quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Paralelas do ritmo

Retirado do site algo a dizer.

Por Áurea Alves

Costuma-se brincar quando um grupo de pessoas canta de modo desafinado, chamando-os de “paralelos do ritmo” aqueles que nunca se encontram. Paralelas diz-se das retas que não se encontrarão em ponto algum do plano geométrico.
Paralelos são os trabalhos de Maria Rita e Teresa Cristina, recém-lançados, dedicados ao samba e que possuem características distintas desde a concepção até o acabamento das capas dos discos. Não se trata de reduzir o universo de cantoras de samba aos dois nomes, mas comparar dois trabalhos que anunciam jamais se encontrar. O samba de Maria Rita é de oportunidade, serve-lhe para ajustar o destino de sua carreira, mantê-la em evidência, com um trabalho que pode repercutir em vendagem e em casas lotadas durante seus shows. O de Teresa segue por outro caminho, apresentando-a como compositora que mergulha cada vez mais no universo do samba e, em especial neste disco, realça suas características de cantora. Teresa se consolidará como representante do movimento de samba surgido na Lapa (Rio de Janeiro). Maria Rita ainda precisará buscar sua identidade dentro da Música Popular Brasileira, mesmo que prossiga com altas vendagens.

O samba de resultados de Maria Rita
Maria Rita nasceu em família de artistas: o pai, o arranjador e pianista César Camargo Mariano e a mãe, a perfeita e insuperável, Elis Regina. Sua voz se assemelha à da mãe Tornou-se cantora, quase como decorrência natural de sua família – seu irmão Pedro é cantor e seu meio irmão, João (filho de Elis e Ronaldo Bôscoli) está à frente da gravadora Trama, que se especializou em artistas dessa geração, com trabalhos voltados ao mundo pop.
Seu primeiro disco foi recebido com críticas, em primeiro lugar pelo uso explícito da semelhança com Elis, até na elaboração do repertório que lembrava o da falecida cantora – com direito a música de Milton Nascimento. Em segundo lugar porque de fato o disco era irregular e as músicas selecionadas não definiam o propósito artístico de Maria Rita. Seu segundo disco seguiu na mesma linha, buscando a dissociação, mantendo um repertório irregular.
Apesar do investimento em marketing, Maria Rita não ocupou espaço entre o grupo de artistas que mais vendem discos e trafegou titubeante num espaço em que já reinavam Ivete Sangalo e seu axé pop, Ana Carolina e suas canções modernas voltadas para o público feminino e Marisa Monte com suas baladas tribalistas e seu samba autoral, dentre tantas outras cantoras, campeãs de venda. Ficou no que se pode chamar de linha média, vendendo bem, sem imprimir uma marca especial para si.
Com o lançamento do CD Samba Meu, opta por enveredar-se pelo mundo do samba, considerando o momento em que vive o gênero, uma experiência como admite, sem buscar tornar-se especialista no gênero. Para isso juntou-se ao produtor Leandro Sapucahy (ex-pagodeiro, percursionista do grupo de Marcelo D2) que lhe conduziu, segundo afirma, pelo mundo do samba.
O resultado foi um disco bem produzido em que Maria Rita interpreta seis sambas de Arlindo Cruz, partideiro do Cacique de Ramos, de Gonzaguinha, Serginho Meriti (com o ótimo Cria), alternando arranjos típicos de roda de samba, com outros com levada de bossa-nova. Como normalmente ocorre em seus discos, a produção é bem cuidada, com bons arranjos, não necessariamente criativos, mas que provocam uma outra percepção de sambas que funcionam bem nas rodas do subúrbio. São sambas que ganham uma interpretação adequada confirmando a qualidade vocal desta cantora.
Contudo, o que não cai bem é a verdadeira identidade de Maria Rita com o samba. A impressão deixada, em que pese a qualidade, frise-se, é de que se trata de um trabalho artificial, levando à constatação de que a cantora ainda não encontrou seu verdadeiro espaço na Música Popular Brasileira, e opta pelo samba como alternativa vendável, buscando para isso assessorias confiáveis e do ramo – no caso, de Ramos. Sinal de que pode cair no grupo de boas cantoras que não dominam a escolha de seu repertório e oscilam entre estilos, correndo o risco de desgastar a carreira.
Essa sensação confirma-se pela capa escolhida, que remete à religiosidade dos sambistas, às suas roupas e aos trejeitos. Maria Rita usa um chapéu de palha e traz um grosso cordão dourado sustenta figas de cristal e um medalhão. Signos que reunidos remetem ao universo dos subúrbios cariocas, talvez. No entanto despem-se da significação que de fato poderiam conter, como é este disco. Na contra-capa imagens de santos, São Jorge ao centro, num arranjo que lembra um altar ou uma oferenda. Assim Samba Meu encerra os trabalhos.

Ficha técnica:
Samba MeuProdução:Leandro Sapucahy
Co-produção: Maria Rita
Warner Music
1. Samba Meu (Rodrigo Bittencourt)
2. O Homem Falou (Gonzaguinha)
3. Maltratar Não É Direito (Arlindo Cruz e Franco)
4. Num Corpo Só (Arlindo Cruz e Luis Cláudio Picolé)
5. Cria (Serginho Merity e César Belieny)
6. Tá Perdoado (Arlindo Cruz e Franco)
7. Pra Declarar Minha Saudade (Arlindo Cruz e Jr. Dom)
8. O Que É o Amor (Arlindo Cruz, Fred Camacho e Maurição)
9. Trajetória (Serginho Merity, Arlindo Cruz e Franco)
10. Mente ao Meu Coração (Francisco Malfitano e Pandia Pires)
11. Novo Amor (Edu Krieger)
12. Maria do Socorro (Edu Krieger)
13. Corpitcho (Ronaldo Barcelose Luis Cláudio Picolé)
14. Casa de Noca (Serginho Merity, Nei Jota Carlos e Elson do Pagode)

O delicado samba de Teresa Cristina
Teresa Cristina nasceu no subúrbio carioca, foi manicure, estudou letras, freqüenta umbanda e decidiu ser cantora já formada em Letras. Sua carreira começou praticamente na num período anterior à revitalização do bairro, quando algumas poucas casas abrigavam alguns sambistas em rodas, à revelia das condições do bairro.Tanto quanto o bairro passou a ser revitalizado, cresceu a importância da cantora, acompanhada pelo Grupo Semente, composto por Bernardo Dantas, Pedro Miranda, João Callado e Trambique. A formação dos músicos determinou o interesse pelo samba, especialmente aquele produzido na Portela, como se percebe na influência de Candeia e na construção do repertório dos discos que se seguiram.
Ao trabalho dessa cantora e compositora não se aplica o termo resgate, uma vez que sua principal característica é o diálogo com o samba produzido fora da Lapa, em especial em Oswaldo Cruz. São exemplos disso, as composições feitas em parceira com Argemiro do Patrocínio (falecido integrante da Velha Guarda da Portela) e a presença da cantora na ala dos compositores da escola de samba Portela.
Teresa produz samba como se constata no CD Delicada, em que apresenta composições próprias, em parcerias com João Callado e com Zé Renato. Assim, nesse repertório, identifica-se a influência de compositores portelenses como os sofisticados Paulinho da Viola, Zé Ketti e Candeia.
Um aspecto importante neste disco é que a cantora abandona a timidez, afirmando-se como cantora, imprimindo características próprias ao interpretar Gema (Caetano Veloso), Carrinho de Linha (do esquecido sambista baiano Walter Queiroz) e em No pé do lageiro (de João do Valle), além da faixa-título, que interpreta com mais sentimento do que delicadeza, secundada pelos arranjos do grupo com participação de Paulão Sete Cordas em A paz do Coração (Candeia).
É um disco produzido para o mercado, e como todo o resto, do qual se espera uma boa vendagem, uma vez que é o primeiro dessa cantora em uma grande gravadora, registrando a produção e o tratamento dado ao samba pelos novos grupos surgidos na Lapa. É o trabalho que Teresa Cristina sempre fez e continuará a fazer, delicadamente.

Ficha técnica:
Delicada Produção: Paulão 7 Cordas
EMI
1. Cantar (Teresa Cristina)
2. A Gente Esquece (Paulinho da Viola)
3. Fim de Romance (Teresa Crisitna e Argemiro)
4. Nem Ouro, Nem Prata (Ruy Maurity)
5. Quebranto (Alfredo del Penho e Teresa Crisitna)
6. Gema (Caetano Veloso)
7. Carrinho de Linha (Walter Queiroz)
8. Pé do Lageiro (João do Valle)
9. Senhora das Águas (João Callado e Teresa Crisitna)
10. João Teimoso (João Callado)
11. Delicada (Teresa Crisitna e Zé Renato)
12. A Paz no Coração (Candeia e Cabana)
13. Saudade de Você (Teresa Cristina e João Callado)
14. Fechei a Porta (Sebastião Motta/Delice Ferreira)/Rosa Maria (Anibal da Silva/Éden Silva)/Jura (Adolfo Macedo/Marcelino Ramos)

Áurea Alves é jornalista

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Maria Rita ao mesmo tempo que lembra sua mãe, é muito diferente,a musicalidade e extensão vocal da Elis é bem superior.

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