quarta-feira, 6 de maio de 2009

Não era assim que a bateria falava

Não é tempo de carnaval, mas sempre é tempo de sucitar a discussão sobre a involução das escolas de samba. Quem é das antigas sabe, a coisa não tinha esse caráter mercantil de hoje.

No terreiro da escola não existia caixas de som. Tampouco política elegia samba. Pra ver qual samba era quente, o regional (violão e cavaquinho) começava tocando e se a música era mesmo boa, o pessoal saía cantando. E não pense que era essa coisa enquadrada em uma fórmula. Os sambas enredo eram mais trabalhados, mais harmônios, sem essa velocidade chata e um puxador berrando que no final das contas deixa tudo igual.

Já em 1945 Wilson Batista e Haroldo Lobo notavam esse rumo que as escolas estavam tomando. Aí compuseram o samba "Não era assim", que aqui é intepretado por Cristina Buarque no disco "Ganha-se pouco, mas é divertido", de 2001.

Não era assim


Outro que sempre levantou a bandeira do combate ao fim das tradições das escolas de samba foi Elton Medeiros. Em 1973, no seu primeiro disco solo, a primeira faixa é "Avenida Fechada", um belíssimo samba que fala da exclusão dos verdadeiros atores do carnaval.

Avenida Fechada


Dois anos depois, Candeia, o próprio Elton e outros bambas resolveram fundar um núcleo de resistência do samba. Nasceu então o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo. O ácido manifesto diz assim:

"Estou chegando...
Venho com fé. Respeito mitos e tradições. Trago um canto negro. Busco a liberdade. Não admito moldes. As forças contrárias são muitas. Não faz mal...Meus pés estão no chão. Tenho certeza da vitória. Minhas portas estão abertas. Entre com cuidado. Aqui, todos podem colaborar. Ninguém pode imperar. Teorias, deixo de lado. Dou vazão à riqueza de um mundo ideal. A sabedoria é meu sustentáculo. O amor é meu princípio. A imaginação é minha bandeira

Não sou radical. Pretendo, apenas, salvaguardar o que resta de uma cultura. Gritarei bem alto explicando um sistema que cala vozes importantes e permite que outras totalmente alheias falem quando bem entenderem. Sou franco-atirador. Não almejo glórias. Faço questão que não virar academia. Tampouco palácio. Não atribua a meu nome o desgastado sufixo -ão. Nada de forjadas e mal feitas especulações literárias. Deixo os complexos temas à observação dos verdadeiros intelectuais. Eu sou povo. Basta de complicações. Extraio o belo das coisas simples que me seduzem.

Quero sair pelas ruas dos subúrbios com minhas baianas rendadas sambando sem parar. Com minha comissão de frente digna de respeito. Intimamente ligado às minhas origens. Artistas plásticos, figurinistas, coreógrafos, departamentos culturais, profissionais: não me incomodem, por favor. Sintetizo um mundo mágico.

Estou chegando..."

Para finalizar nada melhor do que escutar quem realmente entende do assunto. No ensaio de Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos, Elton, Paulinho, Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho batem um bom papo sobre o rumo que as coisas tomaram. Vai um trechinho:

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