terça-feira, 20 de janeiro de 2009

50 anos de samba - Parte I

No dia 7 de setembro de 1972, o extinto jornal paulista O DIA publicava um artigo não assinado sobre a história do samba. Devido ao seu grande tamanho, o dividi em três partes que serão disponibilizadas nas terças-feiras subsequentes. A grafia segue tal qual foi publicado no jornal.

"Pelo Telefone" surgiu em 1917, e foi o primeiro samba que surgiu na história da música brasileira. Antes ele não passava de tango e tinha outro sabor, outros ingredientes diferentes que afastavam o gosto popular. A partir de então o samba cresceu, agigantou-se e dominou todo o ambiente musical popular brasileiro, só vindo a sofrer minimização quando autores inspirados em ritmos alienigenas e fazendo o jogo de terceiros tiraram-lhe a beleza ritmica e transformaram em bossa nova...

Um veterano locutor de radio paulista - Luiz G. Alves - escreveu certa vez que "a ofensiva vitoriosa do samba na sociedade carioca - nós diriamos brasileira - seria um fenomeno, porém, perguntava: transitorio ou permanente? A sua descida do morro para os salões das metropoles não é remota assim, e a profilaxia da musica e o saneamento do verso virão com as sanções fatais que êsse absolutismo produzirá hoje ou amanhã".

Realmente tinha razão Luiz G. Alves, pois o samba, nos ultimos 10 anos tem sofrido uma diversificação de suas linhas - melódicas e poéticas - descambando para o terreno instavel em que a sensibilidade do sambista é sacrificada em favor de uma cacofonia que somente pode agradar aos que surgiram justamente na ultima decada; Os que conhecem o samba como êle era, sincero, descritivo e evocativo não se conformam com a introdução de bossas novas - ou coisas que o valham relacionadas com a sua modificação total para pior. Dai o sucesso de um Martinho da Vila, de um Paulinho da Viola e outros compositores e intérpretes de sambas que embora vivendo no ambiente corrompido da nossa musica popular, ainda se mantêm fiéis àquela linha estrutural que era realmente que havia de melhor para a sensibilidade da gente brasileira.

Ainda lembrando o locutor e colunista Luiz G. Alves lá pelos idos de 1938, época de ouro do samba, "havia uma só coisa séria no Rio; era o samba com os seus saracoteios".

Mas não se pense que Luiz G. Alves era favoravel ao samba. Absolutamente. Ele combatia ferrenhamente, a ponto de mais adiante afirmar:

Onde está a sua beleza? o seu ritmo? a sua harmonia? Ninguém sabe e nem procura saber. Todos se deixam levar pelo entusiasmo "patriótico" inexplicavel sem atentar para as suas causas lógicas".

Esses conceitos do cronista mesmo sendo do "contra", servem para por em relevo o que era o samba em épocas que se foram e que quase foi destruido graças aos "modernistas" que baseados em ritmos alienigenas puseram por terra o que havia sido edificado por nossos autores populares através de muitos decênios de lutas e esforços.

QUANDO COMEÇOU 

O primeiro samba digno desse titulo foi " Pelo Telefone" de Ernesto dos Santos, o Donga. A gravação foi da Casa Edison, do Rio de Janeiro. Constituiu-se um grande sucesso no carnaval de 1917 e dali teve as portas abertas para o sucesso do ritmo que até então os cortejadores das musicas européias teimavam em chamar de barbaro.

Nesta época de sons eletronicos, estereofonicos e de alta fidelidade, nos parece bem distante os dias dos fonógrafo de Thomaz Edison e dos famosos discos com etiquetas côr de abóbora, que eram procurados com afã nas casas de artigos musicais ao preço de cinco mil reis cada um! Um dinheirão, um verdadeiro rombo no orçamento das familias humildes, mas que se orgulhavam de ter seu gramofone sôbre uma mesinha, com as pesadas campanas voltadas para a rua e cobertas com toalhas bordadas. Casa em que não existisse um gramofone, não merecia grande conceito...

Voltando porém a falar de samba, confirmamos a assertiva de que êsse ritmo endiabrado somente entrou para o dia a dia da gente brasileira após a gravação de "Pelo telefone", um samba satirico à ação policial no Rio de Janeiro que combatia tenazmente a jogatina desenfreada em clubes nas ruas e em casas particulares.

A primeira gravação de "Pelo telefone" foi em disco "Odeon" (121 313), com interpretação da Banda Odeon. Mas logo após, devido ao exito da musica, o samba foi levado a cera pelo famoso cantor da época Baiano, e um coro bastante elogiável. O disco ganhou o numero 121.322. Era o tempo heroico da musica brasileira que surgia, e cuja sobrevivência repousava num reduzido grupo de elementos entre os quais sobressaiam as figuras desse mesmo Donga, autor de "Pelo telefone"; Alfredo Viana, o nosso muito bem-amado Pixinguinha, José Barbosa, Sinhô e outros que seria longo enumerar.

Donga nasceu a 5/4/1891, na Aldeia Campista no Rio de Janeiro, e era filho de Pedro Joaquim e Maria Amélia e invariavel frequentador da casa da célebre Tia Ciata, onde a boêmia da época se reunia para gostosas tertulias sonoras, e onde precisamente o "Pelo Telefone" viria a nascer. Desde Menino Donga se dedicou a musica popular tocando cavaquinho, violão e banjo, mas somente aos 26 anos comporia a musica que deu ritmo à letra de autoria do jornalista Mauro de Almeida, que então assinava uma coluna carnavalesca como "Peru dos Pés Frio". Consoando as próprias declarações de Donga o motivo do samba (primeiro verso) lhe fora dado por Didi da Gracinha, outro frequentador da casa da Tia Ciata, e o resto da letra foi composta por Mauro de Almeida.

Interessante que, acerca desse samba, o Jornal do Brasil, de 4 de fevereiro de 1917, publicou uma nota assim redigida: "Será cantada domingo, o verdadeiro tango "Pelo Telefone", dos inspirados carnavalescos, o imortal João da Mata, o mestre Germano, a nossa velha amiguinha Tia Ciata e o inesquecivel bom Hilário; arranjo exclusivamente pelo bom e querido pianista J. Sillva (Sinhô)". Como se vê sete autores disputam o direito de autoria do "Pelo Telefone", sem contar o arranjador, um mistério que jamais será resolvido, mesmo porque Donga, o sobrevivente sempre fez valer os seu direitos exclusivistas. De qualquer forma por seu longo e valioso trabalho musical provou ser sambista dos bons, guardando as tradições dos nossos ritmos e romanticismos. "Passarinho bateu azas" "Tira Canga, Tira o meu Nome do Meio", "Pobre vive de teimoso", "Quando você morrer" etc.. são outras composições que equivalem ao famoso "Pelo Telefone", provando que era mesmo sambista inspirado.

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