quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Adoniran só poderia ter sido paulista

Muito tem se falado do mestre Adoniran Barbosa. Ele que faria 100 aniversários este ano receberá inúmeras homenagens. Uma delas, este texto escrito por Romulo Fróes que a Folha de S. Paulo publicou no dia 13/01



"Dentre suas inúmeras faces, podemos separar o samba em dois sentidos dominantes: o lugar do prazer, da celebração, do ócio e aquele onde a vida é suspensa, o lugar dos sambas tristes, para trás. É comum associar Adoniran Barbosa ao primeiro sentido aqui descrito, mas o vejo como um ponto cego entre esses dois lugares.

Lembrado mais por letras bem-humoradas, suas canções carregam uma melancolia disfarçada. Comicidade e tragédia se misturam em uma mesma canção. Faz graça para fugir do ressentimento de ter sido posto de lado com o surgimento da Jovem Guarda, "(...) e eu que já fui uma brasa, se assoprarem posso acender de novo". Faz soar engraçadas histórias trágicas ditas com seu linguajar "errado", aprendido nas ruas do Brás e do Bexiga, onde, como ele mesmo dizia, "o crioulo e o italiano falam igualzinho".

E alertava, "para falar errado, precisa falar certo". Vem daí o sorriso no rosto de quem canta uma história triste como a que narra "Saudosa Maloca".

Percorria toda a cidade com sua música. Era um andarilho, como Nelson Cavaquinho. Mas diferente deste, tinha autonomia sobre seu percurso. Conhecia suas ruas, vilas, favelas, bares, seus personagens e suas histórias. Tudo que via, ouvia, transformava em canções. O "Trem das Onze", o "Viaduto Santa Ifigênia", o "Torresmo à Milanesa", a "Saudosa Maloca". Comportava-se como um documentarista. Como Noel Rosa, de quem tomou emprestado "Filosofia", samba com o qual foi premiado em um concurso de intérpretes e que finalmente lhe abriu as portas do rádio.
Adoniran se tornou dentro do samba uma de suas figuras mais singulares. Muitos motivos devem ter contribuído para a construção de seu gênio, mas acho determinante o fato de ter nascido em São Paulo. A cidade, de extrema importância para a música brasileira no que se refere ao seu adensamento, onde desde sempre os movimentos tomam forma e se propagam para o resto do país, tem em Adoniran um dos raros casos de artistas que poderiam representar uma espécie de escola paulista. O fato de até hoje não termos criado uma clara tradição em música popular pode tê-lo liberado das normas tão rígidas do gênero. Sem ter a quem dar satisfação, sentiu-se livre para suas invenções.

Se o samba é carioca e baiano, São Paulo, acusada tantas vezes por sua falta de ginga, gerou um dos mais originais compositores da música popular brasileira. Adoniran era paulista. E só podia ter sido. No fim de sua vida, reclamava que não encontrava mais São Paulo. "O Brás, cadê o Brás? E o Bexiga, cadê? Mandaram-me procurar a Sé. Não achei. Só vejo carros e cimento armado". Teria reencontrado se tivesse procurado em suas próprias canções".

Em tempo, alguns links com informações sobre Adoniran Barbosa:
Folha de S. Paulo, com agenda de shows comemorativos
Site da Vejinha, falando sobre algumas de suas músicas
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