segunda-feira, 15 de março de 2010

A mulher que foi pro dicionário

Do dicionário Aurélio:
"Amélia - Mulher que aceita toda sorte de privações e/ou vexames sem reclamar, por amor a seu homem."


Esta é o único verbete decorrente de uma música. Mas de onde surgiu essa tal Amélia? Amélia dos Santos Ferreira foi uma empregada de Aracy de Almeida e seu irmão, o baterista Almeidinha. Este costumava brincar quando as coisas lhe iam mal: "Ah! A Amélia! Aquilo sim é que era mulher! Lavava, passava, engomava, cozinhava, apanhava e não reclamava". Amélia morreu em julho de 2001, aos 91 anos de idade.

Quando deu a explicação de onde tinha surgido a ideia, em 1953, na revista Radiolândia, Ataulfo comentou: "Com essa explicação desiludi milhares de Amélias, que se julgavam homenageadas. Em compensação, ganhei tranquilidade doméstica. Minha esposa até hoje era cismada com essa tal de Amélia".

Mas quem disse que a música tinha nascido para ser hit? Começou mesmo é numa briga entre Ataulfo Alves e Mário Lago. Mário entregou a letra para Ataulfo musicar e ele acabou fazendo várias alterações em função da melodia. Mário ficou indignado e decidiu abandonar a parceria.

Além disso, ninguém queria gravar! Cyro Monteiro recusou, Carlos Galhardo recusou, Orlando Silva também não quis e Moreira da Silva chegou a chamar o samba de "marcha fúnebre". Aí o Ataulfo é que teve que colocar a sua própria voz, numa gravação feita no estúdio da Odeon em 1941.

A gravação original teve um toque de gênio de Jacob do Bandolim. Ele foi convidado por Ataulfo em caráter de urgência:
- Olha, Jacob, preciso de você para gravar aqui e agora.
- Mas estou sem o bandolim, rapaz. Onde vou encontrar um bandolim?
"Ele me obrigou, de uma corrida na Rua do Senado, apanhou um cavaquinho muito ordinário, que nem verniz tinha, pintado a pincel, com cordas de cobre [...]Com aquele cavaquinho, eu não podia fazer nada. Solar não podia, porque iria sair desafinado. Então improvisei aquela introdução que se tornou típica. Só naquela entrada do cavaquinho, todo mundo sabia que era Amélia", disse o grande Jacob ao MIS (Museu da Imagem e Som).

A primeira gravação, de 1941 e lançada no Carnaval do ano seguinte


Uma versão mais elaborada, do disco "O melhor de Ataulfo Alves", de 1984


Apesar do estrondoso sucesso até hoje, Ataulfo só recebeu 500 mil réis. Isso porque ele vendeu os direitos ao editor Emílio Vitale, usando o dinheiro para pagar Mário Lago, que queria um adiantamento pela música. "É a música que menos me rendeu direitos autorais, embora seja o maior sucesso meu e do próprio Mário Lago", revelou em seu depoimento ao MIS em 17 de novembro de 1966.

O samba Amélia tem mais uma dezena de boas histórias. Todas contadas no livro "Ataulfo Alves - Vida e Obra", escrito por Sérgio Cabral

Um comentário:

André disse...

bela história, belo texto!

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