quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Vermute entrevista Ricardo Van Steen

Ricardo Van Steen não é cineasta de formação, mas já dirigiu dois filmes sobre Noel Rosa. O primeiro deles, em 1996 é um curta de 18 minutos sobre Noel de Medeiros Rosa, chamado “Com que roupa?”. Mas sua segunda obra sobre o compositor carioca é que está agradando mais o público, o longa “Noel, o Poeta da Vila”, agora exibido no circuito comercial de cinema.

Sem ter certeza de que a obra é perfeita, Ricardo não vê problemas em aceitar críticas, como o fato de que o próprio Noel, interpretado por Rafael Raposo, pouco canta suas músicas. Mesmo assim Van Steen colocou a cara ao tapa e tem se saído muito bem na sua primeira experiência com longa-metragem.

O diretor recebeu a equipe do Vermute com Amendoim em uma entrevista exclusiva e esclareceu mais do filme para quem já viu e para quem ainda pretende ver. Confira:


Vermute com Amendoim: A idéia de fazer o filme sobre Noel veio da biografia feita pelo João Máximo. O que mais te interessou na vida de Noel Rosa?
Ricardo Van Steen: Achei que foi mais do que tudo a vida de sambista, o ambiente do samba, o tipo de conversa, tipo de ritmo que a vida tem, sem muito batente, sem muito bater cartão. Ao mesmo tempo é trabalho como qualquer outro deste que o cara rala pra cacete também.

VA: Em 1996 você filmou um curta, chamado “Com que roupa?”. O que mudou de um filme para o outro?
RVS: Ah, mudaram dez anos de vida e dez anos de reflexão, dez anos de aprendizado, de Noel e de cinema. O mundo mudou completamente nesses dez anos. No cinema em que a gente ia quando eu comecei a fazer o “Com que roupa?”... Nem sei se você viu os filmes que eu já vi... “Touro Indomável”. Mudou demais o cinema nesses dez anos.

VA: No seu primeiro longa você teve que sintetizar 26 anos de Noel em uma hora e meia. Quais as principais dificuldades? (Foram 10 anos de gravações, com problemas de dinheiro)
RVS: A gente ficou com os sete anos finais, mesmo assim... A dificuldade é aprender fazendo, eu acho que essa é a dificuldade. Então você não sabe nada e tem que aprender errando, erra e aí acerta, erra e acerta, erra então demora. E você tem que aprender tudo, pois é uma indústria que tem 500 mil particularidades desde a hora de arrumar dinheiro até a hora de se apresentar, a hora de exibir as suas idéias, a hora de desenvolver o trabalho, prestar contas, é um aprendizado todo dia. E aí vou falar, é claro, da dramaturgia, contar uma história. Tem tanta coisa pra decidir a todo momento, é uma superescola. Então se eu tivesse feito faculdade eu teria aprendido um monte de coisas que teriam me facilitado nas decisões, mas dificilmente eu teria tanta experiência técnica como eu tive fazendo o outro caminho. Então acaba que é apenas o rio que faz as suas margens. É isso aí, cada um é um, e o tempo é o tempo que precisa pra ficar pronto.

VA: Como foi o treinamento do Rafael para entrar na personagem? Quais quesitos vc exigiu dele?
RVS: Ele fez mais de uma dúzia de cursos, desde a questão postural, da boca né...

VA: Ele usou uma prótese, né?
RVS: A boca que tem uma prótese. Chegou um dia antes da filmagem sem treinamento sem nada, pra desandar tudo o que ele aprendeu em dois meses. Ele perdeu de novo a dicção, perdeu a afinação...A hora em que botaram aquele plástico dentro da boca dele, travou geral. Mas foi bom pro filme. Ele ficou meio doidão, meio desestruturado e foi interessante.

VA: Apesar de o Rafael estar muito bem na pele de Noel, são poucas as vezes que se vê ele cantando. Em seu lugar, Aracy de Almeida ou Francisco Alves é que interpretam mais. Por quê?
RVS: Eu me filiei à história, o Noel interpretava quase que só pra rádio mesmo, quer dizer, só quando não dava para ter um cantor. Daí ele ia lá e cantava. É claro que, como ele tinha um posição de líder na rádio, na medida que ele organizava a vida de todo mundo, preparava as gravações, os programas, ele ajudava a todos...Todo mundo queria ele cantando. Era o Noel, era o jeito dele e tal, mas ele não era um cara que queria cantar tanto assim. Ele era um compositor, um ótimo instrumentista. Apesar de que para os superexigentes, parece que o irmão era melhor.


VA: A síncope da música de Noel, que revolucionou o caminho do samba, não se esconde quando Francisco Alves aparece mais?
RVS: É, é engraçado que eu li isso na sua matéria... Por que você não faz essa pergunta para o Filipe [Luis Filipe de Lima – Diretor Musical]? Acho que essa é boa pra ele, porque eu sou um reles diretor. Eu não chego aí. Hoje, depois de pronto e na tela eu sei do que você está falando. Mas eu cheguei a entender de tanto ficar dentro do estúdio, ouvindo e entendendo um pouco do que você está falando. Pra falar em síncope o cara precisa ser músico. Mas eu te entendo, acho que o filme tem um andar na linha em excesso, sem passear no ritmo. Isso mostra que tem que ter um equilíbrio da história emocional dele com a história musical. Espero que no próximo filme eu consiga ir tão adiante em todos os aspectos, até nessa questão. Porque isso é uma arapuca do destino, porque na medida em que você vai enxugando, enxugando os personagens pra caber em uma história menor, você acaba optando por aquele que mais cantou Noel, mas que não necessariamente reverberou o que o Noel trazia de novo em termos de síncope. Mas se tinha alguém que cantava Noel nessa época era esse cara. Ele deu vazão à metade da produção do Baixinho.

VA: No filme, você optou por algumas cenas diferente do que se vê no cinema brasileiro, como uma em que o teto é filmado, ou quando o personagem não fica totalmente enquadrado. O que o levou a escolher isso?
RVS: Acho que essas imagens representam as dúvidas, as incertezas, os questionamentos dele. Cada vez que aparece uma desta, você pode ter certezaa que ele está em um momento de indecisão ou indefinição. Ou ele está totalmente indefinido na suas idéias do que fazer ou ele tem que decidir naquele momento. Aquela parede pra ele quer dizer ou ele decide, toma um rumo ou ele não vai chegar lá.

VA: Durante as filmagens, algum fato engraçado aconteceu? Algo que você não esperava?
RVS: Tem pouco disso, viu? É porque a nossa pobreza não permite. Você já está tão estrangulado no tempo para conseguir fazer tudo o que você já tinha pensado que não tem como aceitar o improviso ou o inesperado. É muito raro. Mas tem: aquela cena dele no banheiro passando mal, que ele vai pra festa vomita e...Aquilo não existia no roteiro. A gente foi filmar em uma locação na delegacia e de repente eu visitando o banheiro e tinha aquele banheiro incrível dos anos 30. Aí a gente falou: ‘Que roupa que o Noel tá? Ah, é a mesma da festa. Então vomita aí’ E ficou muito bom, mas foi a única coisa que se improvisou, praticamente.

VA: Você acredita que o filme possa de certa forma catequizar os ouvidos do público, já acostumados com o pagode?
RVS: O que eu queria é que soubessem alguma coisa sobre o Noel, porém que ainda venha outros filmes pra falar de síncope, de malandragem, mas de outra forma, com mais isso e menos aquilo...Porque é um cara que merece 10 filmes. É que nem Macbeth, merece ser refilmado a vida toda.

VA: Pretende filmar alguma outra história do samba? Tem outros projetos?
RVS: Já, você já ouviu falar no Vassourinha? Então estamos investigando essa seara...

VA:Você tem alguma canção preferida de Noel?
RVS: Olha, dentro das que eu tenho ouvido na trilha é “Mais um samba popular”. Não sei se você teve chance de prestar atenção nela, porque é a primeira música dos letreiros e normalmente as pessoas estão batendo palma nessa hora. É a que eu estou curtindo.
Créditos das fotos do filme: Alexandre Ermel

2 comentários:

Juliano Coelho disse...

Bela entrevista, muito elucidativa. O Van Steen parece ser legal. Até porque não é todo cineasta que admite que pode ter deixado um pouco de lado algum fator da história, no caso, a síncope.

Ainda não assisti o filme...mas verei em breve certamente.

Lui disse...

Adorei sua entrevista, Felzito. Eu não gosto de samba e não conheço nada de Noel, mas mesmo assim fiquei com vontade de ver o filme.

Um beijo!

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