quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Drama de Angélica

"Drama de Angélica" é daquelas músicas que você não acredita que existe. A começar pela sua construção, que bem poderia ser um roteiro de teatro, já que é dividida em quatro atos. Outro fato curioso é que seus versos são todos terminados em proparoxítonas. A música é de autoria de Alvarenga e M. G. Barreto e foi lançada pela dupla Alvarenga e Ranchinho.

Drama de Angélica (Alvarenga / M. G. Barreto)


Ato 1

Ouve meu cântico
Quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
Magro esquelético
Poesia ética
Em forma esdrúxula
Feita sem métrica
Com rima rápida

Amei Angélica
Mulher anêmica
De cores pálidas
E gestos tímidos
Era maligna
E tinha ímpetos
De fazer cócegas
No meu esôfago

Em noite frígida
Fomos ao Lírico
Ouvir o músico
Pianista célebre
Soprava o zéfiro
Ventinho úmido
Então Angélica
Ficou asmática

Ato 2

Fomos ao médico
De muita clínica
Com muita prática
E preço módico
Depois do inquérito
Descobre o clínco
Um mal atávico
Mal sifilítico

Mandou-me célere
Comprar noz vômica
E ácido cítrico
Para o seu fígado
O farmacêutico
Mocinho estúpido
Errou na fórmula
Fez despropósito

Não tendo escrúpulo
Deu-me sem rótulo
Ácido fênico
E ácido prússico
Corri mui lépido
Mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
De força múltipla

Ato 3

O dia cálido
Deixou-me tépido
Achei Angélica
Já toda trêmula
A terapêutica
Dose alopática
Lhe dei em xícara
De ferro ágate

Tomou num folêgo
Triste e bucólica
Esta estrambólica
Droga fatídica
Caiu no esôfago
Deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
E morte trágica

O pai de Angélica
Chefe do tráfego
Homem carnívoro
Ficou perplexo
Por ser estrábico
Usava óculos:
Um vidro côncavo
Outro convexo

Ato 4

Morreu Angélica
De um modo lúgubre
Moléstia crônica
Levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia
Todos os médicos
Foram unânimes
No diagnóstico

Fiz-lhe um sarcófago
Assaz artístico
Todo de mármore
Da cor do ébano
E sobre o túmulo
Uma estatística
Coisa metódica
Como Os Lusíadas

E numa lápide
Paralepípedo
Pus este dístico
Terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza helênica
Morreu de cólica!"

Um comentário:

Artur de Bem disse...

Cara, que engraçado!!!

Muito bom!!!

Não é samba, mas é de bom gosto também!!

Sobre proparoxítona, lembro sempre de Construção, do Chico.

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