segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Roda de samba na linha de frente

Roda de Samba - Heitor dos Prazeres



A grande maioria das pessoas certamente já foi a algum show de samba, se bom ou ruim não interessa no momento. Talvez alguns deles até se auto-intitulassem como uma roda de samba por uma questão de promover o espetáculo, ou por desconhecimento do que vem a ser uma legítima roda de samba.

A roda de samba surgiu na Praça Onze, quando a Tia Ciata abriu as portas de sua casa para que o batuque fosse feito em seu quintal regado a muita bebida e comida, já que no início o ritmo era discriminado pela polícia e pela sociedade da época. Durante algum tempo a roda de samba e a escola de samba dividiam em determinadas ocasiões o mesmo espaço. Pelo menos é o que diz Elton Medeiros no programa Ensaio, que participou ao lado de Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento. No programa ele diz que antigamente o ensaio das escolas de samba era uma festa onde se armava uma roda e o samba era propagado sem a ajuda de aparelhagem, ou seja se o samba fosse bom rapidamente ele era aceito pela comunidade.

Isso tudo se perdeu na década de 60 quando foi instituída a chamada "ditadura do samba-enredo". Então, os sambistas e os sambas de terreiro junto com as rodas migraram para casas como o Zicartola e surgiram espetáculos como o Rosa de Ouro. "Não é a toa que João Nogueira se afasta da Portela ao ser impedido de cantar um samba de meio de ano na quadra. Na ditadura das escolas, a partir de meados dos anos 60, só entra samba-enredo", diz o jornalista e historiador Roberto M. Moura.

Ainda segundo o jornalista, havia algumas regras a serem seguidas: "Como em qualquer prática social semelhante, a roda também tem uma espécie de regulamento interno: não se pode ousar manejar um instrumento sem competência, falar mais alto do que o som quem vem da roda (um papo discreto, no canto, mesmo uma paquera, nenhum problema), interromper quem está puxando o samba e, pecado venial quando o sujeito está se aproximando, mas suportável quando ele já pertence ao grupo, puxar um samba e esquecer a letra pela metade".

A partir do momento em que a roda sobe em um palco ela deixa de ser roda para virar espetáculo, pois ela perde o caráter de espontaneidade e diversão que a roda propõe, salvo raras exceções. Talvez a roda seja a responsável pela sobrevivência do samba, uma vez que ela nunca deixou de ocorrer, seja nos fundos de quintais da vida ou na porta dos botecos diversos espalhados pelo país, tornando-se a principal arma na resistência do samba no Brasil.

Inspirado no artigo "A roda por princípio" de Bruno Ribeiro publicado em 30 de março de 2005 e no livro A Suprema Elegância do Samba, de 2005. Editado por Pontes Editores


No Princípio, Era a Roda --- Roberto M. Moura

A Suprema Elegância do Samba: Notas Sobre Campinas --- Bruno Ribeiro

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Fala Mangueira

Há alguns anos atrás nas minhas andanças pela internet eu me deparei com o documentário Fala Mangueira, como faz tempo que não o vejo por aí resolvi repostá-lo. Participam do filme: Dona Neuma, o então menino Martinho da Vila, o inteirissímo Padeirinho, Carlos Cachaça em uma entrevista ao jornalista Sérgio Cabral, idealizador do filme. Além disso é possível conferir algumas imagens do funeral do mestre Cartola que faleceu em 1980 vítima de um câncer, dos ensaios da Mangueira, da Rainha Quelé Clementina de Jesus e, é claro, da não menos importante comunidade do morro de Mangueira. A narração do vídeo fica por conta de Grande Otelo.

O documentário é datado do ano de 1982, tem 50 minutos e quem o assina é Frederico Confalonieri, como foi digitalizado por um norueguês contém uma legenda um tanto quanto estranha ao nossos olhos.


Trecho do documentário Fala Mangueira


Baixe aqui o documentário Fala Mangueira (1982) completo

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Passado e presente de glória

Ultimamente tenho escutado dois discos em especial:

Portela, Passado de Glória - Velha Guarda da Portela (1970)


Esse disco é indispensável e obrigatório na "estante" de quem é apreciador do bom samba. Com produção de Paulinho da Viola, e com o velho César Faria no violão, Casquinha comandando o surdo e Jair do Cavaquinho no instrumento que lhe dá o nome. Além de outros bambas que acompanham o coro como: Alberto Lonato, Alcides (o Malandro Histórico da Portela), Aniceto da Portela, Antônio Caetano, Armando Santos, Chico Santana, João da Gente, Manacéa, Mijinha, Ventura, Vicentina da Portela e tantos outros. Ou seja, não tinha como sair uma coisa que não fosse genial.

Portela, Passado de Glória - Velha Guarda da Portela (1970)



Teresa Cristina e Grupo Semente - Delicada (2007)

A primeira vez que ouvi o trabalho da Teresa foi em um show que ocorreu no ano passado e no qual iam se apresentar Nelson Sargento, Nei Lopes e Teresa Cristina. Ela foi a primeira a cantar e confesso que na época não chamou muito a minha atenção, porém recentemente tive contato com seu mais recente cd e tive uma grata surpresa. Não é genial como o da Velha Guarda, mas é um belo disco.


Teresa Cristina e Grupo Semente - Delicada (2007)

domingo, 11 de novembro de 2007

São Pixinguinha

"Só quem morre dentro de uma igreja
Vira Orixá, louvado seja Senhor
Meu santo Pixinguinha"
(Moacyr Luz / Paulo César Pinheiro)

Alfredo da Rocha Vianna Jr., ganhou o apelido Pixinguinha de uma junção de duas palavras. Pizidim, que significa "pequeno bom" e Bixiguinha, referente a uma doença (varíola) contraída que ocasionou marcas em seu rosto.

Pixinguinha era o típico sujeito boa-praça. Diz a história que certa vez voltando de uma apresentação, foi abordado por três ladrões que, ao reconhecê-lo, desistiram do assalto. Feliz pelo ocorrido, Pixinguinha convidou os assaltantes para uma cerveja que durou a noite inteira e foi paga com o dinheiro recebido pela aprensentação na noite anterior. No final ele ainda disse: "Querem algum para a passagem?".

Como diz a letra de Moacyr Luz e PCP, Pixinguinha morreu dentro de uma igreja, vítima de um infarto fulminante no dia 17 de fevereiro de 1973 quando tinha ido batizar o filho de um amigo, que já tinha adiado várias vezes em função do seu estado de saúde debilitado. Ao saber da notícia da morte do mestre do choro, segundo Moacyr Luz, a Banda de Ipanema, que saía pelas ruas na época do carnaval, passou a tocar continuamente o que talvez seja seu maior sucesso: o choro Carinhoso. No dia 23 de abril, aniversário de Pixinguinha, é comemorado o dia nacional do choro.


Pixinguinha com Altamiro Carrilho e Garoto --- Carinhoso



Som de Prata --- Moacyr Luz

Memórias Musicais - CD 9 - Pixinguinha - Vol. 2 (2002)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Vermute entrevista Ricardo Van Steen

Ricardo Van Steen não é cineasta de formação, mas já dirigiu dois filmes sobre Noel Rosa. O primeiro deles, em 1996 é um curta de 18 minutos sobre Noel de Medeiros Rosa, chamado “Com que roupa?”. Mas sua segunda obra sobre o compositor carioca é que está agradando mais o público, o longa “Noel, o Poeta da Vila”, agora exibido no circuito comercial de cinema.

Sem ter certeza de que a obra é perfeita, Ricardo não vê problemas em aceitar críticas, como o fato de que o próprio Noel, interpretado por Rafael Raposo, pouco canta suas músicas. Mesmo assim Van Steen colocou a cara ao tapa e tem se saído muito bem na sua primeira experiência com longa-metragem.

O diretor recebeu a equipe do Vermute com Amendoim em uma entrevista exclusiva e esclareceu mais do filme para quem já viu e para quem ainda pretende ver. Confira:


Vermute com Amendoim: A idéia de fazer o filme sobre Noel veio da biografia feita pelo João Máximo. O que mais te interessou na vida de Noel Rosa?
Ricardo Van Steen: Achei que foi mais do que tudo a vida de sambista, o ambiente do samba, o tipo de conversa, tipo de ritmo que a vida tem, sem muito batente, sem muito bater cartão. Ao mesmo tempo é trabalho como qualquer outro deste que o cara rala pra cacete também.

VA: Em 1996 você filmou um curta, chamado “Com que roupa?”. O que mudou de um filme para o outro?
RVS: Ah, mudaram dez anos de vida e dez anos de reflexão, dez anos de aprendizado, de Noel e de cinema. O mundo mudou completamente nesses dez anos. No cinema em que a gente ia quando eu comecei a fazer o “Com que roupa?”... Nem sei se você viu os filmes que eu já vi... “Touro Indomável”. Mudou demais o cinema nesses dez anos.

VA: No seu primeiro longa você teve que sintetizar 26 anos de Noel em uma hora e meia. Quais as principais dificuldades? (Foram 10 anos de gravações, com problemas de dinheiro)
RVS: A gente ficou com os sete anos finais, mesmo assim... A dificuldade é aprender fazendo, eu acho que essa é a dificuldade. Então você não sabe nada e tem que aprender errando, erra e aí acerta, erra e acerta, erra então demora. E você tem que aprender tudo, pois é uma indústria que tem 500 mil particularidades desde a hora de arrumar dinheiro até a hora de se apresentar, a hora de exibir as suas idéias, a hora de desenvolver o trabalho, prestar contas, é um aprendizado todo dia. E aí vou falar, é claro, da dramaturgia, contar uma história. Tem tanta coisa pra decidir a todo momento, é uma superescola. Então se eu tivesse feito faculdade eu teria aprendido um monte de coisas que teriam me facilitado nas decisões, mas dificilmente eu teria tanta experiência técnica como eu tive fazendo o outro caminho. Então acaba que é apenas o rio que faz as suas margens. É isso aí, cada um é um, e o tempo é o tempo que precisa pra ficar pronto.

VA: Como foi o treinamento do Rafael para entrar na personagem? Quais quesitos vc exigiu dele?
RVS: Ele fez mais de uma dúzia de cursos, desde a questão postural, da boca né...

VA: Ele usou uma prótese, né?
RVS: A boca que tem uma prótese. Chegou um dia antes da filmagem sem treinamento sem nada, pra desandar tudo o que ele aprendeu em dois meses. Ele perdeu de novo a dicção, perdeu a afinação...A hora em que botaram aquele plástico dentro da boca dele, travou geral. Mas foi bom pro filme. Ele ficou meio doidão, meio desestruturado e foi interessante.

VA: Apesar de o Rafael estar muito bem na pele de Noel, são poucas as vezes que se vê ele cantando. Em seu lugar, Aracy de Almeida ou Francisco Alves é que interpretam mais. Por quê?
RVS: Eu me filiei à história, o Noel interpretava quase que só pra rádio mesmo, quer dizer, só quando não dava para ter um cantor. Daí ele ia lá e cantava. É claro que, como ele tinha um posição de líder na rádio, na medida que ele organizava a vida de todo mundo, preparava as gravações, os programas, ele ajudava a todos...Todo mundo queria ele cantando. Era o Noel, era o jeito dele e tal, mas ele não era um cara que queria cantar tanto assim. Ele era um compositor, um ótimo instrumentista. Apesar de que para os superexigentes, parece que o irmão era melhor.


VA: A síncope da música de Noel, que revolucionou o caminho do samba, não se esconde quando Francisco Alves aparece mais?
RVS: É, é engraçado que eu li isso na sua matéria... Por que você não faz essa pergunta para o Filipe [Luis Filipe de Lima – Diretor Musical]? Acho que essa é boa pra ele, porque eu sou um reles diretor. Eu não chego aí. Hoje, depois de pronto e na tela eu sei do que você está falando. Mas eu cheguei a entender de tanto ficar dentro do estúdio, ouvindo e entendendo um pouco do que você está falando. Pra falar em síncope o cara precisa ser músico. Mas eu te entendo, acho que o filme tem um andar na linha em excesso, sem passear no ritmo. Isso mostra que tem que ter um equilíbrio da história emocional dele com a história musical. Espero que no próximo filme eu consiga ir tão adiante em todos os aspectos, até nessa questão. Porque isso é uma arapuca do destino, porque na medida em que você vai enxugando, enxugando os personagens pra caber em uma história menor, você acaba optando por aquele que mais cantou Noel, mas que não necessariamente reverberou o que o Noel trazia de novo em termos de síncope. Mas se tinha alguém que cantava Noel nessa época era esse cara. Ele deu vazão à metade da produção do Baixinho.

VA: No filme, você optou por algumas cenas diferente do que se vê no cinema brasileiro, como uma em que o teto é filmado, ou quando o personagem não fica totalmente enquadrado. O que o levou a escolher isso?
RVS: Acho que essas imagens representam as dúvidas, as incertezas, os questionamentos dele. Cada vez que aparece uma desta, você pode ter certezaa que ele está em um momento de indecisão ou indefinição. Ou ele está totalmente indefinido na suas idéias do que fazer ou ele tem que decidir naquele momento. Aquela parede pra ele quer dizer ou ele decide, toma um rumo ou ele não vai chegar lá.

VA: Durante as filmagens, algum fato engraçado aconteceu? Algo que você não esperava?
RVS: Tem pouco disso, viu? É porque a nossa pobreza não permite. Você já está tão estrangulado no tempo para conseguir fazer tudo o que você já tinha pensado que não tem como aceitar o improviso ou o inesperado. É muito raro. Mas tem: aquela cena dele no banheiro passando mal, que ele vai pra festa vomita e...Aquilo não existia no roteiro. A gente foi filmar em uma locação na delegacia e de repente eu visitando o banheiro e tinha aquele banheiro incrível dos anos 30. Aí a gente falou: ‘Que roupa que o Noel tá? Ah, é a mesma da festa. Então vomita aí’ E ficou muito bom, mas foi a única coisa que se improvisou, praticamente.

VA: Você acredita que o filme possa de certa forma catequizar os ouvidos do público, já acostumados com o pagode?
RVS: O que eu queria é que soubessem alguma coisa sobre o Noel, porém que ainda venha outros filmes pra falar de síncope, de malandragem, mas de outra forma, com mais isso e menos aquilo...Porque é um cara que merece 10 filmes. É que nem Macbeth, merece ser refilmado a vida toda.

VA: Pretende filmar alguma outra história do samba? Tem outros projetos?
RVS: Já, você já ouviu falar no Vassourinha? Então estamos investigando essa seara...

VA:Você tem alguma canção preferida de Noel?
RVS: Olha, dentro das que eu tenho ouvido na trilha é “Mais um samba popular”. Não sei se você teve chance de prestar atenção nela, porque é a primeira música dos letreiros e normalmente as pessoas estão batendo palma nessa hora. É a que eu estou curtindo.
Créditos das fotos do filme: Alexandre Ermel

sábado, 3 de novembro de 2007

Noel para todos

Rio de Janeiro, 1929. Cenário que reuniu Mário Reis, Cartola, Aracy de Almeida, Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Wilson Batista, Francisco Alves e outros grandes nomes do samba e de morros consagrados no verso: “Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira, Osvaldo Cruz e Matriz...”.

Verso que pertence ao samba de 1935, intitulado “Palpite Infeliz” e composto por um dos maiores sambistas de toda a história da música brasileira: Noel de Medeiros Rosa, personagem que teve o filme “Noel, o Poeta da Vila” estreado no circuito comercial. Depois de 10 anos sendo feito, o filme de Ricardo Van Steen teve sua primeira exibição na 30ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo.

Com um bom resumo do que foi a vida de Noel, o filme consegue agradar quem conhece detalhes da vida do poeta de Vila Isabel ou quem apenas ouviu a famosa música “Com que roupa?”, composta em 1929, e que começou a mudar os rumos do samba. Isso porque, as informações do filme, retiradas da mais completa biografia do sambista (Noel, uma biografia de João Máximo e Carlos Didier) aparecem a todo tempo.

Não só no que é explícito, como a história do compositor, a freqüente venda de sambas e os exageros com bebida e cigarro de Noel, mas também em detalhes, como no momento em que o ator Rafael Raposo vai beber sopa e o faz tal qual um glutão (explicado pelo fato de que Noel tinha dificuldades para comer por conta do problema no seu queixo). Outro importante detalhe é a relação de amizade entre Noel e Aracy de Almeida, que acabou sendo sua principal intérprete.

As músicas escolhidas também são bem significativas. Desde com “Com que roupa”, o primeiro grande sucesso de Noel Rosa cantando sem o Bando de Tangarás ( grupo com o qual fazia apresentações sem cobrar por cachê) até o “Último desejo”, canção composta à beira da morte para seu grande amor Ceci (muito bem feita por Camila Pitanga).

Com figurino de época, e objetos que mostram como era a década de 20, o filme só peca em um detalhe. Deixa de lado a síncope da música de Noel, que mudou o conceito de se cantar samba. Em lugar da forma que o Poeta cantava, atrasando uma sílaba ou à revelia da melodia, que acompanha a voz causando uma sensação totalmente nova na época.

As interpretações empoladas de Chico Alves e a bela voz da jovem “Araca” são mais valorizadas e raramente se vê Noel cantando. As poucas vezes são no embate musical entre Noel e Wilson Batista, que rendeu uma seqüência de belos sambas.

Mesmo assim o filme vale, pela história, pela bela cena de sexo entre Noel e Ceci, pelo samba que se sai da sala cantando e as cervejas que dá vontade de tomar, ouvindo, é claro o Poeta de Vila Isabel.

Revivendo Noel Rosa Coisas Nossas (1995)

Veja o Trailer do filme

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