sexta-feira, 7 de março de 2008

Nas ondas de 1936, o samba atravessa o Atlântico

Muito antes de Duquesa de Kent visitar o Brasil, na década de 50, e esbanjar os ouvidos com os acordes portelenses, o samba atravessou o Atlântico para chegar aos ouvidos de uma nação acostumada a uma tonalidade musical completamente diferente da do couro do pandeiro.

Em 29 de janeiro de 1936, a Hora do Brasil irradiou para a Alemanha um programa de uma hora sobre a Mangueira. Narrado por Rudolph Kleinoscheq, as fortes consoantes se misturavam a sambas de Cartola, Maciste Carioca, Gradim.

Na época em que o presidente Getúlio Vargas flertava com os ideais nazistas, e no mesmo ano em que Adolf Hitler assinaria um pacto com Benito Mussolini, canções feitas e tocadas por negros invadiam as residências germânicas. O programa teve patrocínio do Departamento Nacional de Propaganda e passou pelas mãos de Ilka Labarthe, diretora de publicidade do DNP.

Às 18h45 a transmissão foi iniciada com a leitura da crônica “Reportagem de Carnaval”, de Henrique Pongetti, seguida do samba “Liberdade”, composto por Cartola e Arlindo dos Santos. A primeira parta terminou com o samba “Pérolas para teu colar”, de Cartola e Maciste.

A segunda parte contou com a leitura da crônica de Rubem Gill, intitulada “Musa no terreiro”, seguida de “Dama Abandonada”, de Cartola, “O destino não quis”, de Carlos Cachaça e Cartola, e “Me deixa chorar”, samba de Lauro Santos.

Não Quero Mais Amar a Ninguém (Cartola / Carlos Cachaça / Zé da Zilda) --- Carlos Cachaça


Embora o fato tenha sido histórico, não se pode medir o resultado final. É o que contou o jornalista e pesquisador Sérgio Cabral: “Não sabemos como os sambas da Estação Primeira foram recebidos entre os alemães, porém, é certo que os mangueirenses devem ter aumentado sua auto-estima com o evento que projetava internacionalmente a sua imagem, tanto que daquele episódio retiraram o enredo para 1937”. O enredo foi intitulado de "Cinco Continentes", de Gradim e conquistou o carnaval daquele ano

No Brasil, a repercussão acabou tomando tons de política. Em fevereiro de 1936 o comunista Carlos Lacerda escreveu um artigo na Tribuna Popular, relacionando do samba com a disputa marxista de classes.

Confira o texto na íntegra:

“Arte não é invenção. É criação a que se atinge depois de um processo emotivo e sensorial. Essa emoção, essa sensação só se encontram onde está a vida. E a vida só existe onde os homens lutam, sofrem, amam, gozam e vivem. Eis por que a música nasce do povo, nas suas manifestações mais diretas, como que iniciais. A dança nasce do trabalho. A origem das danças está nas cerimônias propiciatórias, da fermentação da terra e da perpetuação da espécie. A música não é enfeite da vida. É necessidade, quase conseqüência da vida.

O samba nasce do povo e deve ficar com ele. O samba elegante das festanças oficiais é deformado: sofre as deformações na passagem de música dos pobres para divertimento dos ricos. O samba tem de ser admirado onde ele nasce, e não depois de roubado aos seus criadores e transformado em salada musical para dar lucros aos industriais da música popular.

O samba é música de classe. O lirismo da raça negra vive nele. Uma estupenda poesia surge dele. A força criadora da classe que vai transformar o mundo brota nele aos borbotões na improvisação, na cadência, no ritmo. É preciso defender o samba contra as concepções de seus deformadores, que preferem mostrá-lo como curiosidade exótica. O samba não é exótico. É humano. É uma expressão de arte viva. Defenda-se o samba. Defenda-se o sambista. Quando os oprimidos vencerem os opressores, o samba terá o lugar que merece”.

*Não me altere o samba tanto assim

A música "O Destino Não Quis", com o tempo, foi modificada na letra e no título. Uma segunda parte feita por Zé da Zilda apareceu e se consagrou na voz de Aracy de Almeida. O novo título "Não Quero Mais" saiu sem o nome de Cartola e com o nome de Carlos Cachaça escrito errado.

Mais uma mudança na década de 70. Com o título de "Não Quero Mais Amar a Ninguém", Paulinho da Viola cantou o samba, dessa vez com o crédito a Cartola.

Saiba mais sobre o samba fora do Brasil

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