quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Sacudido e dançante

Hoje o Vermute conta com a ilustre participação de um amigo-convidado. O jornalista Alexandre Agabiti, editor da Revista Invicto, escreve sobre o segundo disco do francês Nicolas Krassik, intitulado "Caçuá". Aproveitem:



“Caçuá” dá continuidade à linha adotada no primeiro CD: uma bem-dosada combinação de tradição e modernidade em que o respeito à tradição não engessa a ousadia, gesto que renova os gêneros. O repertório é bastante equilibrado, com clássicos e composições inéditas. Dono de uma técnica sólida, Nicolas Krassik não cai na tentação fácil de exibir seu virtuosismo com malabarismos estéreis. Prefere tocar de modo mais sóbrio, valorizando a melodia, sem nunca perder a fluidez e o matiz lírico do fraseado.

Uma bela versão de “Deixa a menina”, de Chico Buarque, abre o disco. O violino brilha soberano na melodia e nos improvisos, escoltado pelo violão de sete cordas de Nando Duarte. A segunda faixa, que dá nome ao CD, de João Lyra e Maurício Carrilho, apresenta a tradição da viola caipira e dos ritmos nordestinos e uma delicada melodia exposta pelo violino. “Juízo Final”, de Nélson Cavaquinho e Élcio Soares, ganha ares meditativos no arranjo de Krassik, em que o pizzicato da primeira parte cede lugar na segunda às notas alongadas do violino tocado com arco. Uma gravidade semelhante domina a releitura de “Último desejo” (Noel Rosa), arranjada por Luís Filipe de Lima e Krassik em compasso de choro.

Os ares nordestinos chegam no medley de “Sanfona Sentida” (Anastácia e Dominguinhos) e “Cheirinho de Mulher” (Sivuca), em que o violino mantém um diálogo com o acordeon de Chico Chagas. Acreano radicado no Rio, Chagas tem formação jazzística, arranja e compõe. Para o primeiro disco de Krassik, compôs “Forró do Ça Va”, um baião cheio de afetuoso lirismo. Com razão, Krassik o considera como o melhor acordeonista brasileiro depois de Dominguinhos. O sabor nordestino continua no xote “Na casa do Zezé”, composição de Chagas que se destaca pela beleza da melodia.

Um dos pontos altos do disco é “Casamento da raposa”, de Gerson Filho, arranjada por Marcelo Caldi. A partir de uma cadência marcada por zabumba, pandeiro e triângulo, os outros instrumentos – bandolim, violino, acordeon, dois violões de sete cordas, além do pífano e do sax soprano de Carlos Malta – se lançam em uma dança eletrizante, cheia de verve. Sabor mediterrâneo é a tônica de outro medley, reunindo a folclórica “Karanfil” e “Santa Morena”, de Jacob do Bandolim, em que o violino leva o ouvinte para um passeio por sonoridades árabes-andaluzas.

O Nordeste volta à baila no pot-pourri final, no qual Krassik toca três temas ao lado do rabequeiro pernambucano Luiz Paixão: “Bem temperado” e “Arrumadinho”, de Paixão, e “Flor de ingazeira”, de Nelson da Rabeca. O registro é rústico, seco como o sertão.

Pela primeira vez, Krassik – que se considera muito mais intérprete do que compositor – gravou duas peças de sua autoria: “Petite maman” e “Meu maxixe”. A primeira é uma terna homenagem à mãe, que morreu em 2005. Nas palavras do violinista, “ela mostra meu lado europeu, pois a melodia evoca Chopin, compositor que minha mãe gostava de tocar, e meu lado brasileiro, pois o ritmo é de samba”. A outra composição é um tema sacudido e dançante – como boa parte do disco –, e é vista por Krassik como mero “exercício de estilo”. Pode-se concordar ou não com a afirmação, mas é certo que o francês aprendeu a lição.


Ficou interessado? Baixe aqui o disco para conhecê-lo melhor.

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