Italianos nº1261 – Bom Retiro – São Paulo - SP
A partir de 19h (roda de choro)
Ingressos: R$ 10,00 + 1 Kg de alimento não perecível ou agasalho
Como chegar: Marginal Tietê (sentido Penha), passando a Ponte da Casa Verde, terceira rua à direita, primeira à esquerda e novamente primeira à esquerda.

Ausência Justificável

Ontem o Vermute com Amendoim não teve post. Pudera. Seus membros passaram a tarde definindo novos caminhos a serem trilhados. Explico. Agora fazemos parte de um grupo de blogs, uma espécie de rede cultural.

Foi criado o Grupo Manivela, que abrigará, além de outros blogs, eventos culturais. O primeiro destes, é o Fel Rock Fest III. O nome parece egocêntrico demais, mas não seria assim se a primeira edição não tivesse sido na minha casa.

Trata-se de uma pequena cena que criamos para bandas independentes tocarem. Desta vez o evento será no dia 17, na Av. Nove de Julho, 210, no Hotel Cambridge.

Quem estiver disposto, basta desembolsar 12 pratas. Quem estiver receoso, dá um pulo no site do grupo e confira o que vai rolar.
Abraços e boa música,

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Homenagem a Caymmi no Municipal - SP

Para quem ainda não sabe o que fazer no fim de semana aí vai uma boa dica. O cantor Danilo Caymmi, junto com Cláudio Nucci prestará uma homenagem ao pai no Teatro Municipal de São Paulo.

O espetáculo faz parte do projeto "Matinê no Municipal". Entre o repertório, haverá clássicos como "Você já foi à Bahia?" e "O que é que a baiana tem", música que ficou imortalizada na voz de Carmen Miranda.

O melhor, é que o preço fica entre R$ 5,00 a R$ 10,00. Dá para levar toda a família.

Danilo Caymmi e Cláudio Nucci
Quando: sábado (27), às 16h
Onde: Teatro Municipal de São Paulo (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, Centro, São Paulo; tel. 0/xx/11/3397-0327; livre)
Quanto: R$ 5 a R$ 10

Retirado da Ilustrada.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Samba e cerveja

Lançada em 1889, a cerveja Caracu é daquelas que ama-se ou odeia-se. Stout, leia-se escura e encorpada, chegou ao Brasil pelas mãos de Major Pinho. Foi ele que fundou, em Rio Claro (SP), a Cervejaria Caracu, fábrica da primeira Stout da América Latina.

O touro escolhido para ser o emblema da bebida remetia ao seu principal fator de marketing: a vitalidade que ela proporcionava. Por tempos, a cerveja chegou a ser indicada a mulheres grávidas. Sem falar na sua popular versão: com um amendoim ou ovo de codorna!

Além das tradicionais combinações, foram criadas outras deliciosas misturas, como Caracu com açaí, paçoca, aveia, leite condensado, canela, açúcar e ovo de pata. Aí vai do gosto de cada um.

O comercial, com um sambinha de breque, foi às telas da tevê em 1980. Sempre com a mesma idéia de que a cerveja dava pique! Veja só:




domingo, 21 de setembro de 2008

Disco da semana: Sonho de um Sambista - Nelson Sargento


Até 1978, Nelson Sargento já havia participado da gravação de diversos discos, precisamente oito. Somente no ano seguinte é que Nelson iria gravar o seu primeiro disco solo. A obra, que foi intitulada de "Sonho de um Sambista", conta com os grandes sucessos do sambista como o samba enredo "Primavera" composto em parceria com Jamelão e Alfredo Português e o clássico "Agoniza, Mas Não Morre".

Além de sambas carregados de poesia, Nelson também é mestre em fazer músicas com um toque de humor. É o caso de "Falso Amor Sincero" que diz:

O nosso amor é tão bonito
Ela finge que me ama
E eu finjo que acredito

O nosso falso amor é tão sincero
Isso me faz bem feliz
Ela faz tudo que eu quero
Eu faço tudo o que ela diz

Aqueles que se amam de verdade
Invejam a nossa felicidade


Uma curiosidade: quem comanda o surdo no disco é Oscar Bigode, primo de Paulinho da Viola e o responsável por levá-lo à Portela.

Músicas:
1-Triângulo amoroso (Nelson Sargento)
2-Falso moralista (Nelson Sargento)
3-Agoniza mas não morre (Nelson Sargento)
4-A noite se repete (Nelson Sargento)
5-Muito tempo depois (Nelson Sargento)
6-Minha vez de sorrir (Batista da Mangueira - Nelson Sargento)
7-Sonho de um sambista (Nelson Sargento)
8-Infra estrutura (Nelson Sargento)
9-Primavera (Alfredo Português - Jamelão - Nelson Sargento)
10-Por Deus por favor (Nelson Sargento)
11-Falso amor sincero (Nelson Sargento)
12-Lei do cão (Nelson Sargento)

Baixe esse disco no Cápsula da Cultura.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O dia em que Cartola e Elton foram desafiados

Em um dia de 1961, Renato Agostini (um dos "investidores" do Zicartola), foi até a rua dos Andradas acompanhado da mulher e encontrou apenas Elton e Cartola. Um batucando e o outro com o violão em mãos. Há pouco mais de duas horas Elton chegara da Secretaria de Economia do Rio de Janeiro, onde trabalhava. Ficou batendo papo com o amigo que rapidamente lhe propôs: "Vamos fazer um samba?"

Elton jamais recusaria um pedido desses, ainda mais vindo de quem veio. "O Cartola diz pra mim para fazer um samba é quase uma ordem", brinca. Quando Renato chegou, os dois estavam cantarolando para não esquecer. O samba se chamava Castelo de Pedrarias e tinha uma letra imensa.

Animados com o resultado, os dois viraram para Renato e disseram : "Que bom que você chegou! Acabamos de compor um samba". O amigo ouviu a música pacientemente e ao terminar resolveu propor um desafio: "Vocês não fizeram nada agora. Se vocês são sambistas, quero ver fazer um samba na minha frente!".

Os dois toparam o desafio e Cartola saiu na frente: "A sorrir...". Em mais ou menos quarenta minutos estava pronto O Sol Voltará. O Samba foi gravado três anos depois por Nara Leão no seu LP chamado Nara. A música mudou seu nome para O Sol Nascerá e se tornou o maior sucesso da dupla Elton Medeiros e Cartola.



A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidadePerdida
Fim da tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade
Hei de ter outro alguém para amar

Já o Castelo de Pedrarias acabou sendo esquecido. Elton lembra apenas dos últimos versos, por sinal bastante cartolianos. "Sonhaste com um castelo de iguarias. Iguarias que jamais terias".

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Dica: O Príncipe no Ensaio

Ainda dá tempo de avisar. O Príncipe do Samba (apelido dado pelo Ministro, Paulinho da Viola), Roberto Silva estará nesta quarta-feira no programa Ensaio da TV Cultura. Comandado por Fernando Faro, o programa vai ao ar às 22h10.


Em abril deste ano, Roberto Silva completou 70 anos de carreira. Evidentemente o programa irá abarcar histórias de desde 1938, quando ele era intérprete de valsas e samba-canções. Ele também lembrará casos de quando trabalhou nas rádios mais importantes do país, como a Rádio Nacional, Mauá e Mayrink Veiga.

Dentro do repertório a ser cantado estão as músicas Você está sumindo, Aos pés da cruz, Se acaso você chegasse e Pisei num despacho. Um programa deste porte é imperdível!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O camarada Laurindo que existiu

Uma técnica impecável. Típica de uma formação clássica que, aliás, foi o que direcionou seu trabalho durante toda sua carreira. Dedilhou seu violão em cassinos e em cruzeiros. Agradou aos ouvidos brasileiros, mas seguramente fez mais sucesso fora daqui. Laurindo Almeida foi um raro violonista. Classicamente popular.

Nasceu em São Paulo, no dia 2 de setembro de 1917. Tinha um nome de botar respeito: Laurindo José de Araújo Almeida Nóbrega Neto. Não é pra qualquer um. Também não era para qualquer um ser amigo de Garoto, trabalhar com Carmem Miranda, Pixinguinha, Villa Lobos, Radamés Gnatalli...

No seu currículo também estão diversas premiações importantíssimas, como os dois Oscar que ganhou fazendo trilha sonora, um deles o The Magic Pear Tree, de 1968. Aliás, trilha sonora era com ele mesmo. Foram mais de 800!




Laurindo morreu em julho de 1995 e desde então pouco se fala nele. Uma pena. Ao contrário dos sambas que falam de um Laurindo herói que jamais existiu, este fez história. Mas para a grande maioria dos brasileiros (nem todos!), ficou no passado.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cortaram o nosso Barato

Ontem tive conhecimento de uma notícia que me deixou bastante preocupado. O blog Som Barato está fora do ar desde o dia 9 deste mês! Há algum tempo o blog já havia sofrido represálias por parte da gravadora Biscoito Fino, que exigiu que se retirassem todos os links relacionados a discos do seu catálogo. O motivo do apagamento do espaço é que o Google recebeu denúncias de abuso de direitos autorais. O Som Barato deixa os amantes da boa música órfãos de cerca de 2 mil discos, entre raridades e lançamentos.

Intepreto essa atitude como um tiro no pé das gravadoras, uma ação desesperada, e as conseqüencias virão a cavalo. Ou alguém duvída que essa censura não servirá de estímulo para o surgimento de inúmeros blogs com o mesmo propósito? O primeiro deles chama-se Sem Barato. Ele não tem o objetivo de disponibilizar música, mas já é uma primeira resposta a uma indústria que insiste em dar murro em ponta de faca.

domingo, 14 de setembro de 2008

Disco da semana: A Voz do Samba 1 - Jamelão


Talvez Jamelão seja o único sambista que seja unanimidade, tanto entre os mais radicais quanto entre os menos. Um fato que contribuiu para esta grande aceitação, foi que ele interpretou até quando pôde os sambas enredo da Mangueira.

O disco desta semana é o primeiro de uma coleção de três e traz justamente esse lado do cantor. Entretanto não há somente sambas da verde-e-rosa. Jamelão também empresta sua voz a escolas como Portela, Salgueiro e Império Serrano.

Músicas:
1. Apoteose ao Samba (Silas de Oliveira / Mano Décio)
2. Casa Grande e Senzala (Zagaia / Comprido / Leleco)
3. Macunaíma (David Corrêa / Norival Reis)
4. Quatro Séculos de Paixão (Arroz /Grauna)
5. Cântico à Natureza (Jamelão / Nelson Sargento / Alfredo Português)
6. Dona Bêja-Feiticeira de Araxá (Aurinho da Ilha)
7. O Grande Presidente (Padeirinho)
8. Rio Antigo (Hélio Turco / Cícero dos Santos / Pelado da Mangueira)
9. Zaquia Jorge, a Estrela do Subúrbio, Vedete de Madureira (Alvarense)
10. Rio Grande do Sul na Festa do Preto Fôrro (Nilo Mendes / Dario Marciano)
11. No Reino da Mãe de Ouro (Tolito / Rubens da Mangueira)
12. Terra de Caruaru (Sidney da Conceição / Corvina)
13. Festa do Círio de Nazaré (Dario Marciano / Aderbal Moreira / Nilo Mendes)
14. Mangueira em Tempo de Folclore (Jajá / Preto Rico / Manoel)

Baixe esse disco no Um Que Tenha.

Cristina Buarque e Terreiro Grande no SESC Pinheiros (SP)


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Entrevista com Cartola

Achei essa entrevista na internet. Não consegui identificar quem é o intrevistador, porém vale a pena ler. O documento se encontra no site da PUC-Rio.


Como é que um camarada que estudou somente até o quarto ano primário é capaz de escrever músicas e letras tão sofisticadas? Esta foi uma das perguntas que mais ouvi durante a minha militância na música popular brasileira. Realmente, Cartola - o Divino Cartola, como o chamava Lúcio Rangel- era, de fato, uma pessoa surpreendente. Foi também uma das pessoas mais elegantes que conheci ele e Paulinho da Viola formam a dupla mais elegante das minhas relações pessoais). Cartola era, literalmente, um homem chique.

Nascido no Catete, a 11 de outubro de 1908, mudou-se para Laranjeiras aos oito anos de idade e, aos 11, já vivia com a família num barraco do Morro da Mangueira. Exerceu várias profissões, até que, em fins da década de 20, seus sambas foram descobertos pelos cantores. Em pouco tempo, Cartola era considerado um dos mais importantes compositores da geração que levaria para a cidade o chamado samba de morro. Depois, por razões sentimentais, abandonou a música popular e o Morro da Mangueira. Já no final da década de 40, falava-se dele como figura do passado, apesar de só em 1948 ( quando, aliás, foi um dos autores do samba-enredo da sua escola) ter chegado aos 40 anos. No samba Onde estão os tamborins, de 1947, o compositor Pedro Caetano lembrava que "antigamente havia grande escola/ Lindos sambas do Cartola". Em outro samba, da mesma época, Herivelto Martins dizia: "Tenho saudade do terreiro da escola/ Sou do tempo de Cartola/ Velha guarda, o que é que há".

Quando trabalhava como vigia de um prédio em Ipanema, lavando carros, em 1953, foi redescoberto por Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e, aos poucos, foi acertando a vida. Em 1963, inaugurou o restaurante e casa de samba Zicartola, que marcou época pelos sambas do dono da casa, pela comida da sua mulher Zica e pela presença no palco do que havia de melhor na música popular brasileira. Aos 66 anos de idade, gravou o seu primeiro long-play e, depois, mais quatro discos. Morreu de câncer no dia 30 de novembro de 1980.

Esta entrevista foi feita em 1974, às oito horas da manhã, regada a conhaque e cerveja, as bebidas preferidas de Cartola, nós dois sentados em torno de uma mesa de uma mesa de uma tendinha do Buraco Quente, onde, invariavelmente, o compositor comparecia àquela hora para beber conhaque e cerveja. Mas não se espante o leitor com a hora ( "tão prematura", como dizia Tom Jobim quando lhe ofereciam uma bebida pela manhã): Cartola acordava sempre às quatro da madrugada, fosse qual fosse a hora que dormisse. De maneira que, às oito da manhã, o seu dia já ia longe. À tarde, porém, que ninguém o procurasse, porque estava dormindo.

Fui seu amigo, fiz inúmeros shows com ele e atuei como produtor dos seus discos. São coisas que me fazem mais feliz por ter vivido.

Quando você foi descoberto pelo pessoal de fora do Morro da Mangueira?
CARTOLA- Foi em 1931, quando Mário Reis veio aqui no morro. Ele chegou com um rapaz chamado Clóvis, guarda municipal, que havia dito a ele que era meu primo, coisa e tal. Clóvis subiu pra falar comigo, mas o Mário ficou lá embaixo.

O que eles queriam?
CARTOLA- Clóvis veio me dizer que Mário queria comprar um samba meu. Eu disse pro Clóvis que não ia vender coisa nenhuma, que aquilo era coisa de maluco, que o Mário devia ser doido. Comprar um samba pra quê ? Clóvis me disse: "Ah, vende que ele vai fazer uma gravação". Mas não estava disposto a vender nada. Clóvis tanto insistiu que fui ao encontro do Mário. Cheguei lá, cantei o samba que Mário já conhecia, pois devia ter ouvido em algum lugar, e ele me perguntou quanto eu queria pela música. Eu disse que não sabia o preço. Aí, cochichei no ouvido do Clóvis: "Vou pedir 50 mil-réis". Ele me disse: "Que nada! Pede 500 que ele dá". Mas eu não acreditava: "Espera aí. O homem não é maluco pra me dar 500 mil-réis por um samba". Aí, pedi 300 e ele me deu.

Mário Reis gravou a música?
CARTOLA- Não. Quem gravou foi Chico Alves.

Qual foi o samba?
CARTOLA- Que infeliz sorte. (Cartola se enganou quanto ao ano em que ocorreu o seu encontro com Mário Reis. Foi bem antes de 1931, pois a gravação de Que infeliz sorte, com Francisco Alves, foi lançada em dezembro de 1929 pela Odeon.)


Depois desta entrevista, num jantar em homenagem ao crítico e historiador Lúcio Rangel, que fazia 60 anos, informei ao cantor Mário Reis, sentado ao meu lado, que Cartola estaca chegando. "Quem? O mestre Cartola?", espantou-se o cantor. Levantou-se e, espalhafatosamente - apesar de discretíssimo para cantar -, saudou Cartola assim:
- Mestre Cartola! Há 35 anos tenho uma notícia para lhe dar: sabe aquele samba que lhe comprei por 300 mil-réis? Só me rendeu 250 mil-réis!

Foi a partir daí que você ficou conhecido, não foi?
CARTOLA- Depois de Que infeliz sorte, gravei logo a seguir Não faz amor, vendido ao Francisco Alves.

Por quanto?
CARTOLA- O mesmo preço: 300mil-réis. Depois, vendi ao Francisco Alves Tenho um novo amor, mas quem gravou foi Carmen Miranda. Depois, vendi Divina Dama. Comecei a fazer negócios. Um em cima do outro.

Divina Dama foi vendido também a Francisco Alves?
CARTOLA- Vendi tudo a Francisco Alves. Só que Que infeliz sorte que foi para Mário Reis. Vendi também Diz qual foi o mal que eu te fiz.

Apesar de ter vendido tudo isso, os sambas apareciam sempre com seu nome. Por quê?
CARTOLA- É que vendia os direitos do disco. Por isso, meu nome era sempre mantido.

E aquela história confusa do samba Na floresta, como é que foi?
CARTOLA- Foi o seguinte: Buci Moreira tinha um samba que o Chico gostava da letra, mas não gostava da música. E a música do meu samba na floresta se encaixava direitinho na letra do Buci. Ele então comprou a minha música para botar na letra do samba do Buci, que se chamava Foi um sonho. Era assim: "Foi um sonho/ Que te amei/ E risonho/ Te abracei". Isto era do Buci, não me lembro do resto. Em cima daquela letra , ele botou a música do meu "Na floresta/ Dei-te um ninho/ E mostrei o bom caminho". Aí, minha letra ficou jogada fora. Sílvio Caldas conhecia a letra e um dia resolveu botar uma música. E gravou. Chico saltou, quis interditar o disco, coisa e tal. Mas Sílvio convenceu Chico de que ele só tinha comprado a melodia: "Você deixou a letra de lado e o Cartola precisa ganhar dinheiro, pô!" O Chico resolveu deixar pra lá. No ano passado, fui ver o show do Sílvio Caldas no Canecão e, quando ele me viu, falou: "Cartola é meu parceiro", e fez aquela festa. (Outro esquecimento de Cartola, que acabou passando o samba inteiro para Francisco Alves, não se sabendo se o cantor pagou ou não também pela letra. Tenho, em meu arquivo de música popular, um documento- reproduzido neste livro- nos seguintes termos: "Declaro que transferi ao Sr. Francisco Alves todos os meus direitos sobre a parte que me cabe na parceria que tenho com Sílvio Caldas no samba denominado Na floresta, podendo fazer com o mesmo o uso que mais lhe convier. Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1933, (assinado) Agenor de Oliveira".)

E depois, você continuou gravando?
CARTOLA- Bem, depois, parei um pouco. Mas gravei com Gilberto Alves aquele samba Sim, que Elisete Cardoso gravou depois. Fiz algumas outras gravações.

Villa-Lobos gostava muito de você. Como foi que vocês se conheceram?
CARTOLA- Foi numa festa, nunca me lembro onde. Ele fez fé com a minha cara: "Este pretinho aí vai longe." Foi por intermédio dele que fiz aquela gravação com Leopoldo Stokowsky. Foi Villa-Lobos quem me apontou. Ele me levou também para cantar no Fluminense e me levou prum filme.

Que filme era esse?
CARTOLA- Não chegou a sair. Era um filme do governo. E toda jogada que ele tinha mandava me chamar. Qualquer coisa, "manda buscar o Cartola". Eu também gostava muito dele. Foi ele quem reuniu o pessoal da música popular brasileira para aquela gravação feita pelo Stokowsky.
(O filme a que Cartola se refere é Descobrimento do Brasil, de 1937, com direção de Humberto Mauro, música de Villa-Lobos e patrocínio do Instituto de Cacau da Bahia. As filmagens foram feitas nos estúdios da Cinédia, no Rio de Janeiro.)

Você já ouviu a gravação do Stokowsky?
CARTOLA- Ouvi uma vez na casa do Lúcio Rangel. A gravação foi feita no navio. Uruguai, que estava ancorado, se não me engano, no Armazém 4. Foi a minha primeira gravação cantando. (A gravação dirigida pelo maestro Leopoldo Stokowsky, em 1940, foi lançada em disco nos Estados Unidos pela Columbia. Durante muitos anos, constituiu-se numa raridade fonográfica. Em 1987, o Museu Villa-Lobos lançou um long-play com a reprodução das gravações originais. Figuram no disco Cartola, Zé Espinguela, Zé Com Fome, um coro de pastoras da Mangueira, Pixinguinha, Donga e vários outros músicos e cantores).

Naquele tempo, qual era a sua profissão? Você vivia de quê?
CARTOLA- Quando eu queria trabalhar, trabalhava em obras. Mas, antes de trabalhar em obras, fui gráfico.

Onde você trabalhou?
CARTOLA- Comecei numa tipografia pequena, na Rua Mem de Sá. Chamava-se O Norte. Antes, eu tinha feito um teste no Jornal do Brasil, mas eu era muito pequeno, não tinha idade. Eu era margeador. Fui elogiado, coisa e tal, mas não pude trabalhar no Jornal do Brasil por causa da idade. Depois, trabalhei numa porção de tipografias por aí. Mas acabei me metendo em obras.

Houve uma época da sua vida que você andou sumido. Nem em Mangueira você aparecia. O que houve?
CARTOLA- É, andei doente depois que perdi minha primeira mulher e acabei me metendo num negócio aí que nem vale a pena comentar. Acabei jogado fora uns seis ou sete anos. Não fiz nenhuma trapalhada, não. Foi um troço que aconteceu comigo e que pode acontecer com qualquer um. Eu mesmo é que me escondia de todo mundo. Mas acabei me metendo em obras. (Após a morte de Deolinda, sua primeira mulher, Cartola encontrou um novo amor e mudou-se para Nilópolis e, depois, para uma favela no Caju. Durante esse período, teve meningite.)

Mas, depois, Sérgio Porto o encontrou lavando carros.
CARTOLA- É verdade. Tomava conta, à noite, de um edifício e, durante o dia, lavava os carros dos moradores. Sérgio porto me descobriu assim. O próprio Sérgio me arranjou trabalhos; até na Rádio Mayrink Veiga eu fui cantar. Deixei de lavar carro e fui levantando a vida outra vez.

Você também trabalhou no Diário Carioca?
CARTOLA- O Jota Efegê me levou para lá. Trabalhei um ano e pouco, mas o dinheiro era difícil, você sabe.

Por que a sua família veio para a Mangueira?
CARTOLA- Por causa da situação financeira. Meu avô morreu e minha avó estava muito doente. Meu pai, carpinteiro de profissão, ganhava uma mixaria. Com uma porção de filhos, teve de largar a casa de Laranjeiras, onde o aluguel era alto, para viver num barraco de Mangueira, onde a gente pagava uns cinco mil-réis de aluguel.

A Mangueira ainda era bem pequena naquela época?
CARTOLA- Havia só uns 50 barracões.

Como eram as relações da Mangueira com o pessoal do Estácio?
CARTOLA- A gente desfilava nos domingos de carnaval na Praça Onze e, às segundas-feiras, o pessoal do Estácio vinha para o morro. Na Terça-feira, a Mangueira ia ao Estácio. A amizade era muito. O Estácio era escola mais velha, não devemos discutir isso. Tínhamos, assim, um certo respeito pelo Estácio. Mesmo fora do carnaval, o pessoal do Estácio vinha para o morro cantar samba em qualquer dia da semana. Tínhamos respeito a eles como os mestres do samba. Houve até uma vez que fiz um samba em homenagem ao pessoal do Estácio que visitava a Mangueira.

Você era amigo de Noel Rosa, não era?
CARTOLA- Ele dormiu várias vezes em minha casa em Mangueira. Me lembro até de uma gravação de um disco que a gente ensaiou na minha casa, porque o conjunto que acompanhou a gravação era daqui do morro mesmo. Ele tomava umas coisinhas e ficava lá por casa. Dormia, almoçava, jantava, ia ficando.

Você se lembra de que música era a gravação?
CARTOLA- Não me lembro... espera aí... o Ciro Monteiro também estava no coro... a Odete Amaral...Almirante. Não me lembro da música , não.

Vocês dois fizeram músicas juntos?
CARTOLA- Diz qual foi o mal que te fiz. Ele botou Segunda parte, o Chico gravou, mas Noel não quis entrar na parceria: "Deixa para lá, o samba é do Cartola."

Você foi um dos primeiros caras de escolas de samba a se apresentar aí por fora.
CARTOLA- Eu, Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres. Nós fomos para São Paulo.

Houve até uma confusão com o Paulo porque a Portela não o deixou desfilar.
CARTOLA- Fizemos o Grupo Carioca e nossa fantasia era preta e branca. Na viagem, combinamos que os três desfilaríamos em nossas escolas. Era Sábado de carnaval e não dava tempo para fazer as nossas fantasias daquele ano, pois o desfile era Domingo. Quando veio a Mangueira, entramos com aquela roupa e não teve bronca. Veio a escola do Heitor dos Prazeres, lá de Bento Ribeiro, e entramos também. Quando chegou a Portela, botaram nós três para fora. Foi o Manuel Bambambã que expulsou a gente. Ele disse que de preto e branco não dava. Só de azul e branco, que eram as cores da Portela. (Naquele ano, a portela desfilou na frente das outras. Portanto, quando Manuel Bambambã impediu que saíssem na portela, já haviam desfilado nas outras escolas)

Você também se apresentou no Cassino Atlântico?
CARTOLA- Foi um grupo daqui de Mangueira. Está quase todo mundo morto. Júlio, Agenor, Ataliba. Neuma, que era uma menina naquela época, também estava no grupo. A irmã dela, a moçada toda organizada por mim. Quem me arranjou isso foi Sílvio Caldas.

Sílvio sempre foi seu amigo.
CARTOLA- Muita gente não sabe de uma coisa: o primeiro surdo que a Mangueira teve quem deu foi Sílvio Caldas.

Surdo? Quer dizer que a Mangueira não tinha surdo?
CARTOLA- no início, não. Quem tinha surdo era o pessoal do Estácio. Aí, Sílvio Caldas deu um surdo à Mangueira.

Vocês ganhavam muito dinheiro naquelas apresentações?
CARTOLA- Não, a gente ganhava uns trocadinhos. Era como hoje. Atualmente, quem ganha dinheiro é Roberto Carlos. Se pedir milhões, ganha milhões. A gente, não. A gente ganha um trocadinho mesmo.

E aquele programa do Paulo Roberto, A Voz do Morro?
CARTOLA- Era na Rádio Cruzeiro do Sul, todas as terças-feiras. Em cada primeiro programa do mês, eu e Paulo da Portela apresentávamos um samba novo para o ouvinte batizar, dar o nome. Quem desse o melhor nome ganhava um prêmio. Mas eu e Paulo só estivemos no programa uns três meses.

Ah, Cartola! Me fala desse Zé Espinguela. Esse cara aparece sempre nas histórias relacionadas com as origens das escolas de samba. Ele morava aqui em Mangueira?
CARTOLA- Não, ele tinha uma amante aqui no morro. Era casado, mas tinha uma amante aqui. Esse negócio de concurso de samba quem inventou foi ele. Era macumbeiro e fazia todos os anos na casa dele, no Engenho de Dentro, uma festa no dia de São Sebastião. Misturava roda de samba com macumba, tinha comida, tinha bebida, aquela coisa toda. Então, ele inventou um negócio que era o seguinte: fazer um samba. Ele dizia assim: "Quero um samba com a palavra tal." Eu fiz o samba, Paulo da Portela fez, Heitor dos Prazeres, o falecido Agenor... Daí, ele inventou um concurso na Praça Onze.

Afinal, Cartola, seu nome é Angenor ou Agenor de Oliveira?
CARTOLA- É Angenor.

Mas isso você descobriu há pouco tempo.
CARTOLA- Descobri quando ia casar com Zica (em 1964). Comecei a tirar os documentos e foi aí que vi que estava tudo errado. Tirei a certidão e o nome estava lá: Angenor. Aliás, só vi uma pessoa com este nome. Vi, não. Foi num jornal da televisão que apareceu o nome do diretor de um hospital no Acre. O camarada também se chama Angenor. Puxa vida, até que enfim arranjei um xará.

E como vai seu pai, Cartola?
CARTOLA- Vai bem. Em outubro, vai fazer 90 anos.

Ele ainda bebe?
CARTOLA- Às vezes. Quando vem aqui toma uma cervejinha, uma cachacinha, mas bebe pouco. Não puxou ao filho. Olha só: são oito horas da manhã e a gente está bebendo conhaque e cerveja.

Quem te ensinou a tocar violão?
CARTOLA- aprendi sozinho. Meu pai tocava e eu ficava olhando pros dedos dele. Quando ele saía para trabalhar, eu pegava o violão e repetia o que ele estava fazendo. Quando saí de casa, já arranhava um pouco. Passei para o cavaquinho, mas depois fiquei com o violão.

Você anda afastado da Estação Primeira. O que é que há?
CARTOLA- Não é nada demais. É que eu sinto apenas que o samba que se faz atualmente não é o samba do tempo que eu fazia para a escola.

Mas houve uma vez que você se afastou mesmo.
CARTOLA- pois é. Foi durante aqueles sete anos que andei jogado fora. Foi naquela época que fiz aquele samba que mostrava meu amor pela escola e deixava a meninada fazer samba em meu lugar:
(Por sinal, uma das obras-primas de Cartola.)
Todo o tempo que eu viver
Só me fascina você, Mangueira
Guerreei na juventude
Fiz por você o que pude, Mangueira
Continuam nossas lutas
Podam-se os galhos, colhem-se as frutas
E outra vez se semeia
E no fim deste labor
Surge outro compositor
Com o mesmo sangue na veia

O seu parceiro preferido é Carlos Cachaça, não é?
CARTOLA- É, foi com ele que escrevi mais sambas. Já tive vários parceiros, mas o Carlos, não sei, tudo com ele dava certo.

Você é bom improvisador em matéria de samba?
CARTOLA- Não. Improviso, mas não sou forte. Aliás, só conheço um cara que é muito forte no improviso. Sabe quem é? O Aniceto, do Império Serrano. Aquele camarada é forte. Até hoje, não vi ninguém mais forte do que ele.

A barra por aqui era pesada antigamente? Aquele negócio do samba do Herivelto Martins: "Sou do tempo que o malandro não descia/ Mas a polícia no morro também não subia". Era verdade mesmo?
CARTOLA- Era de fato muito perigoso.

E você era respeitado?
CARTOLA- Graças a Deus. Você sabe, me criei no meio dos valentes, fazendo minha modinha devagar e sempre. Devagar e sempre, sem sair disso: "Sim, senhor; não, senhor." Nunca ninguém me fez mal aqui. Você deve saber daquele caso meu com o falecido Marcelino, o Maçu, não sabe? Namorei a mulher dele e não aconteceu nada.

Além do filme que Villa-Lobos arranjou e do Ganga Zumba, você fez mais algum?
CARTOLA- Fiz um pouco do Orfeu do Carnaval e fiz Os Marginais. O meu papel era de dedo-duro. Entregava todo mundo à polícia e acabaram me matando aqui no morro mesmo. No Orfeu, eu e Zica fomos os padrinhos de casamento do Orfeu com aquela menina. Além de ator, fui também roupeiro do filme. Tomava conta das fantasias e Zica fazia comida para eles.

Você está com Zica há quantos anos?
CARTOLA- Bem, nosso casamento foi em 1964, mas ficamos muito tempo juntos, fazendo aquela experiência para ver se dava certo. Sempre fui muito cabreiro com mulher. Pra me agarrar, tem de saber.

O título do samba Divina dama foi inspirado no filme ou o filme veio depois?
CARTOLA- Me inspirei no filme, sim. Não posso negar.

Além de Noel Rosa, você teve algum parceiro fora do morro?
CARTOLA- tive o Raul Marques. Mas não entrei na parceria. Ele vendeu o samba pro falecido Baiaco sem Segunda parte e eu botei.

Que samba era esse?
CARTOLA- Um samba muito antigo: "Amor que não morreu/ E como custou pra revelar/ É verdade/ Nasceu nos braços meus/ Surgiu a nossa amizade/ Mudou/ Depois sumiu". Aí , botei a Segunda parte: "Depois, sumiu como some a infância..."

...que verso fantástico!
CARTOLA- "...Sem me deixar um rastro de esperança / às vezes quem dá gargalhada / Cai nos braços do outro / Criticando quem ficou louco". Fiz parceria com Baiaco também, fiz várias parcerias por aí. Agora, tenho um parceirinho novo muito bom, o Dalmo Castelo. Ele tem uma lojinha de modas em Ipanema, uma butique. Muito bom sujeito, muito educado, gostei muito dele.

Você estudou?
CARTOLA- Até o quarto ano primário. Comecei na Escola Rodrigues Alves e terminei na Escola Aliança, em Laranjeiras. Era uma vila grande, onde moravam os operários da Fábrica Aliança. Nos fundos, era a escola. O Rancho era ali também.

Você nunca foi muito bom em matéria de dança do samba, não é verdade?
CARTOLA- De vez em quando, eu gostava de dar os meus passinhos. Mas gostava de ver os outros. Meu negócio sempre foi cantar.
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