terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

50 anos de samba - Parte III

Aqui está a terceira e última parte do artigo do jornal O DIA de 1972. Nele percebemos que a rixa "bossa nova X samba" é de longa data. Leia também a primeira e a segunda parte.

MODERNISTAS

O samba dez anos a esta parte, sofreu profundas feridas. Com tanta gente tentando minimizá-lo, modificá-lo, reduzi-lo a coisa nenhuma, teria fatalmente de degenerar, daí surgir essa degringolada toda após alguns autores metidos a renovadores gravarem coisas incriveis, cacofônicas e ferinas ao sentimento do que é o verdadeiro ritmo popular mais famoso de nossa terra.

Não vamos apontar com certeza quais os inspirados anarquisadores do samba. Eles são muitos e na desejariamos criar polêmicas. Aliás, José Ramos Tinhorão, em nossa opinião um dos mais esclarecidos conhecedores das coisas relacionadas com a nossa música, autores e interpretes, publicou um livro intitulado "O Samba Agora Vai" que é bastante preciso nêsse ponto em que a nossa memória falha... O livro em questão deve ser lido por todos os que pretendem saber o que tem acontecido com a nossa musica e as causas de suas grandes infelicidades...

ÉPOCA INTERMEDIÁRIA

Após a época de ouro do samba, sucedeu outra fase que poderiamos chamar de "intermediária", em que surgiram interpretes de grande categoria como Elizete Cardoso e Jorge Veiga, e comositores como Monsueto, Billy Branco, Miguel Gustavo, Ary Cordovil, Carlos Jobim, Vinicius de Morais, só para falar dos mais conhecidos, que juntamente com as Escolas de Samba, muito lutaram para manter o samba tradicional em toda a sua grandeza e dimensão como musica de um povo que sempre se apegara às suas tradições e ao seu FOLCLORE.

Então apareceram os renovadores, tendo à frente João Gilberto, o mesmo Carlos Jobim (que se passou com armas, cuias e bagagens para o lado de lá), Baden Powel, Edu Lobo, encorajados por musicos brasileiros que como muito bem diz José Ramos Tinhorão, passaram a fazer um outro jogo de interesse de terceiros, daí a nossa musica - o samba principalmente - ter-se modificado aos poucos sob o impacto de uma bossa nova que há quarenta anos passados Mário Reis revelária, porém, sem ferir nem de leve a beleza rítmica, ou quebrar a linha melódica com interposições de acordes semitonados e que não passam de pueril esnobação dos que se dizem modernistas...

A nova geração da chamada bossa nova, poderá parecer coisa legítima nossa. Na realidade foram intervenções fantasistas de musicos estrangeiros - é o nosso ponto de vista estribado em observações meditadas - que tiraram ao samba o sabor que é de seu natural. Senão vejamos, numa figuração que bem elucidará o leitor acerca de nossa argumentação. Imaginemos a avenida Getúlio Vargas, no Rio, preparada para grandes exibições de Escolas de Samba, blocos e demais grupos dessa categoria, e repentinamente , surgindo na enorme passarela , com seu passistas dançando samba bossa nova... Seria uma coisa gritantemente boba, vazia, grotesca e sem motivação, porque a marcação ritmica sofreria um vazio enorme, perdendo toda a sua elasticidade, que é justamente o que dá ao passista aquela euforia e entusiasmo contagiantes a quem os assiste em requebros e malabarismos incríveis.

Não concordamos com José Ramos Tinhorão, quando ele diz que foi o "Samba com uma nota só" que deu início à bossa nova ou então que inovação pouco louvável aos tradicionalistas, recebeu reforço consideráel através do disco de João Gilberto para a "Capitol", intitulado: "Brazil's Billiant João Gilberto". Estamos mais com ele quando afirma que quatro musicos - Charlie Bird, Stan Getz (que nem chegou a vir ao nosso país), Herbien Mann e Dizzy Gillespie foram os que infiltraram a bossa nova no mercado norte-americano. Nós vamos mais longe. Foram eles que contribuiram para que os nossos compositores inovadores se desandassem a esbulhar a nossa musica - o samba principalmente - de todas as suas verdadeiras características - ritmo sincopado e linha melódica sem distorções - inpingindo-lhe as mesmas inovações que os quatro musicos norte-americanos haviam bolado, só que com maiores vantagens porque a musica de seu país conta com incontáveis para se impor - boas orquestrações, alto gabarito dos arranjadores, facilidade em reunir instrumentistas consumados - e não se limitava com a nossa a um conjunto médio instrumental ou a conjuntos regionais reunindo flauta, cavaquinho, violões, pandeiro e cuíca...

Assim fomos nós quem absorvemos em maior proporção as chamadas inovações que deram em resultado a bossa nova (?) e não eles - os norte-americanos - que copiaram de nossas musicas esse novo estilo.

Não há duvida que o samba moderno conta com uma plêiade de elementos de alto gabarito. Mas eles surgiram quando já a bossa nova (vamos dizer assim) já era, e nunca se demoraram em observar, analizar e descobrir o que o samba tradicional tinha de bom, de melódico e contagiante. Acostumaram-se com a barulheira metaloide ou elotronismo (será neologismo?) dos conjuntos modernos, e não sabem - ou não querem saber - qual a diferença entre a bossa antiga e a nova.

Felizmente, ainda andam por aí esbanjando alegria, esntusiamo sambístico, o Martinho da Vila, o Paulinho da Viola, e outros autores e cantores que guardam o velho espírito seresteiro que imperava nas reuniões boêmias da casa da Tia Ciata e que não esquecem do dia em que apareceu pela primeira vez no Brasil o precursor de todos os sambas: o "Pelo Telefone"!

A verdade é que nestes cinquenta anos de musica brasileira, muita coisa aconteceu e muita coisa acontecerá. Isto porque, o velho samba, o sambão como é chamado, tem bom pulmão e não morrerá nunca!   

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