terça-feira, 23 de março de 2010

O Jogral

O post de hoje é sobre o bar Jogral. Quem o assina é João Barbosa, que trabalhou no bar nos áureos tempos.

Eu, menino de 18 anos, fui trabalhar numa Casa de música chamada, simplesmente " O Jogral ", que tinha sido comprada, por um cara chamado Marcus Pereira, publicitário e que bebia com muita intensidade. Isso lá por 1975,quando a Casa já tinha mudado da Rua Avanhadava para um travessa da Consolação, perto do Cemitério, Rua Maceió, prá ser mais exato. Prá ser Sincero a conexão da minha Osasco de Antonio Agú até ali, só Deus sabe. Uma negra linda, chamada Vera, meio irmã encontrada e adotada pela gente, no meio da vida, era babá dos filhos do Marcus Pereira . E me deu de presente, pois sabia que eu gostava, uma coleção de discos desse publicitário, que era louco pela cultura brasileira. Muito amigo do Martinho da Vila, dividiu a sociedade do Jogral, com Martinho e Aluisio Falcão, pernambucano doido por cultura. E o resultado só podia dar naquilo. Dessa incursão nasceu a Coleção do mapeamento musical brasileiro. Uma das pesquisas musicais mais sérias, que se tem notícias e esse material era distribuído como " souvenir " da Agência de Propaganda, que é donde ele vivia...
Isso gerou um acervo riquíssimo, que só Deus sabe onde está...

Numa noite de terça-feira, tomo meu ônibus no terminal das Vila Yara e desço na Paulista, conduzido pelo meu frequente 715-F - Lgo da Pólvora- V.S. Francisco. O Peito batendo mais forte que surdo de marcação. Quando entro, na Rua Maceió, 94, alguma coisa mudou de imediato. Aquilo era sonho. As lições que eu recebia na Casa da Dona Maria, uma comadre da minha mãe,ela havia feito o vestido de noiva de minha mãe, que os filhos eram entendidos demais em música, agora era fichinha.( O marido da Dona Maria, compadre da minha mãe,seu Mané, era um alfaiate de alta competencia, criou um monte de filhos e formou-os todos; tinha uma pequena queda pela bebida, motivo de brigas com Dona Maria, que era uma pessoa altiva e controladora.Seu Mané tinha um hábito, que me encantava.Ele lia o jornalão do domingo,inteiro.E eu acho, que aprendi a ler jornal com ele, que era nosso vizinho.E sem tirar o cigarro da boca, por vezes cochilava,mas era certo: o cigarro queimava inteiro e a cinza não caía.Eu ficava por horas observando-o em sua cadeira de balanço.) Eu tava vendo muitos dos personagens da minha vitrola. Aquilo era sacanagem. Sentei na mesma mesa, que Martinho, Pelão, Aluisio, Marcus e um primo meu. Tomamos um porre fenomenal e batizado, já fui convidado a trabalhar, lá.

Coroa Boa...

Esse título tava batendo o tempo todo na minha cabeça, letra de um samba, me lembrei de Babaú da Mangueira, que veio aos mais de 70 anos morar em São Paulo e trabalhar no Jogral. Seo Babaú era uma figura... Todo cheio de atividade, quem o acompanhava era o grupo do Osvaldinho da Cuíca. Seu Babaú virou meu amigo, vira e mexe, eu o convidava para alguma festa, gente finíssima. Uma vez, eu o levei para um samba na Vila Formosa, na casa de uma tia postiça, que nós arrumamos, Tia Geni, hoje morando em Rondônia, por conta de uma desilusão. Esse samba era um caso à parte, começava na sexta à noite, e só terminava no domingo . Uma das negras, dona da casa, era cozinheira de um embaixador. Imagina as guloseimas. Tia Luzia era uma baita de uma negrona, coisa assim de quase um metro e noventa e uns cento e tantos quilos, aos sessentão, solteira, viajava o mundo inteiro acompanhando os bacanas, morava na casa dos patrões. Gostava de uma cangibrina, pura. Quando tava bem brasil, a rapaziada cantava " Nega Luzia " e ela girava no salão, feito a Iansã, que era. Quando juntava a pretaiada era uma loucura, coisa de senzala. O batuque era magistral. E no outro dia de manhã era uma ressaca geral, com todo mundo dormindo onde dava. E rolava umas sopas, as melhores comidas. Cheguei com seu Babaú e ele já cresceu o olho nas minhas tias, e o samba rolou, as negas sambando, o homi ficou louco. E ele tinha composto um samba no hotel, cujo refrão era esse mesmo " ô Coroa boa, vai lá prá casa, que tem vaga de patroa " e na hora da canja, todo mundo esperando seu maior sucesso " O Jarro de Barro ", gravado por Carmen Costa,mas ele, ligeiro, tirou esse da manga. Foi uma graça. Ele o tempo todo lançando olhares concupiscentes. Foi demais, prá eu levá-lo embora, deu upa!

Seu Babaú, figuraça! Hoje pintou uma saudade. À benção babaú da Mangueira.

Ô COROA BOA (...) PARTE II

Deixa eu fazer justiça... Na verdade o fundador do Jogral, foi o Carlos Paraná, que era um cara da noite, compositor e cheio de amigos músicos. (Vanzolini alega que teria sido ele o inventor do Jogral, e que deu a idéia a Carlos Paraná.) Dentre eles, o mais constante era Adauto Santos, um negro mineiro que cantava demais. Carlos Paraná, foi o compositor de " Maria, Carnaval e Cinzas " que o " Rei " Roberto Carlos defendeu num festival da TV RECORD.

Eu vi performances maravilhosas do Adauto Santos e sua turma, geralmente composta, por ele Adauto, Viola e Violão, não lembro o contrabaixo,mas tinha o Papete ( um maranhense desencanado, que inventou a percussão ), Théo da Cuíca, percussão e Cuíca, nossa ! E faziam um som lindo, lindo! Tinha na casa ainda, Alaíde Costa, acompanhada do Miguel Trio, em que o baterista, Boi, era um barato ! engraçadissímo.Evandro do Bandolim, um alagoano, afilhado do irmão de Pixinguinha, que durante o dia trabalhava na Del Vechio da Rua Aurora,96. Seu time era inesquecível: Evandro no bandolin, Benedito Costa,no Cavaco, depois Dom Lúcio França, Pinheiro no 7 Cordas, de início, manézinho da flauta, depois Carlos Poyares, Zequinha do Pandeiro, às vezes um surdo, tocado por Silvio Modesto. ( Evandro avocava prá si, um bordão de Chico Anísio, que ele alegava ter passado pro humorista " Vou bater prá tú/prá tu bater/prá tua batota ") Esse grupo abria a casa, depois acompanhavam uma cantora, muito interessante, Ana Maria Brandão. A circulação da casa era gigante, um monte de garçons, entre eles os que eu mais lembro são Expedito, o barman, Jovino, o Mâitre, Jaime, um português, que me dava carona e batemos de carro uma vez de madrugada e quase morremos ambos ( Bati na Trave!) , e Agostinho, um garçon que cantava imitando o Nelson Gonçalves. O sonoplasta era um caso à parte, Chiquinho da Mocidade Alegre, de dia estafeta do Tribunal de Justiça, à noite sonoplasta da Casa, aos fins de semana, diretor de harmonia da Mocidade Alegre.Viajou com Tereza Santos prá Europa. Osvaldinho da Cuíca, o Sargento, que se apresentava com um grupo, e tinha sido eleito Cidadão Samba de São Paulo. Também no cast tinha Bob di Melo, um pernambucano muito bom, mas doido até...
A música se sentia completamente , à vontade naquele espaço. E as visitas? Só gente boa.

Uma vez uma mesa de bacana, deixou uma veuve cliquot, quase cheia e no final os garçons, me chamaram pra experimentar.Ouvia falar tanto, mas confesso, que gosto mais de Cidra Cereser. Coisas de pobre. O tal de caviar também experimentei e não gostei. Não senti sequer o gosto aludido por Vadinho, em Dona Flor e seus dois maridos.Paciência. Em compensação, conheci a chuleta do Bar da Putas,as putas da avenida angélica passavam prá tomar uma antes, de ir pro batente, que era nosso vizinho, e até hoje não esqueço da salada de repolho em conservas. Comida é isso! No papo dos garçons, eu ouvi um deles, falando da temporada do Vinícius de Moraes,na boate UP´S, que era depois do Cemitério da Consolação, nosso vizinho, na Rua Sergipe. A noite tinha poesia.

ô Coroa boa, vai lá prá casa que tem vaga de patroa !( Isso, era o velho Babaú da mangueira) ou ainda " Senhor motorista de Praça, meu velho amigo,agora também vou fazer minha média contigo " , Seo José das Flores de Jesus, Zé Keti. O primeiro show de Adeilton Alves em São Paulo, cantando Ataufo Alves. Nossas atrações, Marilia Medalha ( quem me dera aora, eu tivesse a viola prá cantar (...) outra, entre muitas. O Jogral foi minha enciclopedia musical.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito legal essa cronica. Revivi os velhos tempos do Jogral. Fui muitas vezes para ver principalmente a Alaide Costa, o Papete e o Evandro. Que beleza.

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