segunda-feira, 21 de julho de 2008

Vermute entrevista Nicolas Krassik

Nicolas Krassik tinha tudo para jamais conhecer a música brasileira. Ou pelo menos não se empolgar com ela. Nasceu em Paris. Estudou por quase 15 anos no Conservatoire National de Region d´Aubervilliers-la Courneuve, onde se formou em violino clássico. Aos 20 anos passou mais um ano no Centre de Formation Musicale de Paris, estudando jazz. Sua vontade era tocar mesmo rock e funk no violino.

Mas ele ouviu os acordes do choro e samba e se apaixonou. Aos 31 anos de idade se mudou para o Brasil para resolver seu “problema” com a música brasileira. Ia passar seis meses, mas já mora no Rio de Janeiro há sete anos. A música brasileira não foi adotada apenas no violino. Seu sotaque já abandonou os “erres” duros do francês para falar tranquilamente os “esses” do carioquês.

Recentemente gravou seu terceiro disco, o Cordestinos, que reúne jazz e música nordestina. A seleção de músicas, com arranjos do próprio Nicolas, é um primor. Fui ao show de lançamento do disco e fiquei extasiado. Decidi que queria fazer uma entrevista para o Vermute e, por esse motivo, Nicolas me atendeu por telefone pouco antes de fazer um show:

De tanto morar no Brasil, você já atende por Nicolas (e não Nicolá como seria a pronúncia francesa do seu nome)?
Ah sim, atendo sim. Olha, até geralmente me apresentam como Nicolas e eu me apresento como Nicolas, porque se eu falar Nicolá, as pessoas não entendem. Aliás, eu já falo como carioca Nicolas [fala escorregando no “s”].

O violino foi seu primeiro instrumento?
Foi. Eu tinha cinco anos e meio. Minha mãe tocava piano e meu pai violão. Minha irmã, que é mais velha do que eu, já tinha ido para o conservatório e eu tinha que ir também. Minha mãe não perguntou nem se eu queria tocar, mas perguntou o que eu iria tocar. Escolhi o violino e entrei com cinco anos e meio. Terminei com 19 anos. A França tem essa cultura de música de violino muito forte.

Como começou sua relação com a música brasileira?
Minha relação com a música brasileira começou antes, de várias maneiras. Meu pai, como tocava violão, tinha alguns discos do Baden [Powell], do Villa Lobos. Então eu ouvia sem saber. Mais tarde, quando eu comecei a tocar jazz, toquei com um guitarrista que era fã do João Bosco e de Dominguinhos. Eu me lembro que até aprendi a tocar um pouco de violão para tocar umas músicas de MPB que acabei conhecendo. Mas o que me tornou um viciado em música brasileira foi uma festa em um bar que tinha músicos que tocavam música brasileira. Lá comecei a aprender a dançar, conheci alguns capoeiristas que freqüentavam, entrei em uma academia de capoeira e joguei capoeira por cinco anos. Minha vida se dividia entre o jazz e a música brasileira. Todo final de semana ia para este bar e outros que tocavam.

E a primeira música brasileira que você fez um arranjo era do Pixinguinha...
Um ano antes de vir para o Brasil, fui convidado para um festival de jazz na Alemanha. Era um festival de free jazz, que era todo dedicado ao Pixinguinha. Me lembro que a gente ensaiou por três dias. A idéia era fazer o show e gravá-lo. Cada músico tinha que preparar duas músicas do Pixinguinha, fazer uma leitura como quisesse. E cada um chegou com uma coisa maluca. Tinham algumas interpretações mais tradicionais, de gente que já o conhecia, e tinham coisas totalmente malucas. Pro show eu acho que acabei nem fazendo duas músicas, fiz o “Vou Vivendo” dele. Depois do show eu fiquei com umas partituras dele. Também me lembro que alguém me emprestou um bandolim para eu aprender a tocar. Como é a mesma afinação do violino e tal. Eu já estava ensaiando para vir para o Brasil e me animou um disco que eu tinha escutado do Raphael Rabello e do Armandinho. Quando cheguei já sabia tocar uma ou duas músicas do Pixinguinha no bandolim. E de certa forma eu dei um pouco de sorte porque quando cheguei aqui o choro estava voltando à moda. Eu, como músico de jazz, me identifiquei muito. Achei tudo muito divertido, os músicos maravilhosos. Aí comecei a pesquisar um pouco e depois comecei a dar minhas canjas. Eu já sabia falar um pouco de português e entendia um pouco também. No geral consegui me comunicar bem.

Como veio a decisão de morar no Brasil?
Foi depois de umas férias que passei, durante o carnaval. Eu voltei com a sensação que não tinha conhecido o Brasil na melhor época do ano. Fiquei com uma lembrança muito boa e comecei a pensar nisso e falar com meus amigos músicos que sabiam que eu estava totalmente envolvido. E alguns amigos me disseram: “Por que você não vai prá lá, passar um tempo?” Pra mim parecia impossível, mas aos poucos comecei a pensar e essa idéia começou a me obcecar. Decidi passar uns seis meses pra resolver esse assunto. Então, fiquei uns cinco meses em Paris me organizando. Vendi minha casa, meu carro, meu som. Preparei a mala, comprei um laptop e fui. Tudo isso sem saber o que eu iria encontrar. Eu só tinha um contato de um amigo de um amigo meu para me receber.

E deu certo, né?
E deu muito certo. Foi a primeira vez que eu fiz isso. Nunca tinha tirado férias e viajado sozinho. De repente me vi no aeroporto, com minha mala e meu violino. Eu tinha uma lista enorme de endereços para procurar. Acabei fazendo amizade muito rápida com os músicos. Ainda mais que no Brasil o povo é muito receptivo. Quando vi já estava aqui há seis meses e não dava pra voltar mais. Até teve uma época que minha mãe estava um pouco doente. Fiquei sem saber o que fazer. Me deu vontade de voltar para ficar com ela, mas eu sabia que ela mesmo não queria que eu fizesse isso. Eu ia ter que deixar muita coisa para trás. Fiquei balançado, mas não voltei. Ela faleceu. Atualmente meu pai não está muito bem, mas minha vida está aqui. Construí uma família aqui e não consigo imaginar minha vida em Paris outra vez. Quando eu vou lá de férias é só para curtir com a minha família e com meus amigos, porque eu nem gosto muito mais de lá. Hoje, para eu voltar de vez, só se acontecesse alguma coisa muito séria, como uma guerra. Aí, seu eu precisasse fugir, eu usaria meu passaporte francês.



Como surgiu a idéia de mesclar jazz, música erudita e ritmos nordestinos?
A música erudita não existe mais na minha vida. Eu não toco mais. O violino lembra a musica erudita, mas o trabalho é sempre popular. Já o jazz sempre fez parte da minha bagagem. O conservatório sempre foi musica clássica, é verdade, mas depois estudei violino com jazz. Toquei com Michel Petrucciani (foto abaixo) e Didier Lockwood. Na verdade, eu comecei a estudar jazz porque queria tocar rock e funk e me disseram que se eu estudasse jazz teria elementos para tocar qualquer tipo de música. Então isso faz parte da minha bagagem e improvisar é meu maior prazer. Adoro improvisar. Agora meu jeito de improvisar mudou com música brasileira. Isso acaba criando um estilo muito pessoal.


E esse seu estilo acabou conquistando um espaço aqui...
O que faz a gente traçar uma carreira e ter um público é a união de muitos fatores. Sou muito perfeccionista, mas você pode ser um grande músico e não dar certo. Eu sou francês, toco violino (que não é popular na música brasileira), dei sorte de conseguir agradar. Claro que não é só sorte, é muito trabalho também. É vontade de querer agradar. Mas a minha maior vitória não é vender disco ou fazer shows lotados, mas a aceitação do meio musical. Tenho a sensação que eles me aceitaram. Já me sinto fazendo parte deles. Não sou mais um francês que chegou aqui para tocar violino. Não sinto qualquer rejeição. Sou muito bem tratado e respeitado. Também porque eu respeito muito.

Na faixa sete (Chamego Bom), do novo disco, eu me lembrei muito do estilo do Piazzolla de fazer música? Você gosta do Piazzolla?
Adoro Piazzolla, acho maravilhoso. Eu toco no LiberTango. A gente sempre está junto e eu sempre faço participação com eles. No primeiro disco deles eu tocava em quase em todas a músicas. Meu contato com Piazzolla começou na França: eu tocava com um bandoeonista em um quarteto de cordas. Mas a musica do Zé Paulo [Becker] não tem muita diferença do que eu fiz pra o que ele fez. È que o violino é muito forte no Piazzolla e por isso pode dar essa impressão.



Qual compositor brasileiro você mais admira?
Sou fã do Jacob do Bandolim. Foi ouvindo ele que me deu vontade de tocar choro, até porque o bandolim tem a mesma afinação do violino. Acho que o Jacob tem uma linguagem moderna. que continua sendo moderno hoje. Eu adoro choro, mas as pessoas acham que só por que eu toco música instrumental só tenho referências de música instrumental. Mas eu sempre preferi escutar musica cantada. Quando estou com vontade de escutar música, para relaxar, eu vou colocar um disco do Paulinho [da Viola], do Chico [Buarque], da Marisa Monte. Não sei por que. Eu gosto das letras. Também sou fã do Dominguinhos. Em cada CD meu estou gravando músicas dele. Meu sonho é poder trocar algumas notas com ele.

Como você faz a escolha do seu repertório? Você não compõe?
Ah, isso é uma dor de cabeça. Eu não sou compositor, fiz quatro musicas na minha vida. Uma não gravei. Tem tanta coisa que estou a fim de tocar, que não me dá tanta vontade de criar outras. Eu gosto de fazer arranjos que são a princípio simples, mas em um ritmo diferente. Para não ser só mais uma interpretação da música, sabe? Mas compor é meu...eu nunca gosto do que eu faço. No CD anterior, compus uma música para minha mãe, que havia falecido. Então aí foi fácil e eu gostei do resultado. A música saiu em uma noite. Quando eu vi eu gostei, quis compor outra, como se fosse um exercício de estilo. Aí resolvi compor um maxixe e fiz um maxixe. Depois, então, quis compor um baião. E com essa formação do novo disco, fica difícil fazer uma música mais melodiosa, mais romântica. Mas eu cheguei no estúdio, sem ninguém saber dessa musica e apresentei: “Olha só, eu tenho essa música, mas acho que não estou gostando”. Eles gostaram e decidimos gravar [é a música Cordestinos, faixa 4 do disco]. Foi gravando que comecei a gostar. Mas, sinceramente, eu nem penso em fazer alguma coisa só autoral por enquanto.

Sempre entra um sambinha?
É, até agora sim. Eu adoro samba, choro e tudo isso. Sou apaixonado por tudo isso. O forró foi, digamos, minha última aquisição. Tenho uma identificação um pouco maior porque o ritmo me é mais familiar. Sinto uma atração muito forte pelo ritmo, sinto vontade de dançar. E essa coisa de gostar de música cantada: Noel, Nelson Cavaquinho, são coisas que gosto. No primeiro disco fiz “Tudo se Transformou” do Paulinho da Viola e não coloquei uma nota de improviso.

Dos seus discos, qual seu preferido?
Acho que eu mais do último porque foi um projeto que fiz do início ao fim. Pensei na formação do grupo, no repertório, nos arranjos, fiz produção, pós-produção, mixagem... fiz tudo. Ele é realmente um filho. Mas pelo primeiro [Na Lapa] eu tenho um carinho especial por ser meu primeiro disco.

E a música preferida de Cordestinos?
Hum...não sei, é difícil. Deixa eu ver a musicas aqui... talvez “O amor daqui de casa”, do gil, que é trilha do filme “Eu, Tu, Eles”. Quando voltei do Brasil para a França comprei esse disco. Essa foi minha trilha por cinco meses. Essa música faz parte desse momento da minha vida. E eu tenho um carinho especial por ela. E qualquer uma do Dominginhos, mas eu não sei mesmo.

No disco anterior tinha rabeca também?
Tem sim, o Luis Paixão, um grande rabequeiro que conheci em Olinda. Era tão bom que decidi que ia gravar a rabeca dele. Aluguei um estúdio em recife, gravei uma zabumba de referência, e gravei a rabeca dele. Quando cheguei no Rio, fiz os arranjos e ficaram sendo as últimas músicas do disco [Bem Temperado e Arrumadinho].

Mas você nunca tinha gravado você tocando a rabeca?
Mas no disco novo toquei rabeca pela primeira vez. O Marcos [Moletta] que fazia. Meu jeito de tocar é diferente. Até a forma de empunhar é diferente. A rabeca você põe no braço, que é uma coisa de tradição, mas limita mais pra algumas coisas. Eu tentei tocar assim, mas comecei a sentir dor no braço, na mão. Eu não vou tocar pior só pelo lado visual

Há quanto tempo o grupo deste disco toca junto?
Faz um ano e meio da primeira apresentação que chamei eles e a gente fez um show no Rio. Aí gravamos um CD demo, fizemos protótipo de show e soou pra mim como um CD...

Você é um cara que gosta de estudar música brasileira?
Vou muito assim, cada dia é um dia. Eu não estudo muito tempo. Não gosto muito de estudar. Já estudei demais. Estudo quando tenho que tirar alguma música e estudo um pouco de percussão. Estou estudando zabumba há dois anos e meio. Tenho minha zabumba e já dei canja de zabumba. Agora estudar um gênero... Talvez fiz isso no início, mas hoje em dia vou aos poucos, dependendo do que quero.

Você está saindo do Brasil para fazer shows agora?
Eu e o Yamandu [Costa] vamos para a Finlândia, Córsega e Alemanha. Mês que vem, iremos para o Canadá e há uma previsão de ir tocar no Japão. Mas com o “Cordestinos” estamos começando. Fizemos um lançamento em São Paulo e um grande lançamento no Rio. Agora estamos mandando CD´s para organizadores de festival. Meu sonho é tocar isso no nordeste. Sei que no nordeste tem aquele forró que não me agrada muito, esse forro mais eletrônico... Não sei como os forrozeiros de lá vão receber essa rabecada moderna. Mas tem tudo a ver, né?

3 comentários:

daniel marques disse...

Boa entrevista! Ele realmente parece ser mais brasileiro que francês, mas ainda me parece um pouco duro ao expor seus sentimentos como qualquer europeu.

Fel Mendes disse...

Sei lá, Daniel, não senti muito isso não. Talvez o formato da entrevista, ou seja, o fato de não ter a própria voz do entrevistado e suas entonações, dê esta impressão...

Anônimo disse...

É, gostei

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