quarta-feira, 16 de abril de 2008

Os traços primitivos de Sargento

Ele não tinha a menor pretensão de ser pintor. Ou pelo menos pintor de telas. Pintava sim, algumas paredes por aí, no tradicional esquema brocha e Suvinil. E foi um acidente em um desses trabalhos que Nelson Mattos (mais conhecido como Nelson Sargento) estava realizando, que nasceu a idéia embrionária de ser arriscar as tintas na tela.

Em uma entrevista para a jornalista Regina Quintanilha, Sargento revelou como foi o acontecido:

“Aconteceu por acaso. Eu estava pintando paredes, estava emassando uma parede e a massa caiu. Eu não sei porque, fiquei com raiva e comecei a passar aquela massa em cima de uma tábua de caixote.

Quando secou, a massa espalhada formava um desenho. Eu tive um desejo e pensei: vou pintar. E pintei uma pintura qualquer.

Estava trabalhando perto da casa do Sérgio Cabral, onde de vez em quando eu ia filar um almoço, ‘fantasiado de pintor’.

Mostrei a ele e disse:
- Sérgio fiz isso aí.
E ele me estimulou:
- Faz mais que está bom”.


Sérgio Cabral não só deu o primeiro empurrão na carreira “pintor” de Nelson Sargento. Foi no aniversário de Sérgio em 1974, na sua casa, que ocorreu a primeira vernissage do sambista. Nelson já tinha sete quadros e vendeu tudo.

"O primeiro comprador foi o Paulinho da Viola. Luiz Roberto, do conjunto Os Cariocas, Sérgio Cabral e a museóloga e pesquisadora da música popular, Lígia Santos, também compraram".

Com um estilo “primitivo”, sem perspectiva, a beleza dos quadros de Nelson está no jogo de cores (geralmente quentes) e na simplicidade com que são retratados os morros e os anônimos que fazem o samba das favelas. E nada de muito tempo em cima de cada tela. Nelson revela conseguir pintar 10 quadros em 40 dias, nada mal.

Seus quadros já foram mostrados e vendidos em dezenas de exposições e os caminhos que tomaram são em certo ponto curiosos: um deles foi parar no gabinete do presidente da Coréia do Sul.

Suas pinceladas já lhe renderam diversos elogios ao longo do tempo. Um deles feito pelo jornalista e crítico musical Tárik de Souza: “Nelson Sargento é um pintor de palavras, poeta dos sons. Contemplem estes versos: "O nosso amor é tão bonito / Ela finge que me ama e eu finjo que acredito." Vejam suas pinceladas primitivas de nítida musicalidade. Mangueirense cobra criada, ele trouxe do morro a combinação de tintas que fazem dançar o olho sob a cadência da bateria bem afiada. Os tons verde e rosa, em sua associação dissidente autorizam este pintor de ofício, a ousar mais que permite a estética da torre de marfim. Nelson recolhe o que vê discrepante ou harmônico no trajeto entre Belford Roxo e Nova Ipanema. Essas constantes viagens entre países, épocas e costumes diferentes, todas no mesmo São Sebastião do Rio de Janeiro, conferem ao pintor as possibilidades do Universo. Uma fartura nas desigualdades afinadas no fino pincel. Esse diretor de harmonia das imagens e sons cariocas abre alas nas paredes exatas de uma exposição. É uma possibilidade de ouvir e ver confluindo a pintura sonora de um mestre de escola do samba e da cor”.


Mas o próprio Nelson se ausenta da responsabilidade pelas suas crias: “Se alguém não gostar das minhas telas pode culpar o Sérgio Cabral, que a culpa é dele”, ao mesmo tempo explica, “a favela é cruel socialmente, mas, pelo aspecto da beleza, ela é bonita”.

Veja aqui mais obras de Nelson Sargento

Sabia que Heitor dos Prazeres também pintou o samba? Confira

Se você também já arriscou os pincéis para registrar o samba, mande suas obras para vermutecomamendoim@gmail.com

5 comentários:

Anônimo disse...

sinceramente vermute, esses quadros são bons, na opinião dos colunistas?

Murilo Mendes disse...

Eu gosto dos quadros, principalmente os do Heitor dos Prazeres.

Unknown disse...

Eu tenho aquele primeiro quadro do Nelson! Está na entrada da sala, com muito orgulho! O "problema" é que ele só tem três ou quatro tipos de desenhos, né? ;-)

Fel Mendes disse...

Eu gosto dos quadros do Nelson sim. Claro que sua técnica é simples, sem muito requinte, mas a simplicidade ajuda a transmitir muito da vida do autor...

Anônimo disse...

grrrrr... eu também quero pintar!

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