sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Entrevista com Cartola

Achei essa entrevista na internet. Não consegui identificar quem é o intrevistador, porém vale a pena ler. O documento se encontra no site da PUC-Rio.


Como é que um camarada que estudou somente até o quarto ano primário é capaz de escrever músicas e letras tão sofisticadas? Esta foi uma das perguntas que mais ouvi durante a minha militância na música popular brasileira. Realmente, Cartola - o Divino Cartola, como o chamava Lúcio Rangel- era, de fato, uma pessoa surpreendente. Foi também uma das pessoas mais elegantes que conheci ele e Paulinho da Viola formam a dupla mais elegante das minhas relações pessoais). Cartola era, literalmente, um homem chique.

Nascido no Catete, a 11 de outubro de 1908, mudou-se para Laranjeiras aos oito anos de idade e, aos 11, já vivia com a família num barraco do Morro da Mangueira. Exerceu várias profissões, até que, em fins da década de 20, seus sambas foram descobertos pelos cantores. Em pouco tempo, Cartola era considerado um dos mais importantes compositores da geração que levaria para a cidade o chamado samba de morro. Depois, por razões sentimentais, abandonou a música popular e o Morro da Mangueira. Já no final da década de 40, falava-se dele como figura do passado, apesar de só em 1948 ( quando, aliás, foi um dos autores do samba-enredo da sua escola) ter chegado aos 40 anos. No samba Onde estão os tamborins, de 1947, o compositor Pedro Caetano lembrava que "antigamente havia grande escola/ Lindos sambas do Cartola". Em outro samba, da mesma época, Herivelto Martins dizia: "Tenho saudade do terreiro da escola/ Sou do tempo de Cartola/ Velha guarda, o que é que há".

Quando trabalhava como vigia de um prédio em Ipanema, lavando carros, em 1953, foi redescoberto por Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e, aos poucos, foi acertando a vida. Em 1963, inaugurou o restaurante e casa de samba Zicartola, que marcou época pelos sambas do dono da casa, pela comida da sua mulher Zica e pela presença no palco do que havia de melhor na música popular brasileira. Aos 66 anos de idade, gravou o seu primeiro long-play e, depois, mais quatro discos. Morreu de câncer no dia 30 de novembro de 1980.

Esta entrevista foi feita em 1974, às oito horas da manhã, regada a conhaque e cerveja, as bebidas preferidas de Cartola, nós dois sentados em torno de uma mesa de uma mesa de uma tendinha do Buraco Quente, onde, invariavelmente, o compositor comparecia àquela hora para beber conhaque e cerveja. Mas não se espante o leitor com a hora ( "tão prematura", como dizia Tom Jobim quando lhe ofereciam uma bebida pela manhã): Cartola acordava sempre às quatro da madrugada, fosse qual fosse a hora que dormisse. De maneira que, às oito da manhã, o seu dia já ia longe. À tarde, porém, que ninguém o procurasse, porque estava dormindo.

Fui seu amigo, fiz inúmeros shows com ele e atuei como produtor dos seus discos. São coisas que me fazem mais feliz por ter vivido.

Quando você foi descoberto pelo pessoal de fora do Morro da Mangueira?
CARTOLA- Foi em 1931, quando Mário Reis veio aqui no morro. Ele chegou com um rapaz chamado Clóvis, guarda municipal, que havia dito a ele que era meu primo, coisa e tal. Clóvis subiu pra falar comigo, mas o Mário ficou lá embaixo.

O que eles queriam?
CARTOLA- Clóvis veio me dizer que Mário queria comprar um samba meu. Eu disse pro Clóvis que não ia vender coisa nenhuma, que aquilo era coisa de maluco, que o Mário devia ser doido. Comprar um samba pra quê ? Clóvis me disse: "Ah, vende que ele vai fazer uma gravação". Mas não estava disposto a vender nada. Clóvis tanto insistiu que fui ao encontro do Mário. Cheguei lá, cantei o samba que Mário já conhecia, pois devia ter ouvido em algum lugar, e ele me perguntou quanto eu queria pela música. Eu disse que não sabia o preço. Aí, cochichei no ouvido do Clóvis: "Vou pedir 50 mil-réis". Ele me disse: "Que nada! Pede 500 que ele dá". Mas eu não acreditava: "Espera aí. O homem não é maluco pra me dar 500 mil-réis por um samba". Aí, pedi 300 e ele me deu.

Mário Reis gravou a música?
CARTOLA- Não. Quem gravou foi Chico Alves.

Qual foi o samba?
CARTOLA- Que infeliz sorte. (Cartola se enganou quanto ao ano em que ocorreu o seu encontro com Mário Reis. Foi bem antes de 1931, pois a gravação de Que infeliz sorte, com Francisco Alves, foi lançada em dezembro de 1929 pela Odeon.)


Depois desta entrevista, num jantar em homenagem ao crítico e historiador Lúcio Rangel, que fazia 60 anos, informei ao cantor Mário Reis, sentado ao meu lado, que Cartola estaca chegando. "Quem? O mestre Cartola?", espantou-se o cantor. Levantou-se e, espalhafatosamente - apesar de discretíssimo para cantar -, saudou Cartola assim:
- Mestre Cartola! Há 35 anos tenho uma notícia para lhe dar: sabe aquele samba que lhe comprei por 300 mil-réis? Só me rendeu 250 mil-réis!

Foi a partir daí que você ficou conhecido, não foi?
CARTOLA- Depois de Que infeliz sorte, gravei logo a seguir Não faz amor, vendido ao Francisco Alves.

Por quanto?
CARTOLA- O mesmo preço: 300mil-réis. Depois, vendi ao Francisco Alves Tenho um novo amor, mas quem gravou foi Carmen Miranda. Depois, vendi Divina Dama. Comecei a fazer negócios. Um em cima do outro.

Divina Dama foi vendido também a Francisco Alves?
CARTOLA- Vendi tudo a Francisco Alves. Só que Que infeliz sorte que foi para Mário Reis. Vendi também Diz qual foi o mal que eu te fiz.

Apesar de ter vendido tudo isso, os sambas apareciam sempre com seu nome. Por quê?
CARTOLA- É que vendia os direitos do disco. Por isso, meu nome era sempre mantido.

E aquela história confusa do samba Na floresta, como é que foi?
CARTOLA- Foi o seguinte: Buci Moreira tinha um samba que o Chico gostava da letra, mas não gostava da música. E a música do meu samba na floresta se encaixava direitinho na letra do Buci. Ele então comprou a minha música para botar na letra do samba do Buci, que se chamava Foi um sonho. Era assim: "Foi um sonho/ Que te amei/ E risonho/ Te abracei". Isto era do Buci, não me lembro do resto. Em cima daquela letra , ele botou a música do meu "Na floresta/ Dei-te um ninho/ E mostrei o bom caminho". Aí, minha letra ficou jogada fora. Sílvio Caldas conhecia a letra e um dia resolveu botar uma música. E gravou. Chico saltou, quis interditar o disco, coisa e tal. Mas Sílvio convenceu Chico de que ele só tinha comprado a melodia: "Você deixou a letra de lado e o Cartola precisa ganhar dinheiro, pô!" O Chico resolveu deixar pra lá. No ano passado, fui ver o show do Sílvio Caldas no Canecão e, quando ele me viu, falou: "Cartola é meu parceiro", e fez aquela festa. (Outro esquecimento de Cartola, que acabou passando o samba inteiro para Francisco Alves, não se sabendo se o cantor pagou ou não também pela letra. Tenho, em meu arquivo de música popular, um documento- reproduzido neste livro- nos seguintes termos: "Declaro que transferi ao Sr. Francisco Alves todos os meus direitos sobre a parte que me cabe na parceria que tenho com Sílvio Caldas no samba denominado Na floresta, podendo fazer com o mesmo o uso que mais lhe convier. Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1933, (assinado) Agenor de Oliveira".)

E depois, você continuou gravando?
CARTOLA- Bem, depois, parei um pouco. Mas gravei com Gilberto Alves aquele samba Sim, que Elisete Cardoso gravou depois. Fiz algumas outras gravações.

Villa-Lobos gostava muito de você. Como foi que vocês se conheceram?
CARTOLA- Foi numa festa, nunca me lembro onde. Ele fez fé com a minha cara: "Este pretinho aí vai longe." Foi por intermédio dele que fiz aquela gravação com Leopoldo Stokowsky. Foi Villa-Lobos quem me apontou. Ele me levou também para cantar no Fluminense e me levou prum filme.

Que filme era esse?
CARTOLA- Não chegou a sair. Era um filme do governo. E toda jogada que ele tinha mandava me chamar. Qualquer coisa, "manda buscar o Cartola". Eu também gostava muito dele. Foi ele quem reuniu o pessoal da música popular brasileira para aquela gravação feita pelo Stokowsky.
(O filme a que Cartola se refere é Descobrimento do Brasil, de 1937, com direção de Humberto Mauro, música de Villa-Lobos e patrocínio do Instituto de Cacau da Bahia. As filmagens foram feitas nos estúdios da Cinédia, no Rio de Janeiro.)

Você já ouviu a gravação do Stokowsky?
CARTOLA- Ouvi uma vez na casa do Lúcio Rangel. A gravação foi feita no navio. Uruguai, que estava ancorado, se não me engano, no Armazém 4. Foi a minha primeira gravação cantando. (A gravação dirigida pelo maestro Leopoldo Stokowsky, em 1940, foi lançada em disco nos Estados Unidos pela Columbia. Durante muitos anos, constituiu-se numa raridade fonográfica. Em 1987, o Museu Villa-Lobos lançou um long-play com a reprodução das gravações originais. Figuram no disco Cartola, Zé Espinguela, Zé Com Fome, um coro de pastoras da Mangueira, Pixinguinha, Donga e vários outros músicos e cantores).

Naquele tempo, qual era a sua profissão? Você vivia de quê?
CARTOLA- Quando eu queria trabalhar, trabalhava em obras. Mas, antes de trabalhar em obras, fui gráfico.

Onde você trabalhou?
CARTOLA- Comecei numa tipografia pequena, na Rua Mem de Sá. Chamava-se O Norte. Antes, eu tinha feito um teste no Jornal do Brasil, mas eu era muito pequeno, não tinha idade. Eu era margeador. Fui elogiado, coisa e tal, mas não pude trabalhar no Jornal do Brasil por causa da idade. Depois, trabalhei numa porção de tipografias por aí. Mas acabei me metendo em obras.

Houve uma época da sua vida que você andou sumido. Nem em Mangueira você aparecia. O que houve?
CARTOLA- É, andei doente depois que perdi minha primeira mulher e acabei me metendo num negócio aí que nem vale a pena comentar. Acabei jogado fora uns seis ou sete anos. Não fiz nenhuma trapalhada, não. Foi um troço que aconteceu comigo e que pode acontecer com qualquer um. Eu mesmo é que me escondia de todo mundo. Mas acabei me metendo em obras. (Após a morte de Deolinda, sua primeira mulher, Cartola encontrou um novo amor e mudou-se para Nilópolis e, depois, para uma favela no Caju. Durante esse período, teve meningite.)

Mas, depois, Sérgio Porto o encontrou lavando carros.
CARTOLA- É verdade. Tomava conta, à noite, de um edifício e, durante o dia, lavava os carros dos moradores. Sérgio porto me descobriu assim. O próprio Sérgio me arranjou trabalhos; até na Rádio Mayrink Veiga eu fui cantar. Deixei de lavar carro e fui levantando a vida outra vez.

Você também trabalhou no Diário Carioca?
CARTOLA- O Jota Efegê me levou para lá. Trabalhei um ano e pouco, mas o dinheiro era difícil, você sabe.

Por que a sua família veio para a Mangueira?
CARTOLA- Por causa da situação financeira. Meu avô morreu e minha avó estava muito doente. Meu pai, carpinteiro de profissão, ganhava uma mixaria. Com uma porção de filhos, teve de largar a casa de Laranjeiras, onde o aluguel era alto, para viver num barraco de Mangueira, onde a gente pagava uns cinco mil-réis de aluguel.

A Mangueira ainda era bem pequena naquela época?
CARTOLA- Havia só uns 50 barracões.

Como eram as relações da Mangueira com o pessoal do Estácio?
CARTOLA- A gente desfilava nos domingos de carnaval na Praça Onze e, às segundas-feiras, o pessoal do Estácio vinha para o morro. Na Terça-feira, a Mangueira ia ao Estácio. A amizade era muito. O Estácio era escola mais velha, não devemos discutir isso. Tínhamos, assim, um certo respeito pelo Estácio. Mesmo fora do carnaval, o pessoal do Estácio vinha para o morro cantar samba em qualquer dia da semana. Tínhamos respeito a eles como os mestres do samba. Houve até uma vez que fiz um samba em homenagem ao pessoal do Estácio que visitava a Mangueira.

Você era amigo de Noel Rosa, não era?
CARTOLA- Ele dormiu várias vezes em minha casa em Mangueira. Me lembro até de uma gravação de um disco que a gente ensaiou na minha casa, porque o conjunto que acompanhou a gravação era daqui do morro mesmo. Ele tomava umas coisinhas e ficava lá por casa. Dormia, almoçava, jantava, ia ficando.

Você se lembra de que música era a gravação?
CARTOLA- Não me lembro... espera aí... o Ciro Monteiro também estava no coro... a Odete Amaral...Almirante. Não me lembro da música , não.

Vocês dois fizeram músicas juntos?
CARTOLA- Diz qual foi o mal que te fiz. Ele botou Segunda parte, o Chico gravou, mas Noel não quis entrar na parceria: "Deixa para lá, o samba é do Cartola."

Você foi um dos primeiros caras de escolas de samba a se apresentar aí por fora.
CARTOLA- Eu, Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres. Nós fomos para São Paulo.

Houve até uma confusão com o Paulo porque a Portela não o deixou desfilar.
CARTOLA- Fizemos o Grupo Carioca e nossa fantasia era preta e branca. Na viagem, combinamos que os três desfilaríamos em nossas escolas. Era Sábado de carnaval e não dava tempo para fazer as nossas fantasias daquele ano, pois o desfile era Domingo. Quando veio a Mangueira, entramos com aquela roupa e não teve bronca. Veio a escola do Heitor dos Prazeres, lá de Bento Ribeiro, e entramos também. Quando chegou a Portela, botaram nós três para fora. Foi o Manuel Bambambã que expulsou a gente. Ele disse que de preto e branco não dava. Só de azul e branco, que eram as cores da Portela. (Naquele ano, a portela desfilou na frente das outras. Portanto, quando Manuel Bambambã impediu que saíssem na portela, já haviam desfilado nas outras escolas)

Você também se apresentou no Cassino Atlântico?
CARTOLA- Foi um grupo daqui de Mangueira. Está quase todo mundo morto. Júlio, Agenor, Ataliba. Neuma, que era uma menina naquela época, também estava no grupo. A irmã dela, a moçada toda organizada por mim. Quem me arranjou isso foi Sílvio Caldas.

Sílvio sempre foi seu amigo.
CARTOLA- Muita gente não sabe de uma coisa: o primeiro surdo que a Mangueira teve quem deu foi Sílvio Caldas.

Surdo? Quer dizer que a Mangueira não tinha surdo?
CARTOLA- no início, não. Quem tinha surdo era o pessoal do Estácio. Aí, Sílvio Caldas deu um surdo à Mangueira.

Vocês ganhavam muito dinheiro naquelas apresentações?
CARTOLA- Não, a gente ganhava uns trocadinhos. Era como hoje. Atualmente, quem ganha dinheiro é Roberto Carlos. Se pedir milhões, ganha milhões. A gente, não. A gente ganha um trocadinho mesmo.

E aquele programa do Paulo Roberto, A Voz do Morro?
CARTOLA- Era na Rádio Cruzeiro do Sul, todas as terças-feiras. Em cada primeiro programa do mês, eu e Paulo da Portela apresentávamos um samba novo para o ouvinte batizar, dar o nome. Quem desse o melhor nome ganhava um prêmio. Mas eu e Paulo só estivemos no programa uns três meses.

Ah, Cartola! Me fala desse Zé Espinguela. Esse cara aparece sempre nas histórias relacionadas com as origens das escolas de samba. Ele morava aqui em Mangueira?
CARTOLA- Não, ele tinha uma amante aqui no morro. Era casado, mas tinha uma amante aqui. Esse negócio de concurso de samba quem inventou foi ele. Era macumbeiro e fazia todos os anos na casa dele, no Engenho de Dentro, uma festa no dia de São Sebastião. Misturava roda de samba com macumba, tinha comida, tinha bebida, aquela coisa toda. Então, ele inventou um negócio que era o seguinte: fazer um samba. Ele dizia assim: "Quero um samba com a palavra tal." Eu fiz o samba, Paulo da Portela fez, Heitor dos Prazeres, o falecido Agenor... Daí, ele inventou um concurso na Praça Onze.

Afinal, Cartola, seu nome é Angenor ou Agenor de Oliveira?
CARTOLA- É Angenor.

Mas isso você descobriu há pouco tempo.
CARTOLA- Descobri quando ia casar com Zica (em 1964). Comecei a tirar os documentos e foi aí que vi que estava tudo errado. Tirei a certidão e o nome estava lá: Angenor. Aliás, só vi uma pessoa com este nome. Vi, não. Foi num jornal da televisão que apareceu o nome do diretor de um hospital no Acre. O camarada também se chama Angenor. Puxa vida, até que enfim arranjei um xará.

E como vai seu pai, Cartola?
CARTOLA- Vai bem. Em outubro, vai fazer 90 anos.

Ele ainda bebe?
CARTOLA- Às vezes. Quando vem aqui toma uma cervejinha, uma cachacinha, mas bebe pouco. Não puxou ao filho. Olha só: são oito horas da manhã e a gente está bebendo conhaque e cerveja.

Quem te ensinou a tocar violão?
CARTOLA- aprendi sozinho. Meu pai tocava e eu ficava olhando pros dedos dele. Quando ele saía para trabalhar, eu pegava o violão e repetia o que ele estava fazendo. Quando saí de casa, já arranhava um pouco. Passei para o cavaquinho, mas depois fiquei com o violão.

Você anda afastado da Estação Primeira. O que é que há?
CARTOLA- Não é nada demais. É que eu sinto apenas que o samba que se faz atualmente não é o samba do tempo que eu fazia para a escola.

Mas houve uma vez que você se afastou mesmo.
CARTOLA- pois é. Foi durante aqueles sete anos que andei jogado fora. Foi naquela época que fiz aquele samba que mostrava meu amor pela escola e deixava a meninada fazer samba em meu lugar:
(Por sinal, uma das obras-primas de Cartola.)
Todo o tempo que eu viver
Só me fascina você, Mangueira
Guerreei na juventude
Fiz por você o que pude, Mangueira
Continuam nossas lutas
Podam-se os galhos, colhem-se as frutas
E outra vez se semeia
E no fim deste labor
Surge outro compositor
Com o mesmo sangue na veia

O seu parceiro preferido é Carlos Cachaça, não é?
CARTOLA- É, foi com ele que escrevi mais sambas. Já tive vários parceiros, mas o Carlos, não sei, tudo com ele dava certo.

Você é bom improvisador em matéria de samba?
CARTOLA- Não. Improviso, mas não sou forte. Aliás, só conheço um cara que é muito forte no improviso. Sabe quem é? O Aniceto, do Império Serrano. Aquele camarada é forte. Até hoje, não vi ninguém mais forte do que ele.

A barra por aqui era pesada antigamente? Aquele negócio do samba do Herivelto Martins: "Sou do tempo que o malandro não descia/ Mas a polícia no morro também não subia". Era verdade mesmo?
CARTOLA- Era de fato muito perigoso.

E você era respeitado?
CARTOLA- Graças a Deus. Você sabe, me criei no meio dos valentes, fazendo minha modinha devagar e sempre. Devagar e sempre, sem sair disso: "Sim, senhor; não, senhor." Nunca ninguém me fez mal aqui. Você deve saber daquele caso meu com o falecido Marcelino, o Maçu, não sabe? Namorei a mulher dele e não aconteceu nada.

Além do filme que Villa-Lobos arranjou e do Ganga Zumba, você fez mais algum?
CARTOLA- Fiz um pouco do Orfeu do Carnaval e fiz Os Marginais. O meu papel era de dedo-duro. Entregava todo mundo à polícia e acabaram me matando aqui no morro mesmo. No Orfeu, eu e Zica fomos os padrinhos de casamento do Orfeu com aquela menina. Além de ator, fui também roupeiro do filme. Tomava conta das fantasias e Zica fazia comida para eles.

Você está com Zica há quantos anos?
CARTOLA- Bem, nosso casamento foi em 1964, mas ficamos muito tempo juntos, fazendo aquela experiência para ver se dava certo. Sempre fui muito cabreiro com mulher. Pra me agarrar, tem de saber.

O título do samba Divina dama foi inspirado no filme ou o filme veio depois?
CARTOLA- Me inspirei no filme, sim. Não posso negar.

Além de Noel Rosa, você teve algum parceiro fora do morro?
CARTOLA- tive o Raul Marques. Mas não entrei na parceria. Ele vendeu o samba pro falecido Baiaco sem Segunda parte e eu botei.

Que samba era esse?
CARTOLA- Um samba muito antigo: "Amor que não morreu/ E como custou pra revelar/ É verdade/ Nasceu nos braços meus/ Surgiu a nossa amizade/ Mudou/ Depois sumiu". Aí , botei a Segunda parte: "Depois, sumiu como some a infância..."

...que verso fantástico!
CARTOLA- "...Sem me deixar um rastro de esperança / às vezes quem dá gargalhada / Cai nos braços do outro / Criticando quem ficou louco". Fiz parceria com Baiaco também, fiz várias parcerias por aí. Agora, tenho um parceirinho novo muito bom, o Dalmo Castelo. Ele tem uma lojinha de modas em Ipanema, uma butique. Muito bom sujeito, muito educado, gostei muito dele.

Você estudou?
CARTOLA- Até o quarto ano primário. Comecei na Escola Rodrigues Alves e terminei na Escola Aliança, em Laranjeiras. Era uma vila grande, onde moravam os operários da Fábrica Aliança. Nos fundos, era a escola. O Rancho era ali também.

Você nunca foi muito bom em matéria de dança do samba, não é verdade?
CARTOLA- De vez em quando, eu gostava de dar os meus passinhos. Mas gostava de ver os outros. Meu negócio sempre foi cantar.

2 comentários:

Fel Mendes disse...

O Cartola é realmente muuuuito foda!

Lu Oliveira disse...

Olá,
Muito bacana a postagem!
Abraços,
Lu Oliveira
www.luoliveiraoficial.com.br

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